Carla
Alencar
Há pouco mais de uma década ocorreu
nosso primeiro encontro. Mudanças na vida pessoal promoveram um recomeço
profissional necessário e assim, em 2014, voltei a Itapecuru Mirim, onde havia
trabalhado logo no início da carreira de Promotora de Justiça, quando era
titular de Anajatuba.
Estar em Itapecuru Mirim significou uma
volta ao começo que trouxe novos desafios, após uma passagem de mais de quatro
anos por Caxias. Essa é a nossa vida, uma constante mudança e readaptação.
No ano de 2016, mais um desafio estava
programado: atuar na função eleitoral, fiscalizando as eleições municipais em
Cantanhede, Itapecuru Mirim e Miranda do Norte.
Os atos preparatórios para as eleições
municipais consumiram boa parte da jornada diária de trabalho nos meses de
agosto e setembro. Mas, nem imaginava que não iria estar acompanhando a festa
da democracia. Muitas estratégias e ações foram idealizadas para colocar em
prática no final de semana da eleição, com o apoio incansável de todos que
fazem a Justiça Eleitoral e a força policial em Itapecuru, mas não pude delas
participar, pois a chegada à cidade não terminou da forma programada.
No dia 1.º de outubro de 2016, não como
de costume, chegava à cidade de Itapecuru com três guardiões, anjos postos por
Deus no meu caminho. Decidimos, por obra do destino, fazer essa viagem juntos.
Era por volta das 14h30min, quando a chegada a Itapecuru foi interrompida de
forma inesperada.
No caminho, cruzou uma criança em uma
bicicleta e, para não atingi-la, perdi o controle do carro em que viajava
sozinha, capotando por diversas vezes na BR 222, sendo o carro arremessado em
sequência para um barranco na lateral da pista.
Como é Deus quem escreve a nossa
história, aquele não seria meu dia de partir, sendo Itapecuru palco de um
verdadeiro milagre, eis que, desde o acidente, tudo foi arquitetado por Deus
para que nada de pior comigo acontecesse.
Confesso que nada me recordo daquelas
horas seguintes de aflição, até isso foi providenciado para que o sofrimento e
a angústia fossem apagados da memória.
Tão logo meu carro parou, presa pelo
cinto de segurança, fui alcançada pelos anjos que Deus tinha se encarregado de
estar comigo naquele trajeto: Albert,
Samuel e Mirella. A força física foi necessária e contei com o socorro dos dois
primeiros, que venceram as dificuldades de encontrar meu carro virado em um
barranco para me tirarem de seu interior, além de providenciarem o meu
transporte até as margens da rodovia. A terceira não me abandonou um minuto e esteve no trajeto para o Hospital Regional
Adélia Matos Fonseca e depois, durante todo o restante do dia.
Após a retirada do veículo, fui colocada
em uma ambulância que providencialmente passava
pelo local, enviada por Deus para
auxiliar no momento.
Os momentos seguintes não foram fáceis
para os que comigo estiveram naquela batalha, eis que as notícias eram
desanimadoras.
A gravidade do acidente a todos assustou
e não foi à toa. Foram muitas as fraturas e o pronto atendimento médico era
primordial naquele momento. Uma corrente de forças e orações uniu amigos do
Ministério Público, do Judiciário, das Polícias Civil e Militar, Corpo de
Bombeiros Militar, APAC, Igrejas e muitos que não me conheciam, mas que queriam
ajudar naquele momento.
A transferência não tardou e, em um
helicóptero do Comando Tático Aéreo, fui trazida para São Luís, onde receberia
a continuação do meu atendimento médico e reencontraria minha família.
Somente após horas de cirurgia e dias de
aflição, consegui recobrar a consciência e tomar conhecimento de tudo que
envolveu meu acidente: mobilização na minha Itapera e em São Luís, cuidados com
minha pequena, transferência de helicóptero, correntes de oração, doação de
sangue. Tudo era confuso. Inicialmente, só me vinha à cabeça como tinha sido a
eleição, a fiscalização com a polícia e o risco de ter machucado alguém. Com o
tempo passando, a ficha foi caindo.
As semanas seguintes foram para
estabilização e novas cirurgias já que várias foram as fraturas, mas foram bem
menos difíceis do que imaginei quando tive a notícia do acidente e me vi
imobilizada em um leito de UTI. Como seria parar a correria em que vivia? Mas,
sobrevivi.
