domingo, 19 de agosto de 2018

A MULHER NA LITERATURA ITAPECURUENSE



Inaldo Lisboa

Enquanto estamos fazendo os preparativos para a primeira I Festa Literária de Itapecuru Mirim – FLIM, resolvi me propor a escrever uma série de artigos com o intuído de contribuir para o registro, a análise e, quem sabe, abrir uma discussão sobre a temática: Literatura e Vida literária no município de Itapecuru Mirim.  

 Neste primeiro artigo começarei fazendo uma abordagem sobre a literatura   produzida por mulheres itapecuruenses e focarei para um corte que tem como foco as três últimas décadas do século XX e as duas primeiras décadas do século XXI. Este registro me parece importante sobretudo nesse momento de nossa história em que está em pauta a discussão sobre gênero e sobre os absurdos e insistentes ataques contra a mulher. Também é relevante essa reflexão sobre o fazer literário em uma perspectiva da mulher escritora, não digo na perspectiva do feminino, porque há uma vasta literatura produzida por homens que enfocam esse universo, todavia muitos deles tratem do assunto com muito talento, verifico que é o olhar masculino sobre a mulher. Na verdade, a produção do feminino pela própria mulher no Brasil só ganha força a partir da terceira década do século XX. E, em se tratando de Itapecuru Mirim, não temos notícia de outra escritora ou outras escritoras com significativo registro literário antes de Mariana Luz (1871-1960).

Nesse sentido precisa ser ressaltado, conforme relata a escritora e pesquisadora Luiza Lobo, em sua obra Crítica Sem Juízo, pag. 17, que no contexto Mundial e Nacional.

A literatura de mulheres passou, cada vez mais, no século XX, a expressar uma nova voz impossível de ignorar na tradição literária – exatamente porque representa uma visão marginal, excluída. Esta coloca em cheque a cultura como se desenvolveu no passado, e apresenta novas perspectivas no que tange ao gênero, enunciação e enredo.  
  
Por isso, ao fazer essa abordagem, não posso deixar de destacar a nossa grande referência que foi e continua sendo Mariana Luz. Ela foi a segunda mulher e negra a ingressar na Academia Maranhense de Letras, tendo publicado em vida apenas um livro de poemas chamado Murmúrios, mas foi poeta e autora de uma vasta obra. Ela também foi dramaturga e escreveu músicas sacras, e foi respeitável professora de várias gerações de itapecuruenses. Essa mulher que teve uma vida de dificuldades, mas nunca desistiu dos seus objetivos como professora, escritora, como poeta, como articuladora cultural na cidade com o seu teatro, enfrentou dois tipos de preconceitos: ser mulher e ser negra. Não é à toa que ela é patrona da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes – AICLA, denominada a Casa de Mariana Luz. Nada mais justo porque a verdadeira casa dela, único bem que teve em vida e deixou como herança para a igreja católica, foi vendida e demolida com o consentimento de gestores descomprometidos e de um padre alienado sobre os assuntos da cultura de Itapecuru, com isso foi perdido o espaço que seria o museu da obra da poeta. 

Mas depois de Mariana Luz parece que foi reservado a mulher itapecuruense um mero lugar na plateia das letras, talvez simples leitora. Fala-se em Nonato Lopes, Nonato Ferraz, João Silveira e Benedito Buzar. Observo que é uma cena muito masculina. A mulher somente aparece como musa, idealizada ou como uma amante não correspondida de um poeta infeliz. Não há uma produção feita por mulheres, muito menos uma reflexão sobre o significado de ser mulher. Devo destacar que as décadas de sessenta e setenta do século XX já havia ocorrido toda uma revolução sexual no mundo. Parece que restou às mulheres apenas a função de ser professora. E tivemos ótimas professoras: Blandina Santos, Dona Santinha, Lili Bandeira, elas até lançaram-se a uma tímida aventura de escrever versos, mas dentro de um rígido controle moral.  

Felizmente nessas duas primeiras décadas do século XXI surgem algumas mulheres que tomaram a cena literária e começaram a apresentar uma significativa produção: Maria Sampaio, Benedita Azevedo, Jucey Santana, Assencão Pessoa (as quatro, membros da AICLA), Samira Diorama, também foi membro fundador da AICLA, todavia preferiu se desligar da confraria. 

Maria Sampaio com uma verve que tem como inspiração versos populares meio cordelistas, que saem de improviso, tem como tradição a oralidade e registam nossa história e nossas curiosidades locais, ganhou um registro fonográfico de algumas de suas músicas feito por Júnior Lopes (poeta, músico, também membro da AICLA), e seus versos foram registrados na antologia Inspirações Poéticas, organizada por Assenção Pessoas e Jucey Santana.

