terça-feira, 14 de novembro de 2017

O CHORO DA SANTA DE ITAPECURU-MIRIM





Benedito Buzar

Em meados de 1949, um súbito acontecimento ocorreu em Itapecuru-Mirim, deixando a sua população em suspense.

Naquela época, a minha cidade contava com limitada população, reduzido espaço físico e desprovida das modernidades tecnológicas, mas não deixava de ser aconchegante, sedutora, abençoada por Deus e bonita por natureza.

Em plena inquietação de meus onze anos, usando ainda calça curta e cursando o primário no Grupo Escolar Gomes de Sousa, lembro-me, a despeito das dezenas de anos passados, do fato gerador daquela repentina e anormal celeuma, que levou a terra de Gomes de Sousa a quebrar a sua rotina diária de vida, fazendo os seus habitantes viverem momentos de incomum expectativa e de inusitada comoção.

Mesmo com o tempo a me consumir, minha memória permanece preservada e permite-me dizer que toda aquela intensa movimentação humana, tinha por alvo e foco uma casa residencial, localizada na Rua da Boiada, hoje, senador Benedito Leite, onde morava o casal Maria de Lourdes e Felício Cassas, de cuja união nasceu os filhos Ivete, Graciete, Myriam, Marília, Nonato e Elias.

Era naquela casa que aconteciam atos e fatos que, pelo seu ineditismo e singularidade, abalavam profundamente o sentimento religioso de uma pacata gente, constituída, em sua grande totalidade, de católicos, apostólicos, romanos.

Mas quem polarizava as atenções do que ali ocorria, era uma figura jovem e feminina, que, involuntariamente, transformava a cidade de Itapecuru num polo de atração religiosa, onde romeiros, crentes e não crentes em Deus, se aglomeravam para vê-la.

Chamava-se Graciete  de Jesus, também, conhecida por Didica, a terceira filha da prole dos Coelho Cassas, que, desde criança,  mostrava o seu lado de mulher caridosa, literalmente dedicada à religião católica.

Durante anos, gerações e gerações de itapecuruenses vieram ao mundo por meio de suas delicadas mãos de parteira habilidosa e a maneira como se doava ao povo mais necessitado, virtudes que lhe valeram conquistar inexcedível popularidade, a ponto de transformá-la em líder política.

Mas o que Graciete  fazia para ser alvo de tanta curiosidade popular? Guardava carinhosamente no seu quarto de dormir, um quadro de médio porte, com moldura de vidro, onde figurava a estampa de Nossa Senhora Aparecida, santa que, dia e noite, homenageava e venerava  com flores, velas, orações, preces, promessas e pedidos para cuidar da saúde dela, da família e dos amigos que a cercavam.

Numa dessas venerações, ela observou algo estranho na estampa da santa, pois corria incessantemente de seus olhos um tênue fio de água, como se fosse uma lágrima. Espantou-se com a cena, mas manteve-se em silêncio e deixou que os dias corressem para só anunciá-lo dias depois quando o fenômeno continuava e não deixava dúvidas de que a santa chorava para lhe transmitir alguma mensagem.

Como a santa não parava de chorar, a notícia ganhou as ruas e a casa dos Coelho Cassas virou um templo sagrado, para aonde acorriam católicos ou não, de Itapecuru e de outras cidades, para verem de perto e ao vivo, um ato de fé e de religiosidade.

Não lembro o tempo que durou aquela romaria à casa de Graciete e até quando as lágrimas de Nossa Senhora Aparecida continuaram a escorrer pelo seu rosto.  Mas sei que o choro da santa, objeto de tanta curiosidade e especulação, levou o “O Trabalhista”, editado em Itapecuru, edição de 9 de julho de 1949, a reportar-se ao caso com um texto da lavra do jornalista João Rodrigues, dono do jornal, que, em certo trecho da matéria,  afirmou categoricamente: “Com o Juiz de Direito, Dr. Caetano Jorge, fomos ver aquele mistério que confunde a gente, mas que são realmente lágrimas, desde que não se pode admitir seja o resultado de efeitos físicos, mas gotas cristalinas que desciam do rosto da Virgem Aparecida”

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