Tiago Oliveira
Num belo casarão do início do século XX, às margens
da Ferrovia São Luís – Teresina, nas proximidades da Estação Ferroviária de
Itapecuru Mirim, o velho Joaquim Asseff criava com muito mimo e rigor a sua
única filha, Sadine Asseff. Esta só teve as instruções necessárias para a vida
doméstica segundo os padrões de sua família.
Moça bela, Sadine trazia em sua face as marcas do
seu povo de origem árabe que por estas terras chegou no findar do século XIX.
Tantos, atributos encantava a todos os viajantes que a percebiam na janela do
seu belo casarão, e sempre que o trem chegava à estação, ela curiosa
aproveitava a oportunidade para olhar o movimento e trocar olhares com aquele
que mexia com os seus instintos mais femininos, o jovem maquinista, Sebastião
Mendes.
Como era de costume na época, estas moças tidas como
de boa família ou “donzelas” só podiam manter enlaces matrimonias, com aqueles
“rapazes”, que fossem do agrado da família. Contudo, não era raro haver aquelas
moças que, por vezes, quebravam estas regras e se envolviam de acordo com os
seus sentimentos.
A bela “rapariga” deste conto, cedeu aos encantos do
sedutor operário, que sempre que parava em Itapecuru Mirim, deixava com a
doceira Doquinha um mimo para a sua pretendente, envolto em um lenço vermelho
com a logomarca “Maria Fumaça 29”.
Com o passar dos tempos o desejo entre os dois só
aumentava, porém faltava a oportunidade necessária para desfrutarem dos seus
desejos mais carnais e afetivos, entretanto, o alvoroço causado na pequena
cidade ribeirinha motivada pela inauguração da ponte sobre o rio foi o evento
oportuno para os dois ficarem a sós nos recantos da secular cidadezinha.
Após este contato, a jovem moça inexperiente nos
prazeres da vida, não se conteve e cedeu aos seus desejos mais íntimos com a
rapaz da cidade, conquistador e mais experiente, nas “coisas do corpo”. Deste
enlace o inventável acontece, uma prole indesejada se desenvolve no útero da
outrora, intocada menina do interior; que agora precisa esconder, tal
inquietação da sua família, principalmente do seu genitor.
Sebastião Mendes, após desfrutar de momentos íntimos
com Sadine Asseff foi transferido para outra rota, dificultando ainda mais
novos encontros com a sua pretendente, que com os passar dos meses via-se mais
sozinha e pressionada pelo crescimento inevitável de sua gestação, a barriga
que era pressionada por um prato colocado em seu ventre e disfarçado por vestes
cada vez mais avolumadas.
O conversador Joaquim Asseff, tenaz
nos cuidados com sua maior joia, a honra de sua família, acaba por descobrir o
que estar acontecendo no seu seio familiar e decide enviar sua filha para São
Luís para fugir dos comentários da sociedade e por lá ela poderia parir a
criança deixando-a numa das casas de acolhimento, que existiam na capital naqueles
tempos.
Tudo preparado na antevéspera da
chegada do trem que os levaria para o seu destino, já no cair da madrugada toda
aquela inquietação e destino incerto faz com que a jovem entre em trabalho de
parto, seu genitor no intuito de preservar o segredo não permite que ela receba
os socorros necessários, e assim, a criança vem ao mundo antes da hora e com
sinais vitais inexpressivos, sendo por isso envolto em velho lençol e jogado
nas proximidades da beira rio. Dias depois toda a família some da cidade.
A doceira que estava no rio limpando
as vísceras de uma rês para sustentar sua prole, escuta uma grande movimentação
dos porcos, rio a cima e, ao chegar ao local, percebe que os mesmos estavam se
alimentando dos restos do parto de uma criança e o mais assustador de tudo é
que o bebê estava no meio daquela confusão toda. Ela o recolhe e o tira daquela
situação e corre para a sua residência nas proximidades da estação.
A doceira o criou com todos os
afetos maternos possíveis e dentro de suas possibilidades financeiras; o
batizou com o nome de João do Rio. Quando ele completou dez anos, após
questionar muito sobre suas origens sua mãe resolve contar lhe toda a verdade,
ele fica desolado por um tempo, mas põe um objetivo na cabeça, sair pelo mundo
atrás de seus pais, tendo como ponto de partida encontrar “a Velha Maria Fumaça
29”. Então, todos os dias ao ouvir o apito do trem chegar na velha estação,
corria e perguntava ao Maquinista se aquela era a Maria Fumaça 29? – todo dia,
por cinco anos, o dizem que não e que não conhecem a mesma.
Já alfabetizado, com quinze anos,
leu no jornal O Trabalhista que todas as antigas locomotivas estão sendo
expostas em Recife – PE. Então, o menino do rio embarcou no primeiro trem que
chegou à estação de Itapecuru Mirim. Sumindo no mundo como seus familiares, e
até hoje não sabemos o seu paradeiro e nem se algum dia ele os encontrou. Tendo
o seu destino traçado pelos antigos trens de passageiros do Maranhão, assim
como o de tantas famílias.
Tiago de Oliveira Ferreira, escritor e professor, membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.
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