quarta-feira, 30 de agosto de 2017

SE A LUA SAÍSSE MAIS TARDE



  

Mauro Rego

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde,
Depois que a cidade se acalmasse,
Depois que as casas se fechassem,
Depois que todos dormissem
E a paz reinasse sobre os campos!

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde
Para que, livre de todas as distrações,
Eu pudesse contemplá-la surgindo atrás dos morros
Espargindo sua luz sobre o campo
Espalhando cores sobre o espelho das águas!

Eu navegaria na calma desse campo imenso
Procurando encontrar os fantasmas,
Querendo conviver com os espíritos!
E tu, canoeiro de outras águas,
Navegarias comigo em busca do impossível,
Em busca do cabrunco que tu nunca viste,
Ouvindo os tambores de um passado distante
Que tu não conheces!

E tu silenciarias, canoeiro de longe,
Para que eu pudesse ouvir a voz das coisas,
Gemidos de almas penadas,
O grito de Raimundo Gadeiro,
As caixas do Divino subindo os morros
E o rufar surdo dos tambores de crioula
As caixas do Divino subindo os morros
E o rufar surdo dos tambores de crioula
E de São Benedito!

E se os seres sobrenaturais quisessem navegar conosco,
Invisíveis como tu, canoeiro encantado,
Eu te entregaria a vara de angico
Para que tu levasses o viajante
Até a enseada verde
Onde ele saltaria para sua morada escura!

Sentirias comigo as bênçãos do infinito,
Afastarias as maldições errantes
E conhecerias, como eu, os mistérios do campo...
As estrelas esmaeceriam
Sob o brilho da lua que chegou mais tarde,
Até que os galos cantassem
Desfazendo os mistérios,
Mandando que tu também partisses,
Canoeiro de outras águas!

Queria que hoje
A lua saísse mais tarde
Para ofuscar as luzes caminheiras
Que espantam os viajantes da noite;
Para que eu cavalgasse o cavalo encantado
Que passa pela Rua do Fio
E se perde na distância
Retinindo seus arreios de moedas antigas
Se a lua saísse mais tarde!



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