Série Contos Itapecuruenses de
Outrora,
por Daniel Ribeiro.
Celeste
nascera num vapor que descia da capital rumo a importante povoação Vila de
Itapicuru. José Pacheco seu pai trabalhava de sol a sol no transporte de
cargas, descendente de uma família de escravos que há gerações prestava serviço
nas balsas que cruzavam os rios maranhenses.
Fora
educada no colégio de freiras Santa Teresa, onde era bolsista, na capital, sua
mãe morrera no parto, os ecos de dor e sofrimento permanecem na memória de
Pacheco.
Raras
vezes, a jovem passava férias no interior da província do Maranhão, entre uma
estada e outra em Itapicuru, apaixonara-se pelo descendente de fidalgo Antônio
de Castro e Silva, o Toninho.
Não
o reconhecera certa vez, no Largo do Carmo em São Luís, usava trajes formais,
ia em direção ao palacete do governador da província. Levando um importante
documento que iria instalar em sua vila, um motor a querosene que iluminaria as
noites itapecururenses.
O
barulho ensurdecedor seria lembrado copiosamente muitos anos após sua
desativação, pois, era inconfundível e ecoava pelas margens do rio. Toninho
passou por ela com certo ar de nobreza que não o permitia que cumprimentasse
uma pobre moça.
Terminado
o curso normal no internato do Santa Teresa, Celeste apreciava naquela manhã de
dezembro a bela paisagem das margens do Rio Itapecuru, lugar que considerava
sagrado, guardava de si para si, grande estima por aquelas águas perenes. Cujo remanso
da embarcação fazia pulsar em seu coração a ansiedade em ver Toninho Castro,
seu amor platônico.
O
Jovem Castro e Silva cuidava dos interesses da família e dispusera de
importante cargo na Vila de Itapicuru. Despertou sem grande esforço a atenção
de ninguém menos do que a filha do juiz de paz, Angélica Pires, que com sua
altivez, pele clara, cabelos compridos, e expressivas pernas. Atrapalhava os
jovens feirantes do largo da igreja em suas barracas.
Numa
manhã ensolarada despertou Celeste a cruzar a Rua do Egito, em direção às
rampas dos escravos. Cruzou com Toninho que a cumprimentou de forma tímida, não
deixando de reparar no balançar do vestido da morena.
Encantado
com seu perfume de flores de avenca, num tino de loucura a seguiu
disfarçadamente como se fosse aos antigos armazéns da beira rio, com seus
transeuntes descarregadores da estiva, e seu comércio de farinha, babaçu,
azeite de coco e tantas outras especiarias da região.
Ao
perceber que era seguida deixou-se acompanhar, tão logo atrevida, pois moça
direita não andava desacompanhada. Seu guarda-sol colorido comprado na Rua
Grande em São Luís despertava atenção dos rapazes e a inveja de muitas moças.
Há
dias Celeste percebera, que o olhar de Toninho a seguia deliberadamente desde a
missa de Nossa Senhora do Rosário, notara que o rosto do rapaz corava quando os
dois trocavam olhares. Mas sobre a vigilância de seu irmão Clemente, era
difícil aproximarem-se.
Até aquele dia em que seu mano embarcou no
vapor e ela ficou responsável em ir fazer as compras de casa no armazém.
Num
jogo de sedução a corrida apaixonante dos jovens, dava-se de rua em rua. Ao
aproximar-se da praça do mercado Celeste deixou cair um lenço, que trazia seu
perfume, recolhera-o apressadamente Toninho, que saiu em disparada, contornaram
a Rua da Casa de Cadeia e Câmara quando o moço a surpreendeu e a teve em seus
braços. No entanto, a moça o repreendeu só se casar.
Desconsertado
Toninho não conseguiu pronunciar corretamente as palavras para dizer que estava
prometido a Angélica Pires, apenas entendeu Celeste que ele estava
comprometido. Deu meia volta e sem olhar para trás destilou, ─ pois, perdestes
a viagem.
Passados
trinta anos daquele encontro que parecia mais um desencontro. Toninho se casou
e teve três filhos que já estudavam em São Luís quase formados. Celeste durante
todo esse tempo nunca o esqueceu. Chegou a conhecer vários pretendentes,
namorou, foi noiva.
No
entanto sempre desistia de casar-se. Seu irmão Clemente dizia que ela seria
moça velha, só serviria para titia, pois a cuidar dos sobrinhos nunca tinha
tempo para si.
As
tardes vazias na Avenida Gomes de Sousa não fizeram que a bela morena perdesse
o encanto, a pele sedosa, o cacheado do cabelo e o corpo de sereia ainda
permaneciam.
O
coração cansado de esperar, a última vez que ela e Toninho trocaram olhares na
procissão de São Benedito quase tropeçou na calçada. Angélica puxou pelo braço
do marido sempre vigilante.
Toninho
brincava com os netos, quando Madalena atravessou a sala do casarão da Rua
Mariana Luz, para dá a noticia que dona Angélica passava mal, às pressas a
levaram para o hospital, porém, já não havia muito que fazer, pois um ataque
fulminante levou a óbito sua esposa.
Celeste
lamentou e prestou sua solidariedade a Toninho Castro, inclusive respeitando
seu luto que parecia interminável, ao passear com Afonso seu primogênito pelo
largo da matriz de Nossa Senhora das Dores dera por si cumprimentando aquela
formosa dama que nunca esquecera.
Os
lados opostos na sociedade fizeram com que suas vidas tomassem rumos
diferentes, Toninho descendente de fidalgo desfrutava de uma vida confortável.
Celeste apesar de estudar numa boa escola na capital desde pequena teve que
trabalhar como professora particular, depois tornou-se funcionaria pública e
vivia a ajudar nas despesas do mano Clemente.
Ainda
assim, os anos não lhes roubaram a vontade de viverem aquela já quase
sexagenária relação. Na velhice também se ama, dissera Toninho a sua filha
Maria Teresa que não aceitava o namorico com Celeste que o esperou por toda a
vida.
Apaixonados
pelo Rio Itapecuru, e com um saudosismo viciante de atravessar o rio no pontão,
Toninho Castro a convidou a descer aquelas águas encantadas ao seu lado até
capital, porém, o assoreamento do rio não permitia que fosse totalmente
navegável. Encurtou a viagem até o Povoado Areias no município de Santa Rita, o
que não deixou aquele passeio inesquecível.
A
família Castro e Silva não sabia como portar-se diante daquele romance no
mínimo enigmático, pois, outrora nunca perceberam os filhos que seu pai tivesse
uma amante. De fato, nunca a teve, salvo em alguns recônditos sonhos, todavia
esse amor ressurgido na velhice tornava-o vivo.
Celeste
por sua vez, parecia viver um sonho entregara-se uma única vez, a um primo em
uma noite em que fora seduzida no centenário Tambor de São Bendito, isso já tem
mais de quarenta anos. E não o amava.
Agora
era diferente estavam livres, mesmo com os olhares mais perversos da sociedade
conservadora itapecuruense. Não havia mais tempo a perder.
Passeavam de mãos dadas pela Avenida Beira Rio
para apreciar o pôr do sol da rampa do antigo flutuante. Assistiam às peças no
antigo teatro que fora posteriormente destruído para construção de um centro
comercial. Visitavam a antiga casa de Maria Luz com sua rica biblioteca a
recitarem poemas.
A
última viagem deram suspiros após apreciar a vista da margem direita do Rio
Itapecuru no Sitio São Patrício, marcariam suas vidas, andar descalço a molhar
os pés e olhar a vida a partir daquele encontro.
Daniel Ribeiro, professor especialista, estudante de
filosofia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário