Série Crônicas – ano IV/nº 45/2017
Josemar
Lima
Um amigo meu de Brasília, estudioso das
revoltas que aconteceram no Brasil no período regencial, certa vez manifestou o
desejo de conhecer o local onde Dom Cosme Bento das Chagas – O Negro Cosme foi
enforcado em Itapecuru Mirim.
Ele já estivera em Pernambuco e Alagoas,
locais de onde se deu a “Cabanada” (1832/1835); no Pará, local da “Cabanagem”
(1835/1840); na Bahia, para estudar e visitar os locais da “Revolta dos Malês”
(1835) e da “Sabinada” (1837/1838), no Rio Grande do Sul, onde aconteceu a
“Guerra dos Farrapos” (1835/1845) e também no Maranhão, palco da “Balaiada”
(1838/1941).
No Maranhão ele visitou as cidades de
São Luís e Caxias, sendo que nesta última esteve no Memorial da Balaiada,
localizado no Morro do Alecrim, local da última batalha, segundo a literatura
oficial.
Uma figura, entretanto, chamou a sua
atenção por ter sido o único que recebeu a sentença de morte na forca, Dom
Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, enforcado na antiga Praça do Mercado,
na então Vila de Itapecuru Mirim, em 17 de setembro de 1842, data oficializada recentemente
por ato do governo estadual.
Mesmo com profunda tristeza tive que
confessar ao amigo que ele não encontraria sinalizado em Itapecuru Mirim o
local do enforcamento do mais importante líder da Guerra da Balaiada, até
porque naquela ocasião, sobre o possível local da forca estava sendo construído
um Ginásio de Esportes pela Prefeitura Municipal, mas que poderia visitar o
prédio da Cadeia Pública onde ele esteve preso antes da execução.
Atualmente o antigo casarão está
servindo como sede da Casa de Cultura Professor João da Cruz da Silveira, ainda
com um parco acervo e estrutura deficiente para o cumprimento de seus
objetivos. Sobrevive pela abnegação de seus dedicados gestores e beneméritos.
Registro esse fato para mostrar como nós
itapecuruenses temos relegado ao desprezo toda uma rica história construída
desde 1619, se consideramos como marco inicial da povoação multirracial a
chegada daquelas trinta famílias portuguesas, provenientes dos Açores, para
iniciar o processo de miscigenação com os índios e os negros escravizados.
São exatos 398 anos em que homens e
mulheres, itapecuruenses natos ou por adoção, veem construindo a história desse
município e agregando a ela suas inteligências, habilidades, talentos múltiplos,
recursos e, em muitas oportunidades, sacrificando suas próprias vidas nessa
construção.
Atualmente estão em curso estudos que
acenam que Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, tratado pela história
escrita pelos vencedores como um facínora, deverá tornar-se um dos heróis da
história do Maranhão. E aí?
Todos os holofotes da história se
deslocarão da cidade de Caxias, que apenas vivenciou os últimos capítulos dessa
saga, e se voltarão para o local em que o “Tutor e Imperador da Liberdade”,
como ele mesmo se autoproclamava, iniciou sua luta contra os horrores
infligidos aos negros escravizados nas fazendas de algodão aqui de nossa região
e também onde ela se eternizou na manhã daquele 17 de setembro de 1942, data de
sua execução.
Desde sua morte, e lá se vão 175 anos,
nenhum gestor municipal tomou nenhuma iniciativa para o reconhecimento de Dom
Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, que não lutou só pela liberdade dos
negros escravizados, mas também e de forma pioneira, pela alfabetização das
crianças negras e contra a tristemente famosa lei dos prefeitos, que estendia a
esses mandatários atribuições dos antigos Juízes de Paz e, a partir delas, os
negros passaram a sofrer muito mais...
Os gestores itapecuenses dos poderes
executivo e legislativo, atual e futuros, precisam se reinventarem para
entender que Itapecuru Mirim é um município especial, pelo seu capital humano,
pelo seu capital social e pelo seu capital empreendedor comunitário. Os
itapecuruenses tem uma identidade própria, muito vocacionada para o culto da beleza
proporcionada pelas artes.
Pode beneficiar-se muito da Dimensão
Cultural do desenvolvimento, diferentemente de outros municípios. Temos que
avançar para além dos burocráticos Planos Plurianuais – PPA’s, centrados na
alocação financeira, mas sempre míopes para as potencialidades locais e ações
estratégicas.
O desenvolvimento desse município, para
ser sustentável, não pode vincular-se apenas ao uso predatório de seus recursos
naturais, mas valer-se também das potencialidades inúmeras que podem vir da
economia da cultura, através do turismo. Um desafio seria a elaboração de um Plano
Estratégico de Desenvolvimento Sustentável, de longo prazo, e com efetiva
participação de todos os segmentos sociais, especialmente os mais fragilizados
e excluídos.
E o município de Itapecuru Mirim tem
provas inequívocas de que isso é possível: a cidade, mesmo sem aproveitar
adequadamente as manifestações diretamente vinculadas a sua cultura, enche-se
de visitantes no período de carnaval .. É muito gostoso visitar Itapecuru
Mirim!
Mas a economia da cultura para gerar
oportunidades de trabalho e geração de renda exige a execução de projetos
estruturantes, que podem e devem ser buscados e viabilizados através de
parcerias estratégicas e não necessariamente com recursos do erário municipal.
A concepção e construção de um Memorial
à Liberdade, em homenagem a Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme e os
demais líderes da Revolta da Balaiada são um desses projetos estruturantes
necessários para a economia da cultura. Ele poderia ser erigido no exato local
onde o herói foi executado, nem que para isso tivesse que deslocar o Ginásio de
Esportes, por sinal uma aberração arquitetônica.
Não concorrerá predatoriamente com o
Memorial da Balaiada, localizado em Caxias e, muito pelo contrário, mostrará outra
face da história, vista sob a ótica dos vencidos à época ...
Os monumentos devem ser erguidos para
nos devolverem a história, nunca para ocultá-la total ou parcialmente.
Um outro monumento que clama por sua
concepção e construção é um Memorial à Matemática, em homenagem a Joaquim Gomes
de Sousa, reverenciado condignamente em várias cidades do mundo e reduzido a um
busto desfigurado em sua terra natal.
Esse monumento deveria ser edificado na
área central da Praça Gomes de Sousa e até poderia ser ampliado para um
Memorial às Ciências, Letras e Artes e, dessa forma, além de prestar tributos
ao maior matemático maranhense, tornar-se-ia uma espécie de “Pantheon
Itapecuruense” onde estariam imortalizados todos aqueles itapecuruenses que se
destacaram nessas áreas.
É um crime contra nós mesmos não termos
na cidade um monumento dedicado a homenagear nossa poetisa maior e única mulher
itapecuruense a chegar com méritos próprios à Academia Maranhense de Letras –
Mariana Luz!
Temos, ainda, os fatos vinculados à
Adesão do Maranhão à Independência, cuja batalha final no Largo da antiga
Igreja do Rosário dos Pretos, próximo à Cadeia Pública, envolvendo mais de 1800
invasores, em 10 de junho de 1823, levou à assinatura da efetiva adesão que se
deu em Itapecuru Mirim, em 20 de julho de 1823.
Nada existe na cidade que lembre esse
importante capítulo da história de Itapecuru Mirim e do Maranhão. Uma pena!
A história milenar do Rio Itapecuru, com
seus dinossauros e vapores; aliada à história da Estrada de Ferro São
Luis/Teresina, credenciam Itapecuru Mirim a pleitear que todo esse acervo
imaterial e também material e humano pudesse ser concentrado em Itapecuru
Mirim, na área ainda disponível entre o Rio e a Estrada de Ferro São
Luís/Teresina, criando-se o Museu Ferroviário do Vale do Itapecuru, iniciativa
tomada por quase todas as cidades do sul/sudeste que foram polos ferroviários.
Lembro que a Ferrovia Transnordestina e
a Ferrovia da Vale cortam toda a extensão do município e pouco tem internalizado
de benefícios efetivos para a sociedade itapecuruense. Por que não convocá-los
para uma parceria estratégica em projetos estruturantes dessa natureza?
Por que não pensar numa possível
reativação do Trem de Passageiros, com uma viagem no final de semana de São Luís
até Itapecuru Mirim. Poderia sair de São Luís na manhã de sábado e retornar na
tarde de domingo? Também uma alternativa para que os turistas dos Lençóis
Maranhenses chegassem até nossa cidade, a partir do Rosário.
Temos muito a explorar além da indústria
cerâmica, importante, mas insuficiente para gerar um desenvolvimento
sustentável para o município.
Elevar a Casa da Cultura professor João
da Cruz da Silveira ao status de um Centro de Formação e Difusão de Artes, com
um quadro de arte-educadores e um teatro anexo seria uma demanda natural para a
formação de novos talentos e a exposição de seus trabalhos ao público.
Num evento recente, realizado no IFMA/Itapecuru,
o prefeito municipal apelou para que os filhos da terra pudessem contribuir com
o desenvolvimento do município. Eu, como orgulhoso filho da terra, me disponho a ajudar com o que posso e
voluntariamente; desde que junto com outros valorosos itapecuruenses que pensam
o município e querem vê-lo como uma referência positiva no estado do Maranhão.
A adesão do município de Itapecuru
Mirim, mediante lei municipal, ao Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento
da Região da Balaiada é uma inciativa importante e necessária, mas não será
suficiente para elevar o município a um status de polo turístico, tem que haver
uma ação mais efetiva dos poderes executivo e legislativo visando viabilizar
projetos estruturantes, que aproveitem as potencialidades inerentes ao próprio
município para dinamizar a Economia da Cultura.
JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com
especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense
de Ciências, Letras e Artes – AICLA.
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