Benedita Azevedo além de ser uma grande poeta haicaista, já tendo participado de várias antologias e recebido prêmios nacionais, também é cronista, romancista e poeta. Seus romances: Voltando a viver no Rio e O Segredo, construídos a partir de sua vivência e traços biográficos, tem a mulher como personagem principal e são marcados por lutas pessoas como ser humano e como mulher. 

No prefácio do romance O Segredo, escrevi que a sua escrita não surgiu do dia para a noite:

Na verdade, não foi fácil, primeiramente teve que garantir a sua sobrevivência como professora durante toda uma vida, criar e educar filhos, driblar as necessidades do cotidiano e ainda ter tempo para “criar”.  Felizmente se ensinou, também aprendeu muito e esse aprendizado ela socializa com seus leitores nas suas obras que têm como características serem desprovidas de julgamentos ou de um caráter didático, todavia estimulam a reflexão e divertem, por que não?

            Em entrevista para este artigo, Benedita explicou de onde veio a sua influência literária:

 A literatura entrou em minha vida logo após aprender a ler, aos 10 anos. Gostava de ler os livros de leitura do Grupo Escolar Gomes de Souza, eu lia todos os textos do livro de leitura da minha série e dos livros das minhas irmãs mais adiantadas: trem de ferro, de Manuel Bandeira, soneto de Bilac, livros de Graciliano Ramos, os romances de José de Alencar, as fábulas com a moral da história e os folhetos de cordel que conseguia emprestado com a diretora. Mas o que mais marcou foi o poema “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu. Em toda festinha do grupo, cantávamos em coral, eu chegava a chorar de emoção. Eu me inseria no contexto. O papel das professoras foi fundamental, especialmente da Dona Francisca Rodrigues, que contava a biografia dos escritores maranhenses. Humberto de Campos, na sua criatividade e pobreza foi quem me fez pensar: se ele pode, eu também posso pelo menos tentar.

Jucey Santana teve o grande mérito de recuperar e organizar toda a produção literária de Mariana Luz. Uma mulher revelando o trabalho marcante de outra mulher. O livro Marian Luz: vida e obra e coisas de Itapecuru Mirim, publicado em 2014,  conseguiu trazer ao leitor contemporâneo os escritos de nossa famosa poeta que estavam inéditos e quase perdidos. Depois dessa magnífica proeza, Jucey Santana também escreveu outro livro marcante: Itapecuruenses Notáveis, obra que traz a biografia de muitas personalidades de nossa terra e revela o trabalho literário de outras mulheres que ficaram esquecidas na nossa história das letras, como, por exemplo: Blandina Santos, Lili Bandeira,  Aldacy Raposo e Enoi Simão.

            A experiência com a coleta de informações para o livro sobre Marina Luz e sobre assuntos da Academia Itapecuruense de Ciências Letras e Artes, aguçou a curiosidade de Jucey Santana para a pesquisa e para as mulheres escritoras, conforme demonstra no trecho abaixo em entrevista para este artigo:

 Mariana Luz me despertou para a dificuldade da mulher em todos os segmentos da sociedade, principalmente na arte literária até o segundo quartel do século XX. Já que  a primeira mulher a ter assento na ABL, Raquel de Queiroz, só foi aceita em 1977, depois de uma penosa trajetória de luta. Até então a mulher tinha que se esconder atrás de um pseudônimo para poder divulgar seus escritos. Temos o exemplo da escritora, Amélia Beviláqua, que já fazia parte da Academia Piauiense de Letras desde 1921 e ousou pleitear uma vaga na ABL em 1930, por indicação do seu marido, Clovis Beviláqua, membro fundador da Casa de Machado de Assis, foi tratada com desdém chamada de beletrista provinciana e que a ABL era uma instituição para “Brasileiros” e segundo a interpretação de seus decanos, teria que ser para “brasileiros machos”.    Maria Firmina dos Reis,  assinou  seu primeiro livro Úrsula, como, Uma maranhense, em 1859, que só foi recuperado mais de cem anos depois da sua publicação, em 1962, hoje reconhecida como a primeira romancista brasileira.  

Assenção Pessoa, além de romancista, poeta e cronista, autora dos livros: Recordações e Itapecuru Mirim sua gente e sua história também desenvolveu um importante trabalho com a literatura infantil e infanto-juvenil, já lançou os livros José e as três Mosqueteiras e a Princesa Sarah e o Sapo. Seu trabalho nesse segmento torna-se pioneiro e marcante, considerando nossa pesquisa nessas décadas abordadas.

Segundo Assenção Pessoa, em entrevista para este artigo:

...escrevo para transpor objeto dos meus conhecimentos adquiridos ao longo desses anos em forma de prazer e forma de lazer em forma de poesia usando as diversas alternativas que eu tenho literária  para atingir um público jovem infantil crianças e até mesmo adultos e os idosos para mim a escrita me permite caminhar, sonhar e abre portas e janelas ela me permite sair do meu habitual para conjugar as inspirações conhecimentos.

Samira Diorama, é autora dos romances Mistério na Casa da Cultura e Crystal, este último tendo uma mulher como personagem central. Também escreveu poemas e tem um livro com peças de teatro chamado Maria Passa na Frente. Segundo ela, a sua escrita como dramaturga foi influenciada por Raquel de Queiroz. Ao falar sobre o ator de escrever, revelou em entrevista especial para este artigo que: 

No princípio eu queria deixar um legado consistente para o meu município, para as futuras gerações. Eu queria deixar meu nome na História de Itapecuru e com a literatura eu vi que isso era possível. Então comecei a escrever. Só que eu percebia que meus colegas de ensino médio não tinham o gosto pela leitura, então resolvi que na minha escrita eu colocaria Itapecuru como cenário para que meus amigos também tivessem o prazer de ler um livro. Hoje eu escrevo para que as crianças, os jovens e os adultos consigam adquirir o amor pelas letras do nosso município e estado.

            Mas o que pude verificar é que essas escritoras, mesmo conseguindo ocupar um merecido lugar na história literária de Itapecuru Mirim, no texto de suas obras ainda há pouca reflexão sobre o universo feminino e sobre as lutas e conquistas da mulher itapecuruense, brasileira e mundial. Muito embora sejam conscientes desses avanços. Como nesse trecho da entrevista Assenção Pessoa:

Hoje a mulher vai além do lar, vai buscar horizontes femininos jamais alcançados que fazem dela um sujeito consciente do seu papel na sociedade, da transformação que ela pode causar com a sua literatura na sociedade. Ela se ver como uma figura que pode transformar que pode mudar a história. Hoje a mulher na literatura literária se vê dessa forma, com essa autoconsciência. Eu li Úrsula, de Maria Firmina dos Reis que aí ela sai daquela frágil donzela, por toda aquela história onde chega até a morte do protagonista. Hoje a mulher não é mais essa frágil donzela. A mulher é uma figura importante na história da literatura E aí nós temos vários expoentes, temos Clarice Lispector, Maria Adelaide Amaral e muitas outras mulheres e elas não precisam mais disfarçar com pseudônimos como faziam antigamente.

            Na antologia Púcaro Literário, organizada por Jucey Santana e João Carlos Pimentel Cantanhede, publicada em 2017, tive a grata satisfação de ver revelada as escritoras Bruna Mendes, Helena Lins, Josy Ribeiro, Suyanne Rachel Lopes Pessoa, Terezinha Maria Muniz Cruz Lopes. Mais recentemente, numa antologia organizada pelo professor Tiago Oliveira, Crônicas Itapecuruenses, com seus alunos da Universidade Estadual do Maranhão- UEMA, tive outra grata surpresa com um grupo de mulheres jovens se iniciando nas nossas letras. Também tivemos em 2015, a publicação do livro Cafés Amargos, primeiro romance da jovem Sabryna Mendes.

Estamos torcendo para a FLIM revelar novas mulheres escritoras e prontas a marcar uma história da mulher nas letras de nosso munícipio Itapecuru.
 



Francisco Inaldo Lima Lisboa itapecuruense,  professor, cineasta, dramaturgo, escritor e produtor de peças teatrais, com graduações em  Artes Cênicas e em Letras. É professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IFMAe atual  diretor geral  do Campus de Itapecuru Mirim (MA).   Dirigiu e roteirizou vários espetáculos muitos dos quais premiados.  Publicou os livros: Tudo Azul no Planeta Itapecuru, (2005) e  Nicéas Drumont, organizou em parceria com Jucey Santana a obra, João Batista,  e sua múltipla história (2016). Produziu os filme Caminho de Pedras Miúdas (2015), Uma Sexta Feira em 1940, e o documentário, No Palco com Aldo Leite.  Membro fundador da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes.


   

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