sábado, 20 de janeiro de 2018

VIDA E MORTE MIQUILINA.



   


Paulo Vítor Bezerra e Bruna Linhares  
Mais um dia amanhece, e no céu azul um belo sol, forte e reluzente, junto
dele muitas nuvens parece dançar ao mesmo som. E com isso, mais uma vez lá vem Maria, a tão conhecida Maria Miquilina, uma linda jovem negra, forte e guerreira que muito luta para manter sua origem e as tradições de sua terra. 
Ela é filha de Raimundo Tinoco e Benedita Lira, ambos, descendentes de
escravos chegados à vila de Itapecuru no séc. XIX por volta de 1820, pouco tempo após Itapecuru ser elevada a vila em 1818, juntos se refugiaram da escravidão e das lutas ocorridas na Balaiada - movimento ocorrido entre os anos de 1838 a 1841, onde as classes baixas como os camponeses e escravos se revoltaram contra as injustiças e desigualdades sociais praticadas pelas elites políticas. 
Aqui encontraram uma grande terra, farta e com muitas fontes cristalinas,
onde fizeram morada, pois, percebeu que ali nunca havia passado outras pessoas, ao lado da casa uma bela fonte jorrava da terra água limpinha que parecia o céu sem nuvens e a ela deram o nome de Miquilina, em homenagem a senzala que se conheceram na África.
 Os dias se passaram e o casal viu nascer a sua primeira filha, Maria. A
criança vivia na comunidade que aos poucos foi ganhando novos moradores, novas crianças e todos viviam bem. Ano após ano, a criança ficava maior e mais bonita; outras também cresceram. Até que de repente chega um senhor português a mando de Dom João VI para tomar a terra e expulsar os moradores. Houve muita resistência, lutas e muitas pessoas morreram e entre elas os pais de Maria.
Foi um momento de muito sofrimento para todos, pois eles foram os fundadores da comunidade e ajudaram várias pessoas que ali chegavam. Mas, no final eles venceram e permaneceram em suas terras, afinal não queriam sair dali, deixar para traz sua história e perder seus bens. Maria foi uma das pessoas mais corajosas da região e lutou bravamente para não perder seu espaço. 
Com a morte de seus pais, ficou conhecida como Maria Miquilina, a
protetora da fonte e da natureza, pois, por muito tempo essa nascente serviu de sustento e abastecimento de toda a população que passou a conviver às margens do rio Itapecuru, principalmente na época da estiagem.
Anos depois, num belo dia choveu muito, aquele recorrente sol brilhante e aquelas nuvens dançantes sumiram, parecia que São Pedro estava zangado, choveu tanto que o rio encheu que transbordou, várias regiões da cidade ficaram sem água potável e tiveram que recorrer à fonte, como a procura se tornou intensa, um homem forte, com pinta de herói foi até Maria Miquilina pedir que ele aumentasse as margens da nascente, seu nome, esse ela jamais esquecera, Dico.
Foi amor à primeira vista. Encantada com o moço e impressionada com sua coragem, permitiu que o jovem aumentasse a fonte, e com a ajuda de seu amigo Broca, começaram o serviço em um domingo mesmo, era dia incerto, mas o mês era julho de 1963, alguns dias depois, lá estava a fonte liberada para que todos tivessem água potável para suas necessidades. 
                O serviço ficou tão bem feito que Maria Miquilina foi atrás de Dico para agradecer sua ajuda, a partir daí se tornaram conhecidos, e passaram a se falar com mais frequência. Os encontros foram tão regulares que tempos depois engataram uma linda história de amor, que durou por muitos anos. E durante todos eles, tiveram seus filhos que começaram a viver na comunidade, mas tiveram que mudar para outros locais da cidade, pois o lugar onde seus pais e avós haviam construído suas histórias, já não era o mesmo.
              O crescimento da população na comunidade, a implantação de governos mais rigorosos, fez com que tudo aquilo se transformasse, a fonte já não era a mesma de anos atrás, tudo por que a poluição, o desmatamento e falta de conversão das novas gerações provocaram um intenso desmatamento, assoreamento do solo e das margens do rio que  aos poucos foi matando a mais famosa fonte da região.
Maria, seu Dico e os anciões da comunidade já não tinham mais forças para combater as mazelas que assolavam seu ambiente, os jovens não tinham a preocupação de manter vivo o tesouro da vida, as autoridades pouco olhavam para ela, e tudo aquilo foi se perdendo, e com ela os seus primeiros moradores, que morreram juntos em sua choupana, levando consigo o desejo do renascimento da fonte que deu vidas.
                Hoje, ela já não está voraz como antes, suas margens pedem socorro,
seu líquido transparente e precioso anseia por justiça, pedidos esses que não são ouvidos, olhados, sentidos por quem deveria perpetuar o legado de seu Raimundo, dona Benedita, Maria Miquilina,  Dico e tantos outros que lutaram para não perder para os portugueses, mas, que perderam para os próprios conterrâneos. 

 Paulo Vitor Costa Bezerra e Bruna Tainá Luiza dos Santos Matos Linhares
(Estudantes do Curso de Letras pela UEMA, Campus de Itapecuru Mirim – CESITA).

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