Benedito Buzar
Na semana em que se comemora o aniversário de São Luís,
lembrei-me de uma gente que, em passado não tão distante, deixou na
cidade a marca da presença pela simplicidade e fragilidade, vivendo em nossas
ruas e praças sem molestar os semelhantes, mas mostrando o sofrimento na alma e
no corpo.
Ao reportar-me sobre gente tão humilde, nem sempre
bem vista ou compreendida pela sociedade, atenho-me a um caso inusitado,
acontecido anos atrás em São Luís, que, pela sua singularidade, chamou a
atenção dos que se encontravam no aeroporto Hugo da Cunha Machado.
Naquele ambiente de grande movimentação, um homem,
razoavelmente bem vestido e com menos de cinquenta anos foi preso pela Polícia
Federal por tirar a roupa e ficar plenamente pelado na área de embarque de
passageiros.
O estranho ato, praticado por um cidadão desconhecido,
imediatamente chegou ao domínio público pelos meios de comunicação, que se
encarregaram de divulgá-lo com estardalhaço, dando margem a que desusados
comentários o apontassem como algo insano ou imoral.
Enquanto a opinião pública especulava em torno da
invulgar cena, a Polícia Federal, a quem estava afeto o caso, informava que o
homem era um estrangeiro e doente mental, por isso, sofrera um surto e
necessitava de tratamento especializado.
Ao saber do fato, o meu pensamento fez uma viagem
ao passado não tão distante, época em que São Luís hospedava uma quantidade de
gente que sofria das faculdades mentais, alguns, à falta de parentes ou de quem
deles tivesse comiseração, passavam o dia e a noite em logradouros públicos,
onde praticavam insanidades que os leigos chamavam doidices e maluquices,
rótulos que a medicina moderna tratou de expurgar de seu glossário, passando a
chamá-las de surtos psicóticos.
Registra a história que as doenças mentais, em São
Luís, como problemas da saúde pública, vieram à tona no primeiro quartel do
século XX, quando a imprensa passou a exigir do governo a construção de
hospital para os alienados. Nesse sentido, o governador Godofredo Viana
(1922-1926) chegou a adquirir um sítio, no Cutim, destinado à instalação de uma
colônia para psicopatas, mas a obra não foi adiante.
Na verdade, a construção de um hospital para
tratamento de doentes mentais, ocorreu na gestão do interventor Paulo
Ramos, inaugurado em março de 1941. Com seis pavilhões e bem equipado,
localizado num sítio chamado Dois Leões, no antigo Caminho Grande, com o nome
de Hospital-Colônia Nina Rodrigues, para o qual foram transferidos os infelizes
insanos que se encontravam internados em prisões, como se fossem criminosos, e
os albergados em “casas de mortos”, onde viviam na mais triste miséria e em
nociva promiscuidade.
Com esse feito governamental, os nossos doentes
mentais passaram a ser vistos como pacientes que podiam ser tratados com
seriedade e abnegação. Antes, a grande maioria da sociedade não tinha nenhum
constrangimento de apontá-los como doidos ou malucos, alvos, portanto, de
inclementes deboches, escárnios, zombarias, troças, caçoadas, chacotas, quando
não humilhações e agressões.
Na condição de gente mal tratada e abandonada,
havia doentes mentais dos mais variados tipos e de todos os gostos: alegres,
brincalhões, tristes, pacíficos, inofensivos, agressivos, atrevidos,
falastrões, calados, maltrapilhos, arrumadinhos, grosseiros, calmos,
inteligentes e rudes.
Alguns alegravam a população pelo modo como falavam
e contavam histórias, quase sempre fantasiosas, a respeito de suas vidas.
Outros, contudo, mais arredios e tolerantes, mostravam-se calados e
indiferentes ao que acontecia com eles e o mundo. Mas existiam os exaltados e
agressivos, que quando provocados ou chamados por apelidos, perdiam a censura e
mandavam para o ar palavrões de todos os calibres. Um dos mais populares,
Humberto Coelho, conhecido por Vassoura, não perdoava quem assim o chamasse. De
sua boca, saiam obscenas expressões, que abalavam degenerados e castos, numa
época em que sacanagem era palavrão e agredia os ouvidos dos moralistas. Outra
figura bem conhecida na cidade, respondia pelo nome de João Pessoa. Ficava
extremamente irritado quando a molecada dizia que ele não casaria. Batia o pé,
soltava impropérios e garantia que não ficaria solteiro.
O saudoso compositor e poeta popular Lopes Bogéa
escreveu um livro interessante a respeito dessas figuras humanas que percorriam
a cidade e sempre tinham algo a dizer aos que os ouviam pacientemente ou lhes
dedicassem certa atenção. Em “Pedras de Rua”, publicado em 1988,
biografou 135 doentes mentais, maranhenses e de outras terras, que aqui
viviam por conta da solidariedade humana ou ao deus dará.
Da relação pesquisada por Lopes Bogéa, guardo na
memória, Bota Pra Moer, Só Bogre, Chibé, Domingos Pé Gordo, João Pessoa, Moreno
Borges, Mete a Vara, Mocó, Míster, Maria Preá, Mamífero, Pirão Cru, Sopa Fria,
Periquito, Pedro Peru, Pato D´água, Rodó, Rei dos Homens, Rafael Canindé e
Vassoura.
Bota Pra Moer ficou famoso pela sua atuação na
greve contra a posse do governador Eugênio Barros. Na tentativa de invasão do
Palácio dos Leões deram a ele a tarefa de comandar a massa, que o seguia firme
e resoluta. Ao chegar à Avenida Pedro II, avistou os policiais de arma em
punho e prontos para meter fogo nos chamados “soldados da liberdade”. O que fez
Bota Pra Moer? Simplesmente parou a marcha e anunciou: – Até aqui eu vim,
daqui pra frente arranjem um mais doido do que eu.
Outra personagem citada no livro Pedras de Rua:
Mamífero, mais folclórico do que doido, resolveu entrar na política, em 1948,
candidatando-se a vereador de São Luis pelo PDC, do austero professor Antenor
Bogéa. Num comício, no João Paulo, no auge de seu discurso, Mamífero disse essa
pérola: – Se eleito vou acabar com esse terrível vexame de as mulheres ricas
dormirem em colchões de molas e as pobres, coitadas, dormirem em pau duro
Nenhum comentário:
Postar um comentário