quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O MENINO DA FAZENDA CONCEIÇÃO



                                             


                                                                Série de Crônicas – ano III/nº 47/2017 - novembro 
Josemar Lima

Após disputar com cento e quarenta países, o Brasil se habilitou a sediar em 2017 e 2018, dois grandes eventos de relevância internacional – A Olimpíada Internacional da Matemática – IMO 2017, já realizada, e o Congresso Internacional da Matemática – ICM 2018. Para potencializar essa oportunidade e fomentar o desenvolvimento da educação no país, nasceu O Biênio da Matemática no Brasil. Estão sendo dois anos de ações e eventos nacionais e internacionais que estão colocando a Matemática, a Ciência e a Tecnologia no foco da comunicação.

Os eventos destinam-se a um público amplo, desde estudantes, professores, pesquisadores e renomados cientistas até o público em geral. O Biênio da Matemática no Brasil foi instituído pela Lei Federal nº 13.358, de 7 de novembro de 2016, com a denominação de “Biênio da Matemática Brasil 2017/2018 – Gomes de Sousa”, em homenagem ao nosso conterrâneo Joaquim Gomes de Sousa, matemático, médico e político, nascido ali na antiga “Fazenda Conceição”, próximo ao povoado Kelru, em 15 de fevereiro de 1829.

As ruínas da imponente sede da fazenda em que nasceu Gomes de Sousa ainda estão lá, como a clamar no meio do deserto – “Aqui nasceu um conterrâneo ilustre de vocês!” Os paredões erigidos em pedra, cal de sarnambi e óleo de baleia, com quase duzentos anos de existência, indicam que se tratava de uma majestosa construção incrustada à margem esquerda do Rio Itapecuru. A cana-de-açúcar e o algodão eram os principais produtos gerados na propriedade, com mão de obra escrava.

Em 1936, o Major Inácio José de Sousa e Dona Antônia Brito Gomes de Sousa, pais de Joaquim Gomes de Sousa, utilizando-se de madeiras e outros materiais levados da “Fazenda Conceição”, via Rio Itapecuru, construíram em São Luís, na Rua do Sol, mais um majestoso sobrado para abrigar os filhos estudantes. Atualmente o referido prédio, denominado “Solar Gomes de Sousa”, abriga o Museu Histórico e Artístico do Maranhão.

Joaquim Gomes de Sousa nasceu nessa propriedade rural, viveu ali até os onze anos de sua infância e,  mais tarde e já adulto, passou lá uma temporada de férias para se recuperar de uma estafante rotina de trabalho e de uma enfermidade contraída no Rio de Janeiro. ´

O nome é dado em homenagem a Joaquim Vieira da Silva e Sousa (1800-1864), influente político maranhense. Por influência de Domingos J. G. de Magalhães, Barão de Araguaia e Secretario do governo da Província, os pais de Gomes de Sousa mandaram-no estudar em Pernambuco em 1841, com seu irmão mais velho, José Gomes de Sousa, que já estudava direito em Olinda, curso que também fora determinado a fazer.

O irmão falece em 1842 e Gomes de Sousa volta ao Maranhão e vai residir em sua nova casa em São Luís do Maranhão.

Seus pais decidem, então, transformá-lo em militar, carreira que não era de sua predileção. Assim partiu para o Rio de Janeiro em 1843, com apenas quatorze anos, matriculando-se na Escola Militar do Rio de Janeiro e passando a ser cadete do primeiro batalhão de artilharia a pé.

Não demonstrando aptidão para o serviço militar, escreve aos pais solicitando permissão para deixar a carreira. Estes queriam que ele voltasse à Província, mas foram convencidos pelo parente Tiago José Salgado a deixá-lo no Rio de Janeiro para fazer o curso de medicina, após concluir os exames de matemática referente ao primeiro ano da Escola Militar.

Terminados os exames, matricula-se na Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1847, com dezoito anos, conclui o terceiro ano do curso de medicina e de forma ousada requer o exame vago de todas as disciplinas do curso de engenharia na Escola Militar do Rio de janeiro. O pedido foi encarado com reservas pelos professores, que indefiram a solicitação.

Esse fato não o demoveu da ideia de avançar para um patamar mais alto do curso pela via mais rápida, submetendo-se a todas as provas de uma só vez.

