sábado, 30 de setembro de 2017

LUIZ DE MELO: 30 anos de pesquisas históricas



                                                       

   

O escritor e pesquisador Luiz de Mello concede entrevista a Wilson Martins sobre as três décadas de pesquisas históricas no Maranhão.



Luiz Franco de Oliveira Melo é o premiado escritor e pesquisador maranhense Luiz de Mello, nascido em São Luís a 6 de maio de 1944. Muito cedo enveredou pelo campo da literatura, tornou-se funcionário público, passou por redações de dois jornais desta cidade e abraçou a pesquisa histórica como forma de sobrevivência financeira. Como ficcionista ele é um dos melhores do seu tempo. Como pesquisador ele é emérito. Aos 73 anos de idade, o persistente Luiz de Mello parece carregar um fardo pesado demais diante de sua saúde precária. Ainda assim, ele não tem repouso e movimenta-se por acervos de bibliotecas da Capital, pesquisando e mantendo, além da obstinação, uma luta constante para que os seus trabalhos sejam publicados.

           Quando se deu o início da sua trajetória no panorama literário maranhense?

Em 1961, aos 17 anos, comecei a escrever contos e romances. Eu era apenas um adolescente, tinha imaginação fértil e sem detença tratei de mostrar meus contos a duas escritoras, quase ao mesmo tempo: Arlete Nogueira da Cruz e Helena Barros, e de ambas recebi o necessário incentivo para continuar escrevendo.
Em 1963, um conto da minha autoria foi publicado no jornal Correio do Nordeste. E foi nesse jornal que eu conheci a poetisa Venúsia Neiva, os jornalistas Zuzú Nahuz e Alfredo Galvão, os poetas José Chagas, Bandeira Tribuzi, Nauro Machado, José Maria Nascimento e outros.
Em 1964, já estava bem ambientado nos meios literários de São Luís. Interessante é frisar que, havendo poucos contistas nesta capital (os mais conhecidos eram Ubiratan Teixeira, Bernardo Tajra, Fernando Moreira, Reginaldo Teles, Jorge Nascimento e Erasmo Dias), logo chamei a atenção de diversos escritores e poetas, os quais se admiraram da minha facilidade para escrever contos.
Entre 1962 e 1965, já havia escrito oito romances, duas peças teatrais e dezenas de contos. Mas eu ia guardando tudo, de modo que minha produção literária era do conhecimento de apenas sete ou oito escritores, destacando-se entre estes o padre João Mohana, Henrique Augusto Moreira Lima (médico e intelectual), Arlete Nogueira da Cruz, Bandeira Tribuzi e Domingos Vieira Filho. Este último queria publicar o meu primeiro livro de contos, quando dirigia o Departamento de Educação e Cultura do Estado, aí por volta de 1964. Infelizmente, em 1966, durante uma crise de alcoolismo, toquei fogo em quase tudo. Meus contos, romances e as duas peças teatrais viraram cinzas, o que muito lamento até hoje.
Em 1989 publiquei o Meridiano Oposto (contos) e a pesquisa Os Pintores Domingos e Horácio Tribuzi. Houve um grande vazio, entre o meu período de escritor iniciante, em 1961/62, e o de autor de livros publicados, em 1989, ou seja, perto de duas décadas de raras produções literárias. 
Para resumir o panorama literário de São Luís, no início dos anos 60, relembro a criação de suplementos literários nos jornais da Capital, como o Correio do Nordeste, Jornal do Dia e o semanário Jornal do Maranhão, que era da Igreja Católica, e neste último também figurei como colaborador. Muitos contos, poesias e crônicas de jovens autores eram publicados nos suplementos desses jornais, distinguindo-se o dirigido pelo poeta José Maria Nascimento, no Correio do Nordeste, e o de Carlos Cunha no Jornal do Dia. Era um tempo de renovação literária, embora estivéssemos muito distante dos grandes centros culturais, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

                          Como aconteceu a sua incursão na pesquisa? 

