Mauro
Rêgo (*)
Fim
de semana em São Luís. 6 horas da tarde, hora do Ângelus. Procuro ouvir
a voz dos sinos das igrejas que enchiam de mistério os meus ouvidos de
pré-adolescente (70 anos atrás) e não os ouço, o que me traz uma tristeza
recheada de saudades. Recordo de Ribamar Carvalho, pois juntos, procurávamos
saber qual destes estava tocando: São João, Santo Antônio, Carmo, Sé ou São
Pantaleão? Cada um deles com seus diferentes sons, que enchiam a cidade às
Ave-Marias ou quando anunciavam que alguém tinha deixado este mundo...
No dia da Ressurreição eles nos
acordavam às 5 horas da manhã; repicavam anunciando as várias cerimônias
religiosas e somente se calavam nos dias mais sagrados da Semana Santa. Fico
tentando recordá-los perguntando-me “o que aconteceu com a Igreja Católica” que
não exigiu que essa comunicação continuasse?”.
Meu neto João Vítor Rêgo Muniz, católico fervoroso, me informa que as
novas igrejas já não os têm e que as antigas estão precisando de reformas.
Recordo
que o Padre Chiquinho de Anajatuba me ensinou a repicá-los. Eram apenas dois na
igrejinha de nossa cidade e nós (eu e Ribamar Carvalho) disputávamos o
privilégio de fazê-los soar aos domingos e, principalmente, durante os festejos
de Nossa Senhora do Rosário, padroeira do lugar. No dia de Finados ou quando
alguém morria, os seus dobres dolentes enchiam de tristeza a alma dos
paroquianos. Nós substituíramos Zé Flautim nessa tarefa.
Recentemente,
no dia da bênção da nova igreja, o Padre Hélio, atual vigário de Anajatuba me
dizia que a nova torre não tinha condições de arcar com essa instalação.
Disse-lhe do meu desejo de que voltassem a badalar como historicamente
acontecia. Nessa ocasião, não pude me furtar a essas lembranças e repeti um
antigo poema cujo autor foge da minha memória agora:
“Sino, coração da
aldeia,
Coração – sino da gente
Um a sentir quando bate,
Outro a bater quando
sente”.
“A
morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por
isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. É
com essa citação, tirada de um poema de John Donne, poeta inglês do século
XVII, que Ernest Hemingway marcou o início de uma de suas obras mais
importantes: Por Quem os Sinos Dobram.
O
memorialista brasileiro Rafael Sette Câmara, falando sobre os sinos das cidades
históricas de Minas Gerais, comentou: “A linguagem dos sinos, como aprendi
em várias passagens por cidades históricas repletas de igrejas, é cheia de
nuances. Um sino pode tocar para marcar o horário de uma missa. Mas também pode
fazê-lo para avisar de uma emergência, como um incêndio, chamar para um dia de
procissões, avisar de um nascimento ou relatar uma morte. Nos repiques dos
sinos há informações que hoje poucos conhecem. “
Essa
linguagem, cheia de mensagens cifradas, leva à pergunta óbvia, assim que os
sinos de uma igreja começam um cântico fúnebre: por quem os sinos dobram?
Ou, em outras palavras, quem morreu? John Donne, poeta e pregador inglês, ao
mostrar a conexão entre tudo que existe, deixa claro que quem morreu foi você.”
E conclui:
“Nenhum
homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte
de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa
ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus
amigos ou o teu próprio”. Morremos um pouco a cada morte que
presenciamos.
A
escritora americana Kate Quinn em seu livro “A rede de Alice”,
falando da ocupação da França pelos alemães durante a 1ª e a 2ª Guerras
Mundiais, nos diz que no Norte daquele País, especificamente em Lille, as
horas eram marcadas pelos sinos. Refere-se também a Limorges, no Sul da
França, onde a voz dos sinos “descia pelo ar preguiçoso do verão”! Quando
fala de “Oradour-sur-Glane”, destruída pelos alemães em 10/06/1944, ela
faz uma pergunta aflita: Será que os sinos tocaram?
Esses comentários justificam a minha
tristeza quando não ouvi os sinos das igrejas de São Luís.
(Mauro
Rêgo é escritor, membro da Academia Anajatubense
de
Letras, Ciências e Artes (ALCA) e da Academia Itapecuruense
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