quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

UM MONSTRO EM MINHA VIDA




   


Eliana Lima Mendes

Ninguém fica na bonança por muito tempo, assim como ninguém fica na tempestade o tempo todo. A vida é cheia de altos e baixos e, às vezes, você passa por situações em que depois fica se perguntando como foi que sobrevivi? Como não morri afogada? Mas é como dizem por aí “O que não te derruba te deixa mais forte!”.

Me chamo Cristal, tenho 18 anos e sou uma garota séria, meiga, tímida, perfeita. Pi! Pi! Pi! Opa, tem alguma coisa apitando! Ah, é o sensor de mentiras pra te avisar que estou mentindo! Na verdade, sou o contrário do que disse, mas o nome e a idade são esses mesmos, tá ok? O que mais posso falar sobre mim... Fica por sua conta descobrir mais, pois o que quero mesmo é contar o episódio marcante que aconteceu na minha vida.

Na manhã de 22 de março, estava na biblioteca da escola folheando um livro até encontrar a imagem de uma pintura que me chamou muita atenção. Ela foi pintada por Gustave Doré e se chama Andrômeda e minha nossa! Ao ver aquela mulher nua e acorrentada tentando se afastar de um monstro marinho estranho, senti ser invadida por um turbilhão de emoções. Podia ver o perigo, o medo e o desespero se unirem para formarem essa cena forte, bela, sedutora, sombria e fantástica. No entanto, ela despertava algo mais, um sentimento que eu não sabia dizer qual era.

Fiquei admirando a cena por uns bons minutos até ser interrompida pela chegada das minhas amigas. Estavam ansiosas por novidades, ou melhor, as minhas novidades. Contei que tinha sido pedida em namoro por Daniel e que tinha aceitado, as duas ficaram contentes, principalmente a Alice que já tinha me dito que ele valia à pena, e nisso eu concordo. Elas exigiram mais detalhes do pedido e eu contei tudo com muito prazer. Às vezes, me sentia meio boba por estar apaixonada. Você já se sentiu assim? No auge da conversa, Helena apareceu para nos avisar que a professora já estava na sala fazendo a chamada. Em meio à pressa, Mayla esbarrou na cadeira e sua bolsa foi de encontro ao chão expulsando de si uma parte do caderno, um batom e uma cartela de comprimidos que sempre levava consigo aonde quer que fosse. Fiquei curiosa quanto à finalidade deles, mas acabei esquecendo de perguntar.

Sexta-feira, 25 de março. Qual notícia eu recebo? “Cristal, Daniel foi encontrado morto.” É brincadeira! Como assim? O Daniel, morto?! Quase que não acreditei, mas era essa a triste verdade. Fui ao velório e no enterro e confesso que sentia mais raiva do que tristeza, ele não merecia esse fim. Não demorou muito para o caso ser veiculado nos jornais e qualquer um que chegasse em minhas mãos eu já estava lendo. Na primeira página de um deles estava escrito: “Jovem de 19 anos foi encontrado morto com um tiro no peito e sem os seus pertences”, este último fato levava a crê que ele tinha sido vítima de assalto, mas isso ainda não fora confirmado.

Passaram-se quatro semanas e eu precisava me distraí um pouco, por isso decidi ficar com Filipe que já me queria faz tempo. Um dia depois fiquei com André. Depois desse dia, veja só, Filipe foi encontrado morto no rio por pescadores e passando um dia, no outro foi a vez do André que sofreu um acidente de moto e não resistiu. Inacreditável! É realmente inacreditável! Seria eu a causadora dessas mortes?

Fiquei com esse pensamento por um bom tempo, pois é muita coincidência que os três garotos sejam mortos depois de terem ficado comigo. Será que fui amaldiçoada e agora todo garoto que eu namorar será morto? Desse jeito me chamarão de viúva negra, ou será que tenho um admirador secreto psicopata que não quer que eu fique com outro cara que não seja ele? Seria simplesmente azar? Era perturbador não saber as respostas e várias vezes perguntei a Deus o porquê disso está acontecendo comigo.

Comecei a ter vários sonhos e pesadelos que se repetiam. Em um deles, eu estava em pé num quarto meio escuro e olhava para a porta aberta, tentava de todas as maneiras sair desse quarto, porém não conseguia me mexer, o desespero aumentava quando percebia que tinha alguém querendo me matar, mas assim que entravam três homens pela porta, eu acordava ofegante.

Entre sonhos, pesadelos e inquietações, fui ficando desanimada. Não tinha mais inspiração para pintar e passava horas e horas trancada no quarto. Entretanto, não podia continuar assim, precisava fazer alguma coisa, encontrar respostas, as explicações dadas para essas mortes não eram suficientes, afinal, não tinham encontrado os culpados, o que já era estranho, nem mesmo as testemunhas do acidente de André conseguiram dá a descrição da outra pessoa envolvida, o que disseram foi que ela saiu sem prestar socorro.

Sábado, sete de maio. Estava na sorveteria, por volta das 17 horas, com minhas amigas e depois que foram embora, um cara veio puxar papo comigo. Carlos era mais velho que eu, tinha um olhar que já denunciava suas intenções e com certeza se tratava do tipo que eu dispensaria logo, mas a minha curiosidade foi maior, queria saber se ele seria a quarta vítima, por isso aceitei o seu convite de me levar para um hotel. É claro que não iria pra cama com um cara que mal conhecia, então comecei a pensar numa maneira de sair dessa situação.

O hotel era bem simples e muito feio, provavelmente o mais barato. Isso me ofendeu, ele nem sequer se deu ao trabalho de procurar um com melhores condições. No quarto, ele foi logo abrindo uma garrafa de vinho que estava numa mesinha, perto da cama. Preferi não beber, pois aquele vinho parecia ser muito caro, o que não combinava com a pobreza do lugar e depois, era estranho a garrafa já está ali sem termos pedido. Eu tinha decidido que fingiria passar mal e torcer para que desse tudo certo. Não foi preciso. Enquanto estávamos nos beijando ele pareceu desmaiar, continuava com os olhos abertos, porém senti que não demoraria em fechá-los, era só uma questão de tempo. Liguei para a emergência, contei a situação e dei o endereço do hotel e o número do quarto, já estava prestes a sair para pedir ajuda quando alguém abriu a porta.

Era a Mayla, parecia uma dominadora assassina com aquela roupa de couro e faca na mão. Confusa, perguntei o que fazia ali, ela disse: “Vim finalizar minha vingança, você matou o meu homem, eu matei os seus e agora falta você”. Nunca imaginaria que era ela a responsável pelas mortes dos meninos e como assim matei o homem dela? Contestei essa afirmação e ela começou a andar na minha frente de um lado para o outro com um olhar frio e maléfico. Minha tensão e nervosismo aumentaram e quando ela citou o nome Henrique Frazão, algumas coisas começaram a se encaixar.

Henrique e eu fomos melhores amigos e pelo jeito, Mayla era a namorada que ele falava em me apresentar. Lamentavelmente, há três anos, sofremos um grave acidente de moto, ele morreu na hora com traumatismo craniano e eu tive algumas fraturas no braço e na perna e foi isso o que falei para ela, que tinha sido um acidente. Ela logo ficou alterada, inquieta e começou a falar um monte de coisas absurdas. Segundo ela, eu era uma mal amada que queria o Henrique só pra mim, mas como ele não me queria, decidi que ninguém mais o poderia ter e por isso o matei fazendo parecer ser um acidente.

Ela estava louca, claramente fora de si. Teve testemunhas do acidente e ela sabia disso. Meu Deus! E pensar que todo esse tempo ela só estava fingindo ser minha amiga? Uma amiga assassina! Mesmo assim, ainda não fazia sentido, tinha que ter uma explicação lógica para tudo isso, essa, definitivamente, não era a Mayla que eu conhecia. Aí me lembrei dos comprimidos... Tentei acalmá-la e infelizmente, a situação piorou.

Preciso de uma pausa (suspiro). Me desculpe, é que parece que tudo está acontecendo agora, bem diante dos meus olhos, como num filme. O cenário sombrio. Um homem morto na cama. Uma garota aparentemente com problemas mentais segurando uma faca no meu pescoço. O olhar obscuro. Promessa de morte lenta e dolorosa. Quero fugir do monstro, mas estou acorrentada ao medo e ao desespero, como a Andrômeda. Pelo menos, Perseu a salvou. E eu, como fico?

Sou obrigada a beber o vinho. Hesito, porque sei que está envenenado. Recebo ameaças. Vejo minhas mãos sendo amarradas. Com o rosto contra a parede, sinto a lâmina marcar minhas costas uma, duas, três vezes. Me esforço para não gritar. Agora, frente a frente, ela aperta meu pescoço e mira meu rosto. Minhas pernas começam a ficar dormentes e o estômago, revolto. Olho a porta aberta e ela começa a ficar embaçada. Lembro do sonho.

Sim! Sim! Os três homens aparecem. A esperança renasce. Aproveito o momento de distração para, num último esforço, bater na mão direita e tentar derrubar a faca. Ela cai perto da cama. Mayla vai pegá-la e eu vou de encontro ao chão com as pálpebras já pesadas. A última cena que vejo é dos dois homens segurando a assassina que resiste e o terceiro preparando uma seringa, em seguida, meus olhos vão se fechando lentamente.

Eliana Lima Mendes
(Estudante do Curso de Letras pela UEMA, Campus de Itapecuru Mirim – CESITA).

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