Minha primeira pesquisa data de 1965 e teve como tema a vida e obra do comediógrafo Américo Azevedo, irmão de Aluísio e Artur Azevedo. Levei o material pesquisado, inclusive seis comédias, para o Rio de Janeiro em 1967, e imediatamente entrei em contato com o diretor do Serviço Nacional de Teatro, o qual ficou ciente do assunto e decidiu que o encargo de organização da obra, análise e apresentação de textos, caberia ao escritor e diplomata Reis Perdigão (1900-1986), que eu conheci em São Luís, no ano de 1965. Por uma ironia do destino, inesperadamente regressei ao Maranhão em 1968, e as comédias do Américo Azevedo caíram no esquecimento, porque nada foi publicado pelo Serviço Nacional de Teatro, atual Fundação Nacional de Arte (Funarte). Uma pena!
Em 1985, desempregado havia cinco anos, principiei a pesquisar para sobreviver financeiramente. Convidado por Nascimento Morais Filho, fui contratado pela Secretaria da Fazenda do Estado, para sozinho realizar uma longa pesquisa abrangendo o período de 1835 a 1981. Era, em suma, a História do Tesouro Público Provincial, isto é, da Secretaria da Fazenda do Estado. Essa pesquisa durou dois anos e meio.
Posteriormente surgiram convites de mais duas Secretarias de Estado e de alguns escritores. E assim fui sobrevivendo, ganhando dinheiro e pesquisando sem parar. Foram tantas as pesquisas que fiz, mas tantas, que fica difícil relembrar de todas elas. E é bom esclarecer: era um trabalho extenuante, eu tinha ordenado variável, porém não tinha emprego, sempre fui um pesquisador autônomo, sem carteira assinada e sem direito a férias.

          Como é o seu processo de produção de pesquisa?

Minhas pesquisas são 70% de assuntos históricos e 30% de literários. Pesquisei sobre comércio, indústria, navegação fluvial, estabelecimentos bancários, cinemas, fábricas de tecidos, terrenos na Capital e seus primitivos proprietários, inúmeras sesmarias, ruas e outros logradouros públicos, e também fiz estudos acerca da vida e atividades de fotógrafos, pintores, escultores, desenhistas, e localizei obras como romances, contos, crônicas e poesias de vários autores, dos séculos XIX e XX, enfim, trata-se de uma extensa lista de textos pesquisados durante trinta anos.
Nas minhas pesquisas, jamais precisei de fazer entrevistas. Quando o assunto era muito complicado e antigo, eu recorria à releitura de algumas obras dos séculos XIX e XX, inclusive o muito útil Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, de César Marques.
E, relativamente a usar da imaginação, isso foi muito fácil para mim. Em certas ocasiões, eu fazia três pesquisas ao mesmo tempo, para terceiros, mas nada contava aos que me contratavam, e assim eu tinha três ordenados garantidos.  

          Pesquisas mostram que jovens estão lendo menos. Houve tempo em que nossos escritores eram temas de vestibulares. Faltam políticas para incentivar e disponibilizar acervos, onde jovens possam buscar a leitura como devoção, ou esta realidade seria pelo fato de os educadores não saberem identificar vocações literárias dos alunos?  

A diminuição da leitura (estou me referindo à literatura de um modo geral), por parte dos jovens, pelo menos em São Luís, vem ocorrendo há décadas. Nos anos 70, por exemplo, diversos escritores comentavam, até mesmo nos jornais, o declínio da leitura, afirmando que os jovens daquele tempo liam bem menos que os dos anos 60 e 50. E agora, o videogame, a internet e filmes de terror e ficção científica é que prejudicam os mais jovens, afastando-os da leitura de livros sérios, da boa literatura. Uma lástima!
No que se refere aos vestibulares, afirmo que os nossos escritores estão esquecidos. As universidades maranhenses não os incluem como temas de análise literária. E a política cultural, salvo raros exemplos, pouco difunde a literatura entre a juventude, e os educadores não se mostram exemplarmente interessados pelo assunto Cultura, nem na poesia, nem na prosa. Devo assinalar que apenas estou fazendo alusão à nossa capital, tendo em vista a existência de movimentos de entidades culturais em certas cidades do interior maranhense, as quais têm Academias de Letras e Institutos Históricos e Geográficos. Ainda assim, os educadores precisam estimular os alunos, indicar a boa leitura, não só em São Luís, como igualmente no interior do estado. E creio que, para total êxito, será preciso um projeto literário e educacional, regularizado pela Sectur, Seduc, Semed e Secult, resultando na fusão da Educação e Cultura. 

