Josemar
Lima
SÉRIE
CRÔNICAS – ANO V/nº 49/2018
O Dr. José Francisco de Viveiros, presidente da
província do Maranhão, em 21 de dezembro de 1874, publicou um relatório, uma
espécie de censo, onde informava que em 1851 na Vila de Itapecuru Mirim
existiam 1541 escravos. Estimava-se que os negros escravizados representassem
aproximadamente 80% de toda a população da então próspera povoação. E ainda
tinham os índios!
Os brancos eram, portanto, uma minoria, mas uma
minoria que detinha 100% do poder administrativo, político e econômico. A
desigualdade sempre esteve na gênese de nossa formação e, atavicamente, nos
persegue como como uma doença invisível, indolor para muitos, que vai matando
silenciosamente nossa cidadania.
Se andarmos nas avenidas de nossa cidade e
observarmos os traços da população itapecuruense, veremos que grande parte dela
é constituída por mulatos (mestiços de negros e brancos) e, nos povoados
tradicionais, prevalecem ainda os negros.
Acredita-se que, durante os 358 anos de escravidão
oficial, de 1530 a 1888, cerca de 5 milhões e quinhentos mil negros saíram da África
para serem escravizados no Brasil. Destes, 4 milhões e oitocentos mil chegaram
vivos em nossas terras.
Nesse período, a condição de vida dos negros era
muito precária, pois viviam em senzalas insalubres, trabalhavam sem remuneração
a maior parte do dia, a alimentação era parca, não podiam estudar e nem
participar dos cultos religiosos dos senhores. A desobediência era, quase
sempre, reprimida com bastante violência.
Não eram considerados seres humanos!
Com a abolição da escravatura, apesar de terem
conseguido a liberdade, a maioria da população negra não conquistou o mesmo
padrão de vida dos brancos no país e muito menos nos rincões, onde tudo
continuou sem alterações significativas.
Como não houve nenhuma assistência aos
recém-libertos, que também não possuíam nenhum bem, muitas das vezes, mesmos oficialmente
livres, os negros continuavam trabalhando para seus antigos senhores em troca
de quase nada, apenas alimentação e pousada. “Tudo como dantes na terra de
Abrantes”, como bem diz o ditado lusitano.
Em outros casos, os afro-brasileiros deslocavam-se
para a sede das vilas e cidades, ocupando as áreas mais afastadas e impróprias
para moradia, surgindo daí as primeiras favelas e palafitas.
Eles passaram, então, com raras exceções, a viver
de subempregos e bicastes o que promoveu a segregação étnica da população
brasileira, pois o homem branco, apenas pela cor da pele, tinha acesso a
maiores oportunidades e, consequentemente, a um padrão de vida superior aos dos
negros.
Atualmente, ainda que com alguns avanços tímidos,
as condições de vida dessa parcela da população não se equiparam à da população
branca, que ainda apresenta índices sociais mais favoráveis do que as demais
etnias existentes no país.
Os dados oficiais indicam que os negros e pardos
representam a maioria da população brasileira, cerca de 54% da população total do país, que já superou
os 210 milhões de pessoas.
Apesar disso, os negros correspondem a apenas 17,4%
da população mais rica do país e atuam apenas em cerca de 18% dos cargos mais importantes. O
rendimento salarial deles também é inferior, correspondendo a cerca de 80% do
rendimento de um branco que exerce a mesma função. Vale ressaltar, também, que
80% das empregadas domésticas no Brasil são afrodescendentes. Os afrodescendentes
representam, ainda, 63% dos mais pobres e 69% dos indigentes.
O acesso dessa parcela da população à maioria dos
serviços públicos também é limitado. A taxa de analfabetismo, por exemplo, é
duas vezes maior entre os negros. Enquanto a taxa de analfabetismo entre
brancos é de 5,2%, entre a população negra, esse índice sobe para 11,5%. A
média de anos de estudos também é menor entre os negros.
Os negros são duplamente penalizados pela
violência: como agentes e também como vítimas, pois eles têm possibilidades
quintuplicadas de serem vítimas de um assassinato, principalmente os jovens
negros das periferias das grandes e médias cidades brasileiras.
Há duas semanas participei na Assembleia
Legislativa do Maranhão de uma solenidade alusiva à instituição do “13 de dezembro”
como Dia da Balaiada. Nessa data, no ano de 1838, começava na Vila da Manga,
atualmente Nina Rodrigues, uma das maiores revoltas do período regencial – A
Guerra da Balaiada.
Estranhei a quase falta de referência ao município
de Itapecuru Mirim naquele evento, tendo em vista que um dos capítulos mais
importante dessa guerra teve o seu início e fim na então Vila de Itapecuru
Mirim. Refiro-me à participação dos negros, aproximadamente 3000, que foram
recrutados por Dom Gosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, nos Engenhos de
Açúcar e Fazendas de Algodão existentes nas margens do Rio Itapecuru e a sua
execução, por enforcamento, ocorrida em 17 de setembro de 1842, na antiga Praça
do Mercado, próximo ao prédio da Associação da CAEMA.
Os gestores itapecuruenses, quase todos originários
da elite política ou econômica, nunca deram a necessária importância e esse
evento acontecido aqui e o Negro Cosme, prestes a se tornar um herói
maranhense, permanece quase invisível na cidade que lhe serviu de túmulo.
Aquela Vila, que em 1851 tinha a cor de ébano, foi aos
poucos ganhando outros matizes, mas a desigualdade com os segmentos sociais
mais fragilizados nunca perdeu a sua cor rubra.
É até compreensível pois, tal e qual acontece no
Brasil, a abolição da escravatura ainda não foi completada.
É necessária uma Segunda Abolição!
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