terça-feira, 29 de setembro de 2020

VISITA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Peça em 1 ato

Cenário - Casa de Mariana Luz

 Samira Fonseca*

Estava Mariana luz terminando a sua Salve Rainha quando os sinos da Matriz soaram, era o início do festejo de Nossa Senhora das Dores. A poetisa logo se pôs a escrever uma breve oração rogando a Deus e à padroeira de Itapecuru-Mirim o fim daquela peste que estava impedindo os fiéis de frequentarem as missas. Assim que ela terminou, foi fazer um chocolate quente. Minutos depois alguém bate à sua porta.

 LUIZ BANDEIRA E JOAQUIM ARAÚJO ― Boas noite! (Entrando na casa da poetisa)

MARIANA LUZ ― Só uma pergunta, nós não estamos numa pandemia? (Falou Mariana Luz fechando a porta).

LUIZ BANDEIRA― Mas era só o que me faltava! Mariana Luz, desde quando a gente pega coronavírus?

MARIANA LUZ ― Mariana Luz, não. Sianica! E pode ser que a gente não pegue, mas temos que dar exemplo para esse povo. Abram as mãos para eu colocar esse álcool em gel.

Os dois colocaram o produto e foram para a cozinha. O músico Joaquim Araújo colocava o chocolate, que a poetisa acabara de fazer, em três xicaras enquanto dizia:

JOAQUIM ARAÚJO ― quem tem que dar exemplo é professor!

MARIANA LUZ ― E eu sou o quê mesmo? (Perguntou Mariana Luz)

JOAQUIM ARAÚJO ― Professora, ah, é verdade! Mas você não conta.  

LUIZ BANDEIRA ― Pois eu acho que quem tem que dar exemplo é o prefeito. (Falou enquanto adoçava o café).

MARIANA LUZ ― Aquele que mandou as crianças da rede particular voltarem para as salas de aula? É difícil! Abdala poderia fazer alguma coisa sobre isso, né?

LUIZ BANDEIRA― Mas o que é que ele vai fazer?                                                                                                

MARIANA LUZ ― Sei lá, quem sabe soprar no ouvido do prefeito...

LUIZ BANDEIRA― Mariana Luz, entenda, o espírita aqui, sou eu.

MARIANA LUZ ― Pois vá lá e sopre!

JOAQUIM ARAÚJO― Sianica, quem sopra aqui sou eu que sou músico ah,ah,ah,ah.

Os três sorriram.

LUIZ BANDEIRA― Agora falando sério, e a política? Quem vocês acham que vai ganhar?

MARIANA LUZ ― Eu não sei, o Abdala diz o quê dessa eleição?

LUIZ BANDEIRA ― Ele está um pouco afastado porque aconteceu algumas coisas que ele não se agradou. O tambor de crioula dele, por exemplo, sem apoio do poder público, quase não sai o ano passado. Isso o deixou triste.

JOAQUIM ARAÚJO― Uma coisa é certa: o povo desacredita tanto da política local que se vende por qualquer preço, até alguns intelectuais, sempre foi assim.

MARIANA LUZ ― É triste!

JOAQUIM ARAÚJO ― Por um lado, por outro, não. O povo gosta é assim, e quem tem conhecimento se vende por um preço mais alto. É como diria Machado de Assis: “O dinheiro não traz felicidade para quem não sabe como usá-lo”.

MARIANA LUZ ― É, mas como diria a cearense Rachel de Queiroz: o dinheiro “só nos vale até certo ponto, ou seja, até se chocar com os limites dessa coisa intransponível que se chama a natureza humana”. 

LUIZ BANDEIRA― Allan Kardec diz que: “o sinal mais profundo da imperfeição do homem é o interesse pessoal”.

Depois dessa frase fez-se um silêncio de reflexão.

MARIANA LUZ ― Olha, eu sou católica, apostólica, romana, mas isso aí que tu dissestes é bonito, é muito profundo...

JOAQUIM ARAÚJO ― É mais profundo do que os sumidouros que têm no rio Itapecuru.

LUIZ BANDEIRA― Hum hum... a gente está falando de coisa séria e vem tu com sumidouro... Por falar em sumidouro, Sianica, tu não vais para a missa do festejo?

JOAQUIM ARAÚJO ― Não, agora pode parar e explicar o que é que a missa tem a ver com sumidouro?

LUIZ BANDEIRA ― Não teve um padre ai que sumiu com um dinheiro dos fiéis?

JOAQUIM ARAÚJO ― Mas não foi daqui não, foi lá da Basílica do Pai Eterno.

LUIZ BANDEIRA ― E lá não tem missa? Sumidouro.

JOAQUIM ARAÚJO ― É? João de Deus mandou lembranças pra ti.

MARIANA LUZ ― Olha, eu sou católica, apostólica, romana e não admito essa discussão de religiões no tamborete da cozinha de minha casa. Quanto a missa, eu não vou, sou do grupo de risco.

LUIZ BANDEIRA ― É, ela está com medo de morrer de novo.

MARIANA LUZ ― Eu sou imortal, estou apenas dando exemplo para esse povo, já te falei Luiz Bandeira.

LUIZ BANDEIRA ― Pois coloca tua máscara e vamos ficar ali sentado a porta da tua casa ouvindo a homilia.

Os três sentaram à porta da casa de Mariana Luz, local onde hoje se localiza o prédio comercial ao lado da casa das irmãs Josefinas.

 


*Samira Fonseca é professora, romancista e dramaturga, coordenodora do Núcleo de Estudos Mariana Luz – NEMA e membro  efetivo eleito da  Academia Vargem-grandense de Letras e Artes - AVLA.

12 comentários:

  1. Gostei desse papo, Samira, entre esta nossa gente de muito valor cultural! Parabéns pelo belo ato teatral! Um abraço!

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  2. Muito obrigada, professora Benedita. Fico imensamente feliz que a senhora tenha gostado.

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  3. Parabéns, professora Samira. A sua peça possui um grande aspecto literário e de muita sensibilidade. Você como sempre mandando bem.

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  4. Muito obrigada Érika, pela leitura. Um abraço!

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  5. Muito interessante a peça teatral resgatando ilustres Itapecuruenses no seu contexto, parabéns, Samira!

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  6. Um registro genial, do momento em que estamos vivendo. Certamente conm muito valor histórico, cultural e literário. Parabens confreira Samira.

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  7. Bárbara e Jucey muito obrigada. A leitura e aprovação de vocês sobre a temática trabalhada, faz com que eu me sinta feliz com o resultado. Um abraço em vocês.

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  8. Ameii demais haha! Meu orgulho ❣️
    Amo seu senso de humor...kk
    Parabéns minha querida amiga!

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