Por algum motivo aquele acidente deveria
ter acontecido e acreditei desde o início que Deus tinha um propósito em ter me
dado livramento naquele dia e nunca me revoltei com o ocorrido, apesar de não
entender ainda o porquê.
Fui escolhida para receber de Deus uma
nova oportunidade de viver, tendo sido montado um verdadeiro quebra-cabeça para
que tudo desse certo de acordo com Sua vontade: viagem em comboio, resgate
quase instantâneo, ambulância passando pelo local vazia, mobilização de amigos,
médicos e enfermeiros aptos a prestarem os primeiros socorros tão necessários
em Itapecuru, disponibilidade de helicóptero e de equipe de paramédicos, além
de muita fé.
Nesse contexto, as orações estiveram
sempre presentes, independente de religião, desde o momento do acidente e,
posteriormente, nos cultos e na missa em Itapecuru pelo meu restabelecimento,
sendo criada ainda a corrente#somostodosCarla, que logo se propagou de forma
carinhosa nas redes sociais.
A fé, de fato, é uma força propulsora da
saúde e o que comigo ocorreu atingiu meu plano físico, mas nunca atingiu meu
plano espiritual. Muito pelo contrário, com o ocorrido, tive a oportunidade de
me aproximar ainda mais de Deus e, apesar de alguns momentos de desânimo, pude
encarar a nova realidade com otimismo.
Como não agradecer pelo milagre que me
foi concedido naquele dia? Qualquer variável diferente do que ocorreu poderia
ter levado à minha morte. Como explicar que meu carro, apesar de diversas
capotagens, não colidiu com nenhum outro veículo passando pelo local? Como
explicar que sai sem sequelas neurológicas de um acidente tão grave? Como explicar a ambulância passando pelo
local tão logo ocorreu o acidente? Só com a intercessão divina para que tudo
desse certo e deu. Posso dizer que sou fruto de um verdadeiro milagre de Deus.
Assim como fui protegida no momento do
acidente, tendo minha vida preservada por obra de Deus, a fé na recuperação e
as infindáveis orações propiciaram uma recuperação que surpreendeu a todos,
inclusive aos médicos, sem qualquer sequela neurológica ou em órgãos vitais, e,
em pouco menos de um mês do meu renascimento, recebi alta hospitalar,
demonstrando a veracidade de algo que ouvi de muitos “Deus não deixa sua obra
pela metade”.
Iniciava-se a parte mais demorada da
recuperação, a reabilitação dos membros atingidos no acidente com intensas
sessões de fisioterapia, cuja monotonia igualmente foi amenizada com a presença
constante da família e de amigos fiéis, ainda que virtualmente, até porque
amigo não é estar, é ser.
Pouco a pouco, com os relatos que me
eram feitos, tentei tomar conhecimento do que foi aquele primeiro de outubro e
da mobilização gerada pelo acidente, do empenho de muitos que foram utilizados
como instrumentos para que tudo desse certo em minha vida. Mas, sei que nunca
terei real noção do carinho e da rede de proteção que me cercou.
O retorno à minha Itapecuru foi muito
aguardado para tentar agradecer àqueles que tanto me ajudaram e ocorreu quatro meses após o acidente, em 07 de
fevereiro de 2017. Revi muitos amigos queridos e pessoas anônimas que oraram
pela minha recuperação, além de ter ido à unidade de saúde em que tive meu
primeiro atendimento e onde muitos foram utilizados por Deus para permitir que
o Milagre do meu renascimento se efetivasse. Foi um reencontro repleto de
emoções e com uma energia indescritível, pois foi em Itapera que me foi dada
uma nova chance de viver e essa nova chance não será desperdiçada. Há muito a
viver e um novo começo a fazer, com Deus à frente de tudo, pois não há portas
que se fechem diante da Sua vontade.
Do livro Púcaro Literário I ( 2017) pag. 62
Carla Mendes Pereira Alencar
– Promotora Pública desde 2001, Em
janeiro de 2003 foi titularizada em Anajatuba onde permaneceu até 2007, quando
foi transferida para o município de Grajaú. Em 2009 foi encaminhada à Caxias
ficando até maio de 2014 quando assumiu como titular a 3ª Promotoria de Justiça
na Comarca de Itapecuru Mirim. Já
respondeu também pelas comarcas de Cantanhede, Humberto de Campos e em
Itapecuru Mirim pela 2ª e 3ª Promotoria em 2003. Foi uma das fundadoras juntamente com a juíza Mirella Cézar da
unidade da APAC do município, em 2015.
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