segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O OUTRO LADO DA MARGEM



   

Série Contos Itapecuruenses de Outrora,
 por Daniel Ribeiro.

Celeste nascera num vapor que descia da capital rumo a importante povoação Vila de Itapicuru. José Pacheco seu pai trabalhava de sol a sol no transporte de cargas, descendente de uma família de escravos que há gerações prestava serviço nas balsas que cruzavam os rios maranhenses. 

Fora educada no colégio de freiras Santa Teresa, onde era bolsista, na capital, sua mãe morrera no parto, os ecos de dor e sofrimento permanecem na memória de Pacheco. 

Raras vezes, a jovem passava férias no interior da província do Maranhão, entre uma estada e outra em Itapicuru, apaixonara-se pelo descendente de fidalgo Antônio de Castro e Silva, o Toninho. 

Não o reconhecera certa vez, no Largo do Carmo em São Luís, usava trajes formais, ia em direção ao palacete do governador da província. Levando um importante documento que iria instalar em sua vila, um motor a querosene que iluminaria as noites itapecururenses. 

O barulho ensurdecedor seria lembrado copiosamente muitos anos após sua desativação, pois, era inconfundível e ecoava pelas margens do rio. Toninho passou por ela com certo ar de nobreza que não o permitia que cumprimentasse uma pobre moça.

Terminado o curso normal no internato do Santa Teresa, Celeste apreciava naquela manhã de dezembro a bela paisagem das margens do Rio Itapecuru, lugar que considerava sagrado, guardava de si para si, grande estima por aquelas águas perenes. Cujo remanso da embarcação fazia pulsar em seu coração a ansiedade em ver Toninho Castro, seu amor platônico.

O Jovem Castro e Silva cuidava dos interesses da família e dispusera de importante cargo na Vila de Itapicuru. Despertou sem grande esforço a atenção de ninguém menos do que a filha do juiz de paz, Angélica Pires, que com sua altivez, pele clara, cabelos compridos, e expressivas pernas. Atrapalhava os jovens feirantes do largo da igreja em suas barracas. 

Numa manhã ensolarada despertou Celeste a cruzar a Rua do Egito, em direção às rampas dos escravos. Cruzou com Toninho que a cumprimentou de forma tímida, não deixando de reparar no balançar do vestido da morena.

Encantado com seu perfume de flores de avenca, num tino de loucura a seguiu disfarçadamente como se fosse aos antigos armazéns da beira rio, com seus transeuntes descarregadores da estiva, e seu comércio de farinha, babaçu, azeite de coco e tantas outras especiarias da região.
Ao perceber que era seguida deixou-se acompanhar, tão logo atrevida, pois moça direita não andava desacompanhada. Seu guarda-sol colorido comprado na Rua Grande em São Luís despertava atenção dos rapazes e a inveja de muitas moças. 

Há dias Celeste percebera, que o olhar de Toninho a seguia deliberadamente desde a missa de Nossa Senhora do Rosário, notara que o rosto do rapaz corava quando os dois trocavam olhares. Mas sobre a vigilância de seu irmão Clemente, era difícil aproximarem-se.

 Até aquele dia em que seu mano embarcou no vapor e ela ficou responsável em ir fazer as compras de casa no armazém. 

Num jogo de sedução a corrida apaixonante dos jovens, dava-se de rua em rua. Ao aproximar-se da praça do mercado Celeste deixou cair um lenço, que trazia seu perfume, recolhera-o apressadamente Toninho, que saiu em disparada, contornaram a Rua da Casa de Cadeia e Câmara quando o moço a surpreendeu e a teve em seus braços. No entanto, a moça o repreendeu só se casar. 

Desconsertado Toninho não conseguiu pronunciar corretamente as palavras para dizer que estava prometido a Angélica Pires, apenas entendeu Celeste que ele estava comprometido. Deu meia volta e sem olhar para trás destilou, ─ pois, perdestes a viagem. 

Passados trinta anos daquele encontro que parecia mais um desencontro. Toninho se casou e teve três filhos que já estudavam em São Luís quase formados. Celeste durante todo esse tempo nunca o esqueceu. Chegou a conhecer vários pretendentes, namorou, foi noiva. 

No entanto sempre desistia de casar-se. Seu irmão Clemente dizia que ela seria moça velha, só serviria para titia, pois a cuidar dos sobrinhos nunca tinha tempo para si.

As tardes vazias na Avenida Gomes de Sousa não fizeram que a bela morena perdesse o encanto, a pele sedosa, o cacheado do cabelo e o corpo de sereia ainda permaneciam. 

O coração cansado de esperar, a última vez que ela e Toninho trocaram olhares na procissão de São Benedito quase tropeçou na calçada. Angélica puxou pelo braço do marido sempre vigilante. 

Toninho brincava com os netos, quando Madalena atravessou a sala do casarão da Rua Mariana Luz, para dá a noticia que dona Angélica passava mal, às pressas a levaram para o hospital, porém, já não havia muito que fazer, pois um ataque fulminante levou a óbito sua esposa.

Celeste lamentou e prestou sua solidariedade a Toninho Castro, inclusive respeitando seu luto que parecia interminável, ao passear com Afonso seu primogênito pelo largo da matriz de Nossa Senhora das Dores dera por si cumprimentando aquela formosa dama que nunca esquecera. 

Os lados opostos na sociedade fizeram com que suas vidas tomassem rumos diferentes, Toninho descendente de fidalgo desfrutava de uma vida confortável. Celeste apesar de estudar numa boa escola na capital desde pequena teve que trabalhar como professora particular, depois tornou-se funcionaria pública e vivia a ajudar nas despesas do mano Clemente. 

Ainda assim, os anos não lhes roubaram a vontade de viverem aquela já quase sexagenária relação. Na velhice também se ama, dissera Toninho a sua filha Maria Teresa que não aceitava o namorico com Celeste que o esperou por toda a vida.

Apaixonados pelo Rio Itapecuru, e com um saudosismo viciante de atravessar o rio no pontão, Toninho Castro a convidou a descer aquelas águas encantadas ao seu lado até capital, porém, o assoreamento do rio não permitia que fosse totalmente navegável. Encurtou a viagem até o Povoado Areias no município de Santa Rita, o que não deixou aquele passeio inesquecível. 

A família Castro e Silva não sabia como portar-se diante daquele romance no mínimo enigmático, pois, outrora nunca perceberam os filhos que seu pai tivesse uma amante. De fato, nunca a teve, salvo em alguns recônditos sonhos, todavia esse amor ressurgido na velhice tornava-o vivo. 

Celeste por sua vez, parecia viver um sonho entregara-se uma única vez, a um primo em uma noite em que fora seduzida no centenário Tambor de São Bendito, isso já tem mais de quarenta anos. E não o amava.

Agora era diferente estavam livres, mesmo com os olhares mais perversos da sociedade conservadora itapecuruense. Não havia mais tempo a perder.

 Passeavam de mãos dadas pela Avenida Beira Rio para apreciar o pôr do sol da rampa do antigo flutuante. Assistiam às peças no antigo teatro que fora posteriormente destruído para construção de um centro comercial. Visitavam a antiga casa de Maria Luz com sua rica biblioteca a recitarem poemas.

A última viagem deram suspiros após apreciar a vista da margem direita do Rio Itapecuru no Sitio São Patrício, marcariam suas vidas, andar descalço a molhar os pés e olhar a vida a partir daquele encontro.

Daniel Ribeiro, professor especialista, estudante de filosofia.

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