CRÔNICA DE MAIO - Série
crônicas – ano V/nº 53/2018
Josemar Lima
A
história da formação do município de Itapecuru Mirim está umbilicalmente
vinculada aos Engenhos de Açúcar, sendo que o primeiro desses rudimentares
estabelecimentos, denominado “Engenho do Itapecuru”, foi instalado na região
por Antônio Muniz Barreiros Filho, quando exercia o cargo de procurador da
Fazenda da Capitania do Maranhão, no ano de 1622. Foi esse o primeiro engenho
que foi implantado em solo maranhense.
Neste mesmo ano foi nomeado capitão-mor da
Capitania do Maranhão e implantou outro engenho na embocadura do Rio Itapecuru,
próximo à atual cidade de Rosário. Em 1642, tendo seus engenhos sido
confiscados pelos holandeses, liderou uma rebelião contra os invasores,
retomando os engenhos, infligindo derrotas memoráveis ao inimigo, vindo a
falecer entrincheirado na Igreja do Carmo, em São Luís, aproximadamente um ano
antes da vitória final. Essa história eu já contei em outra crônica!
Essas primitivas fábricas de açúcar não
passavam de simples molinetes (engenhocas) movidos por tração animal. A
atividade se expandiu tanto que em 1641 já existiam na região cinco desses
estabelecimentos produzindo, segundo escritos do Conde de Ericeira,
aproximadamente 6.000 arrobas de açúcar mascavo, anualmente.
No
Engenho do Itapecuru, pelas descrições localizado muito próximo da atual cidade
de Itapecuru Mirim, região então ocupada pelos índios da etnia Tapuias/Uritís,
aconteceu o primeiro ataque de silvícolas a padres missionários da Companhia de
Jesus. A investida ocorreu em 28 de agosto de 1649 e resultou nas primeiras
mortes perpetradas pelos índios aos padres jesuítas.
Foram
trucidados os padres portugueses Francisco Pires, Manoel Muniz e Gaspar
Fernandes, que se encontravam no referido engenho como tutores de Ambrósio
Muniz Barreiros, filho menor de Antônio Muniz Barreiros Filho, que fez doação
do engenho à Companhia de Jesus sob a condição dos padres assumirem a guarda e
educação de seu filho. Esse lamentável episódio interrompeu as atividades dos
jesuítas nas ribeiras do Rio Itapecuru e em toda a Província do Maranhão.
Ainda
hoje existem na região réplicas dos Engenhos de Cana daquela época!
Lembro
que nos primeiros anos da década de 70 eu e meus irmãos fazíamos viagens
frequentes para o povoado “Nova Aurora” com o objetivo de comprar laranjas nos
sítios existentes nas margens do Rio Itapecuru, para revendê-las na estação do
trem e passávamos pelo povoado “Lago Encantado”, situado mais ou menos na
metade do caminho.
Nesse
povoado existiam uma grande plantação de cana-de-açúcar e um engenho
pertencente ao Senhor José Januário da Silva, um norte-rio-grandense que tinha
um comércio na cidade, localizado na Rua da Boiada, mas não abria mão das
atividades rurais que exercera quando criança em sua terra natal.
Certo
dia, numa dessas viagens, encontramos Seu Zé Januário, como era conhecido,
montado em um boi-cavalo e se deslocando na mesma direção, mais precisamente
para o povoado onde ficava seu engenho. Ele era muito amigo de minha mãe e,
posteriormente, cheguei a trabalhar como cacheiro em seu comercio de secos e molhados.
Seguimos
o boi-cavalo por um caminho que margeava sempre o Rio Itapecuru e, a certa
altura da caminhada ouvimos surpresos e escondendo sorrisos com a palma da mão,
Seu Zé Januário, que até então só falava com sua montaria, esboçar uma espécie
e cantiga monótona e repetitiva:
“Vai
chover, vai chover, vai chover...”
Realmente
o tempo fechava quando nos aproximamos do povoado Lago Encantado. A chuva
começou a cair forte para nossa alegria e, logo a frente, observamos que o boi
havia parado sua caminhada e, numa manobra de cento e oitenta graus, agora
estava de frente para nós.
O cavaleiro, se podemos chamar assim, também
quem usa um boi como montaria, usava um chapéu de palha de abas largas e
trajava uma calça de caqui e uma camisa manga comprida de mescla azul. Estava
todo ensopado! Ficamos espantado porque ele tinha a fama de matar cobra
venenosa só com o olhar, mas dirigiu-se a nós com tom paternal fazendo um
convite para irmos até o engenho tomar uma garapa.
Respondemos
uníssono que sim, ajudamos a abrir uma porteira de paus roliços e seguimos rumo
ao engenho de cana. Éramos só alegria pela oportunidade de esperar a chuva
passar devidamente protegidos e ainda encher o bucho de garapa, quando a fome
já começava a se manifestar.
Seguimos
por uma estradinha que beirava um lago e logo após uma curva divisamos uma
espécie de galpão coberto de palhas de babaçu, sem paredes laterais.
Aproximamo-nos e fomos direto ao galpão onde se alojavam um alambique de cobre
avermelhado e vários cochos de madeira cheios de garapa.
Nosso
anfitrião nos informou que ali era o local onde se fabricavam a cachaça, a
rapadura, o mel de cana e o açúcar mascavo, uma espécie de açúcar escuro
produzido de forma artesanal.
O engenho
ficava na parte externa junto a uma montanha de bagaço de cana para onde
caminhamos maravilhados. Eu nunca tinha visto um engenho de perto!
Olhei
para aquela imponente armação de madeira traçada feito uma cumeeira, com três
engrenagens de madeira vermelha entrelaçadas por dentes afiados. Enquanto isso
Seu Zé Januário chegava como dois bois já devidamente aparelhados com cangas
também de madeira e os atrelou a uma das peças que pendia do alto.
Gritou
num idioma incompreensível para nós e os animais obedientemente começaram uma
caminhada em círculo, fazendo toda e estrutura tremer e as moendas emitirem uma
espécie de gemido que iam se agudizando na medida que os caules de cana iam
sendo triturados.
Nós, cada
um com sua cuia de cujuba, começamos a aparar aquele caldo esverdeado e
espumoso e nem o recipiente enchia já íamos bebendo gulosamente.
Foi uma
viagem que nunca esqueci!
Agora,
sabedor de que foi aqui no nosso município que toda a história do ciclo
açucareiro do Maranhão começou, sinto como se tempo estivesse abrindo uma fenda
no passado e recordo um poema da lavra do poeta piauiense Da Costa e Silva,
intitulado “Moenda”, que li há alguns anos num livro que recebi de presente de
uma colega de trabalho do INCRA, que residia em Teresina/Pi:
“Na
remansosa paz da rústica fazenda,
à luz
quente do sol e à fria luz do luar,
vive,
como a expiar uma culpa tremenda,
o engenho
de madeira a gemer e a chorar.
Ringe e
range, rouquenha, a rígida moenda;
e
ringindo e rangendo, a cana a triturar,
parece
que tem alma, advinha e desvenda
a ruína,
a dor, o mal que vai, talvez, causar ...
Movida
pelos bois tardos e sonolentos
geme,
como a exprimir, em doridos lamentos,
que as
desgraças por vir, sabe-as todas de cor.
Ai, dos
teus tristes ais, ai, moenda arrependida
- álcool
para esquecer os tormentos da vida
- e
cavar, sabe Deus, um tormento maior.
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