Por: Benedito Buzar
No meu santuário de recordações, uma mulher
terá sempre um lugar cativo e será eternamente reverenciada: Anozilda Santos
Fonseca ou Santinha. Foi ela que me deu a luz da alfabetização e ainda me fez
devoto das letras e dos livros, que me valeram a ser bem sucedido no curso
primário e chegar ao ginásio sem maiores problemas.
Por tudo que fez por mim e pelas novas gerações
da minha terra, curvo-me diante dela, com o respeito e a veneração que merece,
para homenageá-la pela luminosa idade de 100 anos, que completou dia 26 de abril,
mas que os familiares, ex-alunos e amigos vão comemorar hoje.
Para minha alegria e felicidade, acompanhei de
perto a sua longa trajetória de vida, toda dedicada ao magistério, profissão
que abraçou e se entregou de corpo e alma.
Vê-la completar uma centúria de existência,
plena de invejável lucidez e inquebrantável vitalidade, é uma glória e uma
benção divina. Dos idos de minha infância, quando a conheci, aos dias de hoje,
Dona Santinha nunca deixou de ser uma mulher destemida , virtuosa, exemplar
esposa, mãe e amiga. Na sua caminhada de vida, passou por bons e maus momentos
e enfrentou dias de alegria e de tristeza, mas manteve-se firme, sabendo-se
comportar com dignidade e ética.
Por dever de gratidão e sentimento de
admiração, quero hoje tornar pública a história de vida dessa mulher que
veio ao mundo para cumprir a mais nobre missão humana: educar, educar e educar.
Anozilda nasceu na cidade de Guimarães, filha
da doméstica Antoninha e do farmacêutico Manoel dos Santos. Com oito anos,
já chamada de Santinha, mudou-se para São Luis, onde o pai montou uma
botica, na Rua de Santana. Santinha só não foi farmacêutica, porque a mãe
obrigou-a ser professora. Começou os estudos na Escola Modelo de onde saiu para
brilhar em outros colégios, como aluna exemplar, no Convento de Santa Teresa,
Ateneu Teixeira Mendes, Rosa Castro e Liceu Maranhense. Diplomou-se normalista
em 1936, mas só três anos depois, ou seja, em 1939, conseguiu o emprego de
professora substituta, lotada na cidade de Itapecuru-Mirim, no Grupo Escolar
Gomes de Sousa, que ainda funcionava numa casa particular. Ficou apenas um ano
na função, pois a titular, voltara às atividades. Logo depois, outra
professora, na mesma cidade, pediu licença para tratamento de saúde e ela é
convocada para substituí-la. Cumprida a missão, retorna a São Luís, indo
lecionar num colégio no interior da Ilha.
Nos idos de 1941, conhece em
Itapecuru um rapaz forte e bem disposto chamado José Barbosa Fonseca, mais
conhecido por Zezeca. O namoro rapidamente se transforma em avassaladora
paixão, mas contra a vontade de dona Antoninha, que desejava para a filha um
candidato formado. Quanto mais a mãe pressionava, mais Santinha se empolgava
com a conversa e o porte físico do jovem itapecuruense.
Na tentativa de sufocar aquela arrebatada
paixão, dona Antoninha exila a filha em Guimarães, mas o namorado, perdido de
amor, parte atrás da amada, apenas com a cara e a coragem. O auge da
perseguição ocorre quando flagra a filha e o namorado sob tórrido romance, que
custa a Santinha uma incrível surra.
Diante de
tamanha agressão, a filha reage e articula com o namorado uma fuga para São
Luis, onde se hospedam na casa de uma amiga. Dias depois, procuram o Tribunal
de Justiça, cenário da união jurídica de Santinha com Zezeca, ato realizado em
8 de maio de 1942. Para pagar as despesas do casamento, a noiva teve de se
desfazer de um preciso anel de ouro, por ironia, presente da mãe.
Cinco dias
após o casamento, o casal viaja para Itapecuru, onde residiam os pais de
Zezeca, na suposição de que, naquela cidade, tinham pelo menos comida e casa
para morar. Para ajudar no sustento da família, Santinha resolve lecionar em
casa, valendo-se dos anos em que, como professora substituta, se tornou
conhecida e fez um bom relacionamento na cidade. Além do ensino particular, ela
consegue um lugar de professora no Colégio Rio Branco, graças à benevolência do
proprietário, o professor João da Silva Rodrigues.
No correr de
1943, a sorte começa a arejar a vida do casal. Tudo acontece quando o
engenheiro Emiliano Macieira, então diretor do Departamento de Estradas de
Rodagem, visita a cidade. Sem medo de ser feliz, Santinha pede emprego para o
marido e Dr. Emiliano concede.
No ano seguinte, o Governo do Estado começa a
construir um grupo escolar em Itapecuru, para atender a demanda crescente de
matrículas e levando em conta de que a casa onde funcionava o colégio não mais
satisfazia às exigências educacionais do município. Quando o interventor Paulo
Ramos e o prefeito Bernardo Tiago de Matos escolhiam o local onde seria
levantado o grupo escolar, Santinha não deixa a oportunidade fugir.
Apresenta-se como professora e desempregada. Paulo Ramos impressiona-se com a
desenvoltura e a iniciativa da normalista e a nomeia.
Imediatamente começa a trabalhar no velho e improvisado
Grupo Escolar Gomes de Sousa, sob a direção da professora Sinhá Tavares. Dois
anos depois, em 1946, o novo colégio é entregue à cidade, em solenidade que
conta com as presenças do interventor Saturnino Bello e do prefeito Abdala
Buzar Neto.
Santinha, no
novo colégio, impõe-se pela liderança e competência na arte de ensinar e de
lidar com adolescentes. Nos meados da década de 50, a então diretora do Gomes
de Sousa, professora Cotinha, aposenta-se. Espontaneamente, o nome de Anozilda
Fonseca vem à tona para substituí-la. As autoridades do município e a
comunidade apontam-na, por mérito e direito, para dirigir o novo Grupo Escolar.
Na função de diretora, passa vinte anos, no
correr dos quais conquista a admiração dos corpos docente e discente pela maneira
democrática e transparente como se conduzia à frente do colégio. Algumas vezes,
ela chegou a ser alvo de perseguição, por não se submeter às injunções e aos
caprichos da política municipal.
Em 1969,
Santinha, decide mudar completamente o rumo de sua vida familiar. Em função dos
nove filhos, alguns precisando de ensino universitário, outros de emprego, ela
deixa Itapecuru, onde viveu boa parte de sua existência, construiu um lar e se
fez respeitada e conceituada.
Negocia a sua transferência para São Luís com a
Secretaria de Educação, sendo a mesma deferida, sem perder as vantagens e os
direitos adquiridos. Passa o cargo de diretora do Gomes de Sousa para a amiga e
professora Maud Mubarack, e assume, em São Luís, a diretoria de um colégio no
bairro Sacavém, e ainda consegue com o então governador José Sarney uma casa
para morar, construída pelo IPEM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário