sexta-feira, 1 de setembro de 2017

AINDA HÁ UMA FORCA NO LARGO DO MERCADO



      


                                                                        Série Crônicas – ano IV/nº 45/2017
Josemar Lima

Um amigo meu de Brasília, estudioso das revoltas que aconteceram no Brasil no período regencial, certa vez manifestou o desejo de conhecer o local onde Dom Cosme Bento das Chagas – O Negro Cosme foi enforcado em Itapecuru Mirim.

Ele já estivera em Pernambuco e Alagoas, locais de onde se deu a “Cabanada” (1832/1835); no Pará, local da “Cabanagem” (1835/1840); na Bahia, para estudar e visitar os locais da “Revolta dos Malês” (1835) e da “Sabinada” (1837/1838), no Rio Grande do Sul, onde aconteceu a “Guerra dos Farrapos” (1835/1845) e também no Maranhão, palco da “Balaiada” (1838/1941).

No Maranhão ele visitou as cidades de São Luís e Caxias, sendo que nesta última esteve no Memorial da Balaiada, localizado no Morro do Alecrim, local da última batalha, segundo a literatura oficial.

Uma figura, entretanto, chamou a sua atenção por ter sido o único que recebeu a sentença de morte na forca, Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, enforcado na antiga Praça do Mercado, na então Vila de Itapecuru Mirim, em 17 de setembro de 1842, data oficializada recentemente por ato do governo estadual.

Mesmo com profunda tristeza tive que confessar ao amigo que ele não encontraria sinalizado em Itapecuru Mirim o local do enforcamento do mais importante líder da Guerra da Balaiada, até porque naquela ocasião, sobre o possível local da forca estava sendo construído um Ginásio de Esportes pela Prefeitura Municipal, mas que poderia visitar o prédio da Cadeia Pública onde ele esteve preso antes da execução.

Atualmente o antigo casarão está servindo como sede da Casa de Cultura Professor João da Cruz da Silveira, ainda com um parco acervo e estrutura deficiente para o cumprimento de seus objetivos. Sobrevive pela abnegação de seus dedicados gestores e beneméritos.

Registro esse fato para mostrar como nós itapecuruenses temos relegado ao desprezo toda uma rica história construída desde 1619, se consideramos como marco inicial da povoação multirracial a chegada daquelas trinta famílias portuguesas, provenientes dos Açores, para iniciar o processo de miscigenação com os índios e os negros escravizados.

São exatos 398 anos em que homens e mulheres, itapecuruenses natos ou por adoção, veem construindo a história desse município e agregando a ela suas inteligências, habilidades, talentos múltiplos, recursos e, em muitas oportunidades, sacrificando suas próprias vidas nessa construção.

Atualmente estão em curso estudos que acenam que Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, tratado pela história escrita pelos vencedores como um facínora, deverá tornar-se um dos heróis da história do Maranhão. E aí?

Todos os holofotes da história se deslocarão da cidade de Caxias, que apenas vivenciou os últimos capítulos dessa saga, e se voltarão para o local em que o “Tutor e Imperador da Liberdade”, como ele mesmo se autoproclamava, iniciou sua luta contra os horrores infligidos aos negros escravizados nas fazendas de algodão aqui de nossa região e também onde ela se eternizou na manhã daquele 17 de setembro de 1942, data de sua execução.

Desde sua morte, e lá se vão 175 anos, nenhum gestor municipal tomou nenhuma iniciativa para o reconhecimento de Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, que não lutou só pela liberdade dos negros escravizados, mas também e de forma pioneira, pela alfabetização das crianças negras e contra a tristemente famosa lei dos prefeitos, que estendia a esses mandatários atribuições dos antigos Juízes de Paz e, a partir delas, os negros passaram a sofrer muito mais...

Os gestores itapecuenses dos poderes executivo e legislativo, atual e futuros, precisam se reinventarem para entender que Itapecuru Mirim é um município especial, pelo seu capital humano, pelo seu capital social e pelo seu capital empreendedor comunitário. Os itapecuruenses tem uma identidade própria, muito vocacionada para o culto da beleza proporcionada pelas artes.

Pode beneficiar-se muito da Dimensão Cultural do desenvolvimento, diferentemente de outros municípios. Temos que avançar para além dos burocráticos Planos Plurianuais – PPA’s, centrados na alocação financeira, mas sempre míopes para as potencialidades locais e ações estratégicas.

O desenvolvimento desse município, para ser sustentável, não pode vincular-se apenas ao uso predatório de seus recursos naturais, mas valer-se também das potencialidades inúmeras que podem vir da economia da cultura, através do turismo. Um desafio seria a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável, de longo prazo, e com efetiva participação de todos os segmentos sociais, especialmente os mais fragilizados e excluídos.

E o município de Itapecuru Mirim tem provas inequívocas de que isso é possível: a cidade, mesmo sem aproveitar adequadamente as manifestações diretamente vinculadas a sua cultura, enche-se de visitantes no período de carnaval .. É muito gostoso visitar Itapecuru Mirim!

Mas a economia da cultura para gerar oportunidades de trabalho e geração de renda exige a execução de projetos estruturantes, que podem e devem ser buscados e viabilizados através de parcerias estratégicas e não necessariamente com recursos do erário municipal.

A concepção e construção de um Memorial à Liberdade, em homenagem a Dom Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme e os demais líderes da Revolta da Balaiada são um desses projetos estruturantes necessários para a economia da cultura. Ele poderia ser erigido no exato local onde o herói foi executado, nem que para isso tivesse que deslocar o Ginásio de Esportes, por sinal uma aberração arquitetônica.

Não concorrerá predatoriamente com o Memorial da Balaiada, localizado em Caxias e, muito pelo contrário, mostrará outra face da história, vista sob a ótica dos vencidos à época ...

Os monumentos devem ser erguidos para nos devolverem a história, nunca para ocultá-la total ou parcialmente.

Um outro monumento que clama por sua concepção e construção é um Memorial à Matemática, em homenagem a Joaquim Gomes de Sousa, reverenciado condignamente em várias cidades do mundo e reduzido a um busto desfigurado em sua terra natal.

Esse monumento deveria ser edificado na área central da Praça Gomes de Sousa e até poderia ser ampliado para um Memorial às Ciências, Letras e Artes e, dessa forma, além de prestar tributos ao maior matemático maranhense, tornar-se-ia uma espécie de “Pantheon Itapecuruense” onde estariam imortalizados todos aqueles itapecuruenses que se destacaram nessas áreas.

É um crime contra nós mesmos não termos na cidade um monumento dedicado a homenagear nossa poetisa maior e única mulher itapecuruense a chegar com méritos próprios à Academia Maranhense de Letras – Mariana Luz!

Temos, ainda, os fatos vinculados à Adesão do Maranhão à Independência, cuja batalha final no Largo da antiga Igreja do Rosário dos Pretos, próximo à Cadeia Pública, envolvendo mais de 1800 invasores, em 10 de junho de 1823, levou à assinatura da efetiva adesão que se deu em Itapecuru Mirim, em 20 de julho de 1823.


Nada existe na cidade que lembre esse importante capítulo da história de Itapecuru Mirim e do Maranhão. Uma pena!

A história milenar do Rio Itapecuru, com seus dinossauros e vapores; aliada à história da Estrada de Ferro São Luis/Teresina, credenciam Itapecuru Mirim a pleitear que todo esse acervo imaterial e também material e humano pudesse ser concentrado em Itapecuru Mirim, na área ainda disponível entre o Rio e a Estrada de Ferro São Luís/Teresina, criando-se o Museu Ferroviário do Vale do Itapecuru, iniciativa tomada por quase todas as cidades do sul/sudeste que foram polos ferroviários.

Lembro que a Ferrovia Transnordestina e a Ferrovia da Vale cortam toda a extensão do município e pouco tem internalizado de benefícios efetivos para a sociedade itapecuruense. Por que não convocá-los para uma parceria estratégica em projetos estruturantes dessa natureza?

Por que não pensar numa possível reativação do Trem de Passageiros, com uma viagem no final de semana de São Luís até Itapecuru Mirim. Poderia sair de São Luís na manhã de sábado e retornar na tarde de domingo? Também uma alternativa para que os turistas dos Lençóis Maranhenses chegassem até nossa cidade, a partir do Rosário.

Temos muito a explorar além da indústria cerâmica, importante, mas insuficiente para gerar um desenvolvimento sustentável para o  município.

Elevar a Casa da Cultura professor João da Cruz da Silveira ao status de um Centro de Formação e Difusão de Artes, com um quadro de arte-educadores e um teatro anexo seria uma demanda natural para a formação de novos talentos e a exposição de seus trabalhos ao público.

Num evento recente, realizado no IFMA/Itapecuru, o prefeito municipal apelou para que os filhos da terra pudessem contribuir com o desenvolvimento do município. Eu, como orgulhoso filho da terra,  me disponho a ajudar com o que posso e voluntariamente; desde que junto com outros valorosos itapecuruenses que pensam o município e querem vê-lo como uma referência positiva no estado do Maranhão.

A adesão do município de Itapecuru Mirim, mediante lei municipal, ao Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento da Região da Balaiada é uma inciativa importante e necessária, mas não será suficiente para elevar o município a um status de polo turístico, tem que haver uma ação mais efetiva dos poderes executivo e legislativo visando viabilizar projetos estruturantes, que aproveitem as potencialidades inerentes ao próprio município para dinamizar a Economia da Cultura.

JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.



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