                 Você acredita que a pesquisa, como arsenal da memória cultural é capaz de preencher lacunas de ordem política, cultural e social? 

Lógico. A pesquisa preserva o passado artístico-cultural, influindo também na política e na ordem social. A literatura faz parte da História de qualquer país. Já escrever sobre a literatura maranhense, é uma tarefa a que bem poucos se habilitaram, em São Luís.
Nas pesquisas você usa a arquitetura intelectual e o realismo testemunhal. Por que não na prosa?
Nas pesquisas, longas, que realizei, exatamente usei o esforço intelectual, em busca de referências básicas para destrinçar assuntos de difícil assimilação. Já na prosa, ou melhor, nos contos, muito utilizei a experiência de vida, o realismo testemunhal e, às vezes, o surrealismo.

               Em “Os Segredos de Guímel” você emprega uma característica universal, com personagens e tramas complexos. A iniciativa foi apresentar um mundo diferente para o leitor? 

Guímel é um livro diferente, as tramas bem delineadas, os personagens totalmente divergentes dos outros nos contos que eu anteriormente havia escrito. Evidentemente, esse livro causou impacto no leitor. Vendi cerca de 350 exemplares, entre 1996 e 1997, o que, em se tratando de São Luís, significa uma boa venda. Diria mesmo que foi um livro bem aceito por mais de trezentos leitores, embora saiba que essa cifra surpreenderá escritores de outros estados ou de cidades mais adiantadas que porventura lerem esta entrevista. Jamais tivemos editoras para a compra de direitos autorais, e, se elas houvessem existido, provavelmente teriam falido em pouco tempo. Com tal lacuna, e sem apoio do Governo, certos autores publicam livros por conta própria, como é o caso de Arlete Nogueira da Cruz. Mas a verdade é esta: poucos escritores vendem mais de quinhentos exemplares de obras publicadas em São Luís.

            Você acredita na relação de cumplicidade entre o leitor, o texto e o autor, ou que o escritor deve subverter até as normas gramaticais, escrevendo como a maioria?

Obviamente, em obras de ficção, sempre existiu a cumplicidade entre o leitor, o texto e o autor. Para ser sincero, todo bom escritor tem estilo próprio, embora certos críticos vislumbrem influências de determinados literatos mestres do passado. Este mundo é um rosário de bolas, conforme disse o escritor Guimarães Rosa. E as bolas são analógicas, as cores é que são diferentes. Um escritor não pode ser papel-carbono de outro, eis o problema.

          Na literatura maranhense, quais as autoras e autores você destaca?

Na literatura ludovicense (já declarei que não mais podemos nos referir ao Maranhão tendo como centro cultural a Capital) são estes os mais importantes: Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chagas, Mário Meireles, Jomar Moraes, Arlete Nogueira da Cruz, Ubiratan Teixeira, Bernardo Almeida, Fernando Braga, Francisco Tribuzi, Josué Montello, José Louzeiro, Carlos Cunha, José Maria Nascimento, Gullar, Lucas Baldez, Fernando Moreira, Ceres Costa Fernandes, Domingos Vieira Filho, Nascimento Moraes, Clóvis Ramos, José Fernandes, Lenita de Sá, Manoel Caetano Bandeira de Mello, Wilson Martins, Alberico Carneiro, Paulo Melo Sousa, Joaquim Haickel, José Sarney, Lucy Teixeira, Laura Amélia Damous, Carlos Gaspar, Alex Brasil, Ivan Sarney, Joaquim Itapary, Sebastião Jorge, Cunha Santos Filho, Lourival Serejo, Waldemiro Viana, Américo Azevedo Neto, Benedito Buzar, Álvaro (Vavá) Melo, Valdelino Cécio, Lino Moreira, Cursino Raposo, José Ribamar Caldeira, Wanda Cristina, João Mohana, Dagmar Destêrro, J. Ewerton Neto, Herbert de Jesus Santos, etc, etc.
Reconheço que há muitos escritores, do passado, que estão esquecidos, e somente menciono os seguintes: Jamil Jorge, Hermínio Bello, Cecílio Sá, Assis Garrido, José Brasíl, Cleber Ribeiro Fernandes, Lauro Serra (todos teatrólogos), Durval Cunha Santos (romancista) e Jorge Nascimento (contista e poeta), o único ainda vivo.  