Após muita insistência e interveniência de amigos da família, Gomes de Sousa conseguiu a licença para fazer das matérias que faltavam e galgar o grau de doutor em matemática.

Gomes de Sousa apresenta então sua Dissertação – O Modo de Indagar Novos Astros sem Auxílio das Observações Directas e no dia 10 de junho de 1848 recebeu o grau de Bacharel em Ciências Matemáticas e Físicas. Consta que o imperador D. Pedro II assistiu todas as seções de defesa.

Quando fez a defesa dessa tese Gomes de Sousa tinha dezenove anos, quatro anos após ter ingressado na Escola Militar do Rio de Janeiro na condição de cadete da 5ª Companhia do Batalhão de Artilharia a Pé.

Pouco tempo depois, tendo vagado uma cadeira de lente-substituto na própria Escola Militar do Rio de Janeiro, Gomes de Sousa concorreu à vaga com os Doutores Galvão e Escaragnolle, respeitados matemáticos, vencendo-os no concurso.

Em 23 de novembro de 1848 foi nomeado para os cargos de Professor substituto e Capitão Honorário da Escola Militar e, posteriormente, Professor Catedrático da primeira cadeira do quarto ano de Matemática e Ciências Naturais da então Escola Central de Astronomia do Rio de Janeiro.

O acúmulo de atividades agravou os seus constantes problemas de saúde e trouxeram sérias preocupações aos seus pais que mandaram ao Rio de Janeiro um de seus irmãos para que o convencesse a gozar férias no Maranhão, já que estava há cinco anos em atividades intensas. Veio, então, diretamente para a “Fazenda Conceição”, na então Vila de Itapecuru Mirim, na margem esquerda do Rio Itapecuru, onde ficou até julho de 1849, retornando ao Rio de Janeiro.

Consta que o seu aniversário de vinte anos foi comemorado na sede da Fazenda Conceição, com muitas festividades.

Essa foi então a trajetória de Gomes de Sousa até seus vinte anos de idade. A partir daí se inicia uma nova fase de sua vida cheia de reveses e conquistas em território pátrio e também na Europa, principalmente na França, Inglaterra e Alemanha.

O que quis mostrar é que esse menino da Fazenda Conceição viveu a maior parte de sua infância e adolescência ali onde hoje jazem restos de paredões de pedras enegrecidas pelo tempo.

Como todo menino deve ter caminhados pelas trilhas ensombreadas até as barrancas do Rio Itapecuru onde, com certeza, tomou banho pescou e aprendeu a nadar. Ali, também, balbuciou suas primeiras palavras, escreveu suas primeiras letras, fez os seus primeiros cálculos, possivelmente utilizando as roliças pedras-seixos existentes nas margens do rio, e teve contato com seus primeiros livros e professores particulares.

Como todas as crianças do seu tempo naquela região deve ter participado dos Festejos de São Patrício que aconteciam anualmente na Fazenda Kelru, vizinha a sua casa e feito algumas viagens de canoa ou barco à vela à Vila de Itapecuru Mirim e se maravilhado, como descreverem os naturalistas bávaros Martius e Spix, em viagem exploratória pelo Rio Itapecuru em 1819, com as lojas sortidas de pratarias e porcelanas europeias, localizadas na antiga Rua do Egito e demais novidades  da então próspera vila.

Talvez tenha chegado até o final da rua e adentrado à Praça do Mercado onde ficavam os principais prédios da vila – A Cadeia Pública e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

Quando ali retornou, com seus vinte anos, para passar férias deve ter se encantado com a beleza e imponência do lugar, com a natureza quase intocada, com os cantos da siricora e dos guriatãs e, ainda, com os sons molhados das águas do rio que entravam casa a dentro. Lembrou-se, com certeza, das brincadeiras de fazer boi de maxixe, das caçadas com baladeiras e dos jogos de castanhas dos finais das tardes.

Recentemente, com o amigo Tiago Oliveira, professor e escritor de Itapecuru Mirim e seu genitor; meu filho João Guilherme e meus netos Dandara Lima e Wiliam Gabriel, visitei as ruínas da antiga Fazenda Conceição e, confesso, ter sentido a magia que ainda irradia daqueles paredões limosos e cobertos por frondosas árvores.

É tempo de se pensar uma maneira sustentável de preservar aquela memória viva que, por milagre, ainda resiste ali sem depredações severas.

O menino Fazenda Conceição agradeceria muito!
 

      JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.

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