Daniel
Ribeiro
Os
sinos da igreja matriz soavam doze badalas, era meio dia e meia, a movimentação
permanecia intensa pela Ribeira do Itapecuru, os vendedores em suas barraquinhas
estavam eufóricos com as vendas, pois, era o derradeiro dia do festejo, o vento
dava ares multicoloridos ao balanço das fitinhas de pedidos com o nome da
padroeira, os romeiros vinham de todos os cantos com suas ofertas, preces e
pressa para chegar ao andor de Nossa Senhora das Dores.
Um
jovem viajante, em seu cavalo, percorria a estrada do caminho da boiada, após a
celebração da missa das três horas da tarde, o frade franciscano Bento Ribeiro,
cabelo crespo, cortado ao estilo de sua congregação, de pouca estatura, a barba
por fazer, aparentava certo ar de cansaço, porém, conserva o mesmo espírito
missionário, desde muito moço quando entrou para o seminário, atendendo a um
pedido de sua falecida mãe, que sonhava com um filho sacerdote. O Franciscano
saiu da capital, São Luís em peregrinação pelo interior do Maranhão, e seguia
em direção a Vila da Manga, quando resolveu dá uma parada na vila próxima ao
Rio Itapecuru para descansar e participar da celebração da santa missa,
anunciada pelo entusiasmado sino que badalava bravamente pelas mãos do sineiro,
“aranha”, conhecido assim, uma vez, que parecia ter oito braços ao dobrar os
sinos da igreja.
A
estrada que dava acesso ao destino do jovem padre era cheia de desafios e
aventura cortava o leito de vários igarapés entre eles o desafiador Igarapé das
Passarinhas, o mais perigoso e assombrado, alguns ribeirinhos contavam que
àquelas águas eram encantadas, por isso, quem o atravessasse deveria oferecer
três ave-marias a Nossa Senhora dos Navegantes até chegar ao outro lado da
margem. Depois de subir a barreira o cavalo de Bento parecia exausto, no
entanto, ainda havia muita estrada pela frente até chegar ao Rio Gaiola,
passagem obrigatória dos viajantes que optassem em passar pela pequena Vila de
Santa Luzia, uma vilazinha acolhedora com poucas casas, que servia como lugar
de descanso para os que fossem seguir em direção à rebelde Vila da Manga de
onde possivelmente surgiram alguns insurgentes da Balaiada.
Acompanhado
de um antigo mapa, uma cabaça d’agua, alguns mantimentos, farinha de mandioca,
carne seca, rapadura e aguardente. O frade não imaginava que tinha desviado um
pouco da sua rota, percorrera um caminho fechado, longe das veredas trilhadas
por transeuntes daquela região.
Ao perceber que estava perdido Bento parou o
seu cavalo, tentou localizar-se pela direção do poente, mas confundiu-se e
seguiu no sentido Oeste, quando na verdade deveria está a Leste na direção de
outro bravo afluente do Rio Itapecuru, o Ipiranga, talvez, um dos maiores e
mais importante igarapés a cruzar essas terras, em tempos de cheias a
quantidade de pescados atraia até os pescadores mais leigos, pela sua fartura e
facilidade em que alimentava inúmeras famílias, saudosistas ainda lembram-se do
Ipiranga como o “Nilo mirim” dada a sua presença ser continuamente tratada por
gerações como uma dádiva da Ribeira.
As
águas de março haviam abastecido os pequenos rios temporários, mesmo já por
meados de setembro, continuavam com suas colorações barrentas que denotavam
tempos de períodos chuvosos intensos. Mas ao longe, o sinal das queimadas
trazido pelo vento mostrava que os pequenos agricultores preparavam o solo para
um novo período de plantio, como era de costume o plantio de mandioca dava-se
mais cedo, tendo em vista, que a maniva colhida anteriormente estava pronta e
seu ciclo é mais duradouro.
Assim, ao deparar-se com as cinzas a
cobrir-lhe o rosto, Bento percebeu que próximo dali algum morador tinha tocado
fogo preparando o roçado, então resolve voltar na direção contrária para se
afastar da quentura que começa a sufocar. Num raio de quinhentos metros
moradores da região do “Piranga”, como era pronunciado na variante linguística
local, fizeram um asseiro, uma espécie de barreira para conter as chamas e
impedir que avançassem sobre terras alheias, contudo, com o tempo seco, vento
forte e coivaras espalhadas por todo lado ficou inviável conter as labaredas.
Nesse mesmo dia chegou a atingir uma enorme área próximo aos povoados São
Sebastião, Pau Nascido, Cigana do Pau Nascido, indo inclusive em direção ao
Buragi e Dom Quer que ficavam mais distantes.
O
fogo avançava e cercava toda a região, o cavalo com sua respiração ofegante
mostrava-se esgotado, percorreram as margens de um pequeno córrego na iminência
de encontrar à saída daquele labirinto, mas todo esforço parecia em vão, o suor
a escorrer a face, a batina do padre enxaguada, o ar irrespirável aumentava a tensão, todavia, o
rosário permanecia firme nas mãos do jovem presbítero em meio a tanta aflição.
A fé de Bento parecia inabalável, mesmo assim, o medo da morte era iminente, o
que o impulsionava a pensar numa desesperada alternativa para não ser queimado
vivo, ao longe os gritos dos moradores propagavam que uma tragédia estava
prestes a acontecer, temiam que as casas localizadas a beira da estrada fossem
consumidas pelo fogaréu descontrolado.
