terça-feira, 2 de janeiro de 2018

UMA VILA COR DE ÉBANO


 
                                                      

          

Josemar Lima
                                                                                         SÉRIE CRÔNICAS – ANO V/nº 49/2018

  O Dr. José Francisco de Viveiros, presidente da província do Maranhão, em 21 de dezembro de 1874, publicou um relatório, uma espécie de censo, onde informava que em 1851 na Vila de Itapecuru Mirim existiam 1541 escravos. Estimava-se que os negros escravizados representassem aproximadamente 80% de toda a população da então próspera povoação. E ainda tinham os índios!

Os brancos eram, portanto, uma minoria, mas uma minoria que detinha 100% do poder administrativo, político e econômico. A desigualdade sempre esteve na gênese de nossa formação e, atavicamente, nos persegue como como uma doença invisível, indolor para muitos, que vai matando silenciosamente nossa cidadania.

Se andarmos nas avenidas de nossa cidade e observarmos os traços da população itapecuruense, veremos que grande parte dela é constituída por mulatos (mestiços de negros e brancos) e, nos povoados tradicionais, prevalecem ainda os negros.

Acredita-se que, durante os 358 anos de escravidão oficial, de 1530 a 1888, cerca de 5 milhões e quinhentos mil negros saíram da África para serem escravizados no Brasil. Destes, 4 milhões e oitocentos mil chegaram vivos em nossas terras.

Nesse período, a condição de vida dos negros era muito precária, pois viviam em senzalas insalubres, trabalhavam sem remuneração a maior parte do dia, a alimentação era parca, não podiam estudar e nem participar dos cultos religiosos dos senhores. A desobediência era, quase sempre, reprimida com bastante violência.

Não eram considerados seres humanos!

Com a abolição da escravatura, apesar de terem conseguido a liberdade, a maioria da população negra não conquistou o mesmo padrão de vida dos brancos no país e muito menos nos rincões, onde tudo continuou sem alterações significativas.

Como não houve nenhuma assistência aos recém-libertos, que também não possuíam nenhum  bem, muitas das vezes, mesmos oficialmente livres, os negros continuavam trabalhando para seus antigos senhores em troca de quase nada, apenas alimentação e pousada. “Tudo como dantes na terra de Abrantes”, como bem diz o ditado lusitano.

Em outros casos, os afro-brasileiros deslocavam-se para a sede das vilas e cidades, ocupando as áreas mais afastadas e impróprias para moradia, surgindo daí as primeiras favelas e palafitas.

Eles passaram, então, com raras exceções, a viver de subempregos e bicastes o que promoveu a segregação étnica da população brasileira, pois o homem branco, apenas pela cor da pele, tinha acesso a maiores oportunidades e, consequentemente, a um padrão de vida superior aos dos negros.

Atualmente, ainda que com alguns avanços tímidos, as condições de vida dessa parcela da população não se equiparam à da população branca, que ainda apresenta índices sociais mais favoráveis do que as demais etnias existentes no país.

Os dados oficiais indicam que os negros e pardos representam a maioria da população brasileira, cerca de  54% da população total do país, que já superou os 210 milhões de pessoas.

Apesar disso, os negros correspondem a apenas 17,4% da população mais rica do país e atuam apenas em cerca  de 18% dos cargos mais importantes. O rendimento salarial deles também é inferior, correspondendo a cerca de 80% do rendimento de um branco que exerce a mesma função. Vale ressaltar, também, que 80% das empregadas domésticas no Brasil são afrodescendentes. Os afrodescendentes representam, ainda, 63% dos mais pobres e 69% dos indigentes.

O acesso dessa parcela da população à maioria dos serviços públicos também é limitado. A taxa de analfabetismo, por exemplo, é duas vezes maior entre os negros. Enquanto a taxa de analfabetismo entre brancos é de 5,2%, entre a população negra, esse índice sobe para 11,5%. A média de anos de estudos também é menor entre os negros.

Os negros são duplamente penalizados pela violência: como agentes e também como vítimas, pois eles têm possibilidades quintuplicadas de serem vítimas de um assassinato, principalmente os jovens negros das periferias das grandes e médias cidades brasileiras.

Há duas semanas participei na Assembleia Legislativa do Maranhão de uma solenidade alusiva à instituição do “13 de dezembro” como Dia da Balaiada. Nessa data, no ano de 1838, começava na Vila da Manga, atualmente Nina Rodrigues, uma das maiores revoltas do período regencial – A Guerra da Balaiada.

Estranhei a quase falta de referência ao município de Itapecuru Mirim naquele evento, tendo em vista que um dos capítulos mais importante dessa guerra teve o seu início e fim na então Vila de Itapecuru Mirim. Refiro-me à participação dos negros, aproximadamente 3000, que foram recrutados por Dom Gosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, nos Engenhos de Açúcar e Fazendas de Algodão existentes nas margens do Rio Itapecuru e a sua execução, por enforcamento, ocorrida em 17 de setembro de 1842, na antiga Praça do Mercado, próximo ao prédio da Associação da CAEMA.

Os gestores itapecuruenses, quase todos originários da elite política ou econômica, nunca deram a necessária importância e esse evento acontecido aqui e o Negro Cosme, prestes a se tornar um herói maranhense, permanece quase invisível na cidade que lhe serviu de túmulo.

Aquela Vila, que em 1851 tinha a cor de ébano, foi aos poucos ganhando outros matizes, mas a desigualdade com os segmentos sociais mais fragilizados nunca perdeu a sua cor rubra.

É até compreensível pois, tal e qual acontece no Brasil, a abolição da escravatura ainda não foi completada.

É necessária uma Segunda Abolição!

 

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