           Como você analisa a produção literária maranhense hoje, em relação ao mercado e à política editorial no estado? 

A produção literária, em São Luís, está muito aquém do esperado. Excetuando os lançamentos de autores que dispõem de recursos próprios, a política editorial do estado está meio emperrada. E, pelo que me consta, apenas a Academia Maranhense de Letras vem editando livros, de uns tempos pra cá, devidamente amparada pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Por outro lado, pouco sabemos dos planos editoriais da Sectur, instituídos pelo Estado, e do Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura.
Só relembrando: a única Antologia de Contos Maranhenses, coordenada por Arlete Nogueira da Cruz, data de 1972, sendo exato que, até hoje, ninguém teve a ideia de editar uma nova Antologia de Contos, a qual seria mais abrangente, mais atual. Tudo isso é lamentável, entretanto, não sei quando São Luís sairá desse marasmo literário, no qual mergulhou há muito tempo.

            Em São Luís não é raro encontrar um autor que não seja poeta. Você fez alguma incursão na poesia? 

Na juventude, eu rabisquei alguns sonetos, depois me dediquei exclusivamente à ficção, isto é, aos contos e às pesquisas históricas. Hoje em dia há, na capital maranhense, muitos jovens escritores e escritoras de talento, contistas, romancistas e ensaístas. O tempo de “só poetas” já passou.

                        Luiz de Mello é autor dos seguintes livros:

Os Pintores Domingos e Horácio Tribuzi (pesquisa histórica) 1989; Meridiano Oposto (contos) 1990. A 2ª edição é de 2005, com recursos próprios do autor.
Os terroristas e os outros (conto). Prêmio do Concurso de Contos da UFMA (1993).
Os segredos de Guímel (contos) 1996; Primórdios da telefonia em São Luís e Belém (pesquisa) Edições AML/ALUMAR 1999, integrando a série Documentos Maranhenses; Pintores Maranhenses do Século XIX (pesquisa). Edições Func (2002). Livro publicado com recursos aprovados pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura; Cronologia das Artes Plásticas no Maranhão (1842–1930) pesquisa. Edições Secma, 2004.

                        Organização de textos: 

O Maranhão Histórico (ensaio), de José Ribeiro do Amaral. Ed. Instituto Geia, 2003. Coleção GEIA de Temas Maranhenses.Vol.1.
Informação sobre a Capitania do Maranhão dada em 1813, de Bernardo José da Gama (Visconde de Goiana) 2013. A 1ª edição desta obra data de 1872, publicada em Viena (Áustria), por iniciativa de Francisco Adolfo de Varnhagen (Barão de Porto Seguro). A 2ª edição de 2013, publicada com recursos próprios do organizador.
Dois Estudos Históricos de Jerônimo de Viveiros – Escorço da História do Açúcar no Maranhão/No tempo das eleições a cacetes. 2016 (Publicado com recursos próprios do organizador).
Quadros da Vida Maranhense, de Jerônimo de Viveiros (obra a ser publicada pela Academia Maranhense de Letras).
Páginas de Saudade, crônicas de Crysosthomo de Souza (inédito).
Coisas do Nosso Folclore, artigos de Nonnato Masson (inédito). 

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