Em
suas preces o clérigo rogou a Deus para que sua vida não fosse ceifada antes
que se cumprisse sua missão evangelizadora, havia muito a ser feito por essa
região tão esquecida do governo da Província do Maranhão. Bento com seu fiel
companheiro de longas viagens sentiu-se vencido e entregou sua alma aos céus,
sabendo que era inútil lutar contra o fogo que o fez inalar muita fumaça,
perdendo a consciência desmaiou ao lado de seu cavalo, e ali os amigos
inseparáveis foram consumidos pelas chamas. Tornando aquele solo sagrado para
muitas famílias que naquele mesmo lugar viriam a enterrar seus falecidos por
gerações e gerações.
-
O “Campo da Cruz”, assim, ficou conhecido o lugar que Seu Joca Mendes acabara
de relatar a estória aos seus netos, no pé do cruzeiro de um dos cemitérios
mais visitados de Itapecuru, famílias de toda a região enterram seus mortos
ali, das imediações do Tingidor ao povoado Bacabalzinho, do Santo Antônio ao
Centrinho, do Marvão ao Boa Hora, aliás, inclusive aqueles que migraram para
sede do município ainda o fazem.
Tendo
escutado toda aquela narrativa seu Marcolino Mendes distinto ancião que nascera
por aquelas terras, ouvira de seus antepassados outra versão para o virtuoso
lugar batizado de Campo da Cruz, resolveu então deixar sua parcela de
contribuição aos mais jovens.
-
Bem, Por meados de agosto de 1839 cento e quinze praças enviados pelo
Presidente da Província do Maranhão Sr. Manoel Felisardo de Sousa e Melo
marcharam rumo ao povoado Buragi, onde os rebeldes haviam assassinado um
europeu, a área de conflito se estendeu pelos povoados Piranga, Bacabal, Santa
Luzia e Monte Cristo. Ocorrera nessa extensão uma sangrenta batalha entre os
exércitos provincianos e rebeldes insurgentes, que em sua maioria eram escravos
e lutavam contra o Império. Contam os mais velhos que naquelas imediações do
Campo da Cruz, um crucifixo fora encontrado intacto, após alguns anos depois e
pertenceu a um insurgente devoto da Santa Cruz, o Negro Simeão de origem banta,
desembarcou no Maranhão ainda muito jovem vendido para trabalhar nas lavouras
de algodão.
Desde
então, com o achado iniciou-se a prodigiosa peregrinação à capela das almas,
instalada dentro do perímetro onde aconteceu à sangrenta batalha. A família
Mendes foi uma das primeiras a iniciar as celebrações na capelinha; e a
utilizar aquelas terras como jazidos para seus familiares mortos. Logo, outras
famílias da região também adotariam tal tradição, tornando o cemitério do Campo
da Cruz singular, como um dos mais movimentados da cidade durante a celebração
de finados.
Essa
foi à segunda versão da estória do lugarejo e cemitério conhecido como “Campo
da Cruz”, que ainda hoje desperta a curiosidade de muitos viajantes, dos quais
cruzam a estrada do Tingidor em direção aos inúmeros povoados da zona rural de
Itapecuru. Se os fatos narrados evidenciam a veracidade ou não desta narrativa,
é algo que cabe aos historiadores provarem, no entanto, a tradição mantida e
celebrada desde o século passado encanta quem vai às missas celebradas na
capelinha das almas, no mês de novembro mais parece um festejo a intensa
circulação de pessoas que vão homenagear seus mortos e rezar por suas almas,
torna aquele lugar místico, sagrado e dotado de uma simbologia histórica e
cristã.
Nobre amigo Daniel Ribeiro parabéns pelo excelente texto, esses textos em prosa ambientados em Itapecuru enriquecem sobremaneira a preservação de nossa memória cultural e permitem-nos falar sobre a ideia de itapecuruensidade, vocábulo de forte carga semântica pois nos reporta ao sentimento de pertencimento telúrico.
ResponderExcluirA Literatura Itapecuruense perece viver um renascimento, pois muitos talentos tem surgido na prosa e poesia, precisamos alicerçar o valor de nossos talentos na sociedade a partir da construção de um projeto de política pública municipal de cultura que em confluência com uma nova política municipal de Educação leve as obras de nossos escritores e demais artistas para as salas de aula de nossos municipíos
ResponderExcluirnossa iniciativa individual nesse afã, assim como a de instituições como nossa AICLA são de salutar importância entretanto enquanto não tivermos gestores sensíveis à Cultura e às Artes nossos avanços serão circunscritos e não alcançarão o impacto social que a cultura precisa inarredavelmente exercer sobre nossa sociedade, sobretudo em nossos adolescentes e jovens, hoje infelizmente vitimados pelas drogas que assolam Itapecuru e pela ausência completa de políticas públicas municipais para a juventude.
ResponderExcluirRealmente um belo texto das riquezas de nossa Itapecuru.
ResponderExcluirObrigado, Caro amigo Teotônio Fonseca falar sobre a memória de nossa Itapecuru é algo inspirador na criação literária, precisamos motivar nossa juventude a reconhecer em nossa cidade traços de sua identidade.
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