Inaldo Lisboa
Enquanto
estamos fazendo os preparativos para a primeira I Festa Literária de Itapecuru Mirim – FLIM, resolvi me propor a
escrever uma série de artigos com o intuído de contribuir para o registro, a
análise e, quem sabe, abrir uma discussão sobre a temática: Literatura e Vida
literária no município de Itapecuru Mirim.
Neste primeiro artigo começarei fazendo uma
abordagem sobre a literatura produzida
por mulheres itapecuruenses e focarei para um corte que tem como foco as três
últimas décadas do século XX e as duas primeiras décadas do século XXI. Este
registro me parece importante sobretudo nesse momento de nossa história em que
está em pauta a discussão sobre gênero e sobre os absurdos e insistentes
ataques contra a mulher. Também é relevante essa reflexão sobre o fazer
literário em uma perspectiva da mulher escritora, não digo na perspectiva do
feminino, porque há uma vasta literatura produzida por homens que enfocam esse
universo, todavia muitos deles tratem do assunto com muito talento, verifico
que é o olhar masculino sobre a mulher. Na verdade, a produção do feminino pela
própria mulher no Brasil só ganha força a partir da terceira década do século
XX. E, em se tratando de Itapecuru Mirim, não temos notícia de outra escritora ou
outras escritoras com significativo registro literário antes de Mariana Luz
(1871-1960).
Nesse
sentido precisa ser ressaltado, conforme relata a escritora e pesquisadora
Luiza Lobo, em sua obra Crítica Sem
Juízo, pag. 17, que no contexto Mundial e Nacional.
A
literatura de mulheres passou, cada vez mais, no século XX, a expressar uma
nova voz impossível de ignorar na tradição literária – exatamente porque
representa uma visão marginal, excluída. Esta coloca em cheque a cultura como
se desenvolveu no passado, e apresenta novas perspectivas no que tange ao
gênero, enunciação e enredo.
Por
isso, ao fazer essa abordagem, não posso deixar de destacar a nossa grande
referência que foi e continua sendo Mariana Luz. Ela foi a segunda mulher e
negra a ingressar na Academia Maranhense de Letras, tendo publicado em vida
apenas um livro de poemas chamado Murmúrios,
mas foi poeta e autora de uma vasta obra. Ela também foi dramaturga e escreveu
músicas sacras, e foi respeitável professora de várias gerações de itapecuruenses.
Essa mulher que teve uma vida de dificuldades, mas nunca desistiu dos seus
objetivos como professora, escritora, como poeta, como articuladora cultural na
cidade com o seu teatro, enfrentou dois tipos de preconceitos: ser mulher e ser
negra. Não é à toa que ela é patrona da Academia Itapecuruense de Ciências
Letras e Artes – AICLA, denominada a Casa de Mariana Luz. Nada mais justo
porque a verdadeira casa dela, único bem que teve em vida e deixou como herança
para a igreja católica, foi vendida e demolida com o consentimento de gestores
descomprometidos e de um padre alienado sobre os assuntos da cultura de
Itapecuru, com isso foi perdido o espaço que seria o museu da obra da poeta.
Mas
depois de Mariana Luz parece que foi reservado a mulher itapecuruense um mero
lugar na plateia das letras, talvez simples leitora. Fala-se em Nonato Lopes,
Nonato Ferraz, João Silveira e Benedito Buzar. Observo que é uma cena muito
masculina. A mulher somente aparece como musa, idealizada ou como uma amante
não correspondida de um poeta infeliz. Não há uma produção feita por mulheres,
muito menos uma reflexão sobre o significado de ser mulher. Devo destacar que
as décadas de sessenta e setenta do século XX já havia ocorrido toda uma
revolução sexual no mundo. Parece que restou às mulheres apenas a função de ser
professora. E tivemos ótimas professoras: Blandina Santos, Dona Santinha, Lili
Bandeira, elas até lançaram-se a uma tímida aventura de escrever versos, mas
dentro de um rígido controle moral.
Felizmente
nessas duas primeiras décadas do século XXI surgem algumas mulheres que tomaram
a cena literária e começaram a apresentar uma significativa produção: Maria
Sampaio, Benedita Azevedo, Jucey Santana, Assencão Pessoa (as quatro, membros
da AICLA), Samira Diorama, também foi membro fundador da AICLA, todavia
preferiu se desligar da confraria.
Maria
Sampaio com uma verve que tem como inspiração versos populares meio
cordelistas, que saem de improviso, tem como tradição a oralidade e registam
nossa história e nossas curiosidades locais, ganhou um registro fonográfico de
algumas de suas músicas feito por Júnior Lopes (poeta, músico, também membro da
AICLA), e seus versos foram registrados na antologia Inspirações Poéticas, organizada por Assenção Pessoas e Jucey
Santana.
Benedita
Azevedo além de ser uma grande poeta haicaista, já tendo participado de várias
antologias e recebido prêmios nacionais, também é cronista, romancista e poeta.
Seus romances: Voltando a viver no Rio
e O Segredo, construídos a partir de
sua vivência e traços biográficos, tem a mulher como personagem principal e são
marcados por lutas pessoas como ser humano e como mulher.
No
prefácio do romance O Segredo,
escrevi que a sua escrita não surgiu do dia para a noite:
Na
verdade, não foi fácil, primeiramente teve que garantir a sua sobrevivência
como professora durante toda uma vida, criar e educar filhos, driblar as
necessidades do cotidiano e ainda ter tempo para “criar”. Felizmente se ensinou, também aprendeu muito
e esse aprendizado ela socializa com seus leitores nas suas obras que têm como
características serem desprovidas de julgamentos ou de um caráter didático,
todavia estimulam a reflexão e divertem, por que não?
Em entrevista para este artigo, Benedita explicou de onde
veio a sua influência literária:
A literatura entrou em
minha vida logo após aprender a ler, aos 10 anos. Gostava de ler os livros de
leitura do Grupo Escolar Gomes de Souza, eu lia todos os textos do livro de
leitura da minha série e dos livros das minhas irmãs mais adiantadas: trem de
ferro, de Manuel Bandeira, soneto de Bilac, livros de Graciliano Ramos, os
romances de José de Alencar, as fábulas com a moral da história e os folhetos
de cordel que conseguia emprestado com a diretora. Mas o que mais marcou foi o
poema “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu. Em toda festinha do grupo,
cantávamos em coral, eu chegava a chorar de emoção. Eu me inseria no contexto.
O papel das professoras foi fundamental, especialmente da Dona Francisca
Rodrigues, que contava a biografia dos escritores maranhenses. Humberto de
Campos, na sua criatividade e pobreza foi quem me fez pensar: se ele pode, eu
também posso pelo menos tentar.
Jucey
Santana teve o grande mérito de recuperar e organizar toda a produção literária
de Mariana Luz. Uma mulher revelando o trabalho marcante de outra mulher. O
livro Marian Luz: vida e obra e coisas
de Itapecuru Mirim, publicado em 2014,
conseguiu trazer ao leitor contemporâneo os escritos de nossa famosa
poeta que estavam inéditos e quase perdidos. Depois dessa magnífica proeza,
Jucey Santana também escreveu outro livro marcante: Itapecuruenses Notáveis,
obra que traz a biografia de muitas personalidades de nossa terra e revela o
trabalho literário de outras mulheres que ficaram esquecidas na nossa história
das letras, como, por exemplo: Blandina Santos, Lili Bandeira, Aldacy Raposo e Enoi Simão.
A experiência com a coleta de informações para o livro
sobre Marina Luz e sobre assuntos da Academia Itapecuruense de Ciências Letras
e Artes, aguçou a curiosidade de Jucey Santana para a pesquisa e para as
mulheres escritoras, conforme demonstra no trecho abaixo em entrevista para
este artigo:
Mariana Luz me
despertou para a dificuldade da mulher em todos os segmentos da sociedade,
principalmente na arte literária até o segundo quartel do século XX. Já que a primeira mulher a ter assento na ABL, Raquel
de Queiroz, só foi aceita em 1977, depois de uma penosa trajetória de luta. Até
então a mulher tinha que se esconder atrás de um pseudônimo para poder divulgar
seus escritos. Temos o exemplo da escritora, Amélia Beviláqua, que já fazia
parte da Academia Piauiense de Letras desde 1921 e ousou pleitear uma vaga na
ABL em 1930, por indicação do seu marido, Clovis Beviláqua, membro fundador da
Casa de Machado de Assis, foi tratada com desdém chamada de beletrista provinciana e que a ABL era
uma instituição para “Brasileiros” e segundo
a interpretação de seus decanos, teria que ser para “brasileiros machos”. Maria
Firmina dos Reis, assinou seu primeiro livro Úrsula, como, Uma maranhense, em 1859, que só foi
recuperado mais de cem anos depois da sua publicação, em 1962, hoje reconhecida
como a primeira romancista brasileira.
Assenção
Pessoa, além de romancista, poeta e cronista, autora dos livros: Recordações e Itapecuru Mirim sua gente e sua história também desenvolveu um
importante trabalho com a literatura infantil e infanto-juvenil, já lançou os
livros José e as três Mosqueteiras e
a Princesa Sarah e o Sapo. Seu
trabalho nesse segmento torna-se pioneiro e marcante, considerando nossa
pesquisa nessas décadas abordadas.
Segundo
Assenção Pessoa, em entrevista para este artigo:
...escrevo
para transpor objeto dos meus conhecimentos adquiridos ao longo desses anos em
forma de prazer e forma de lazer em forma de poesia usando as diversas
alternativas que eu tenho literária para
atingir um público jovem infantil crianças e até mesmo adultos e os idosos para
mim a escrita me permite caminhar, sonhar e abre portas e janelas ela me
permite sair do meu habitual para conjugar as inspirações conhecimentos.
Samira
Diorama, é autora dos romances Mistério
na Casa da Cultura e Crystal,
este último tendo uma mulher como personagem central. Também escreveu poemas e
tem um livro com peças de teatro chamado Maria
Passa na Frente. Segundo ela, a sua escrita como dramaturga foi
influenciada por Raquel de Queiroz. Ao falar sobre o ator de escrever, revelou
em entrevista especial para este artigo que:
No
princípio eu queria deixar um legado consistente para o meu município, para as
futuras gerações. Eu queria deixar meu nome na História de Itapecuru e com a
literatura eu vi que isso era possível. Então comecei a escrever. Só que eu
percebia que meus colegas de ensino médio não tinham o gosto pela leitura,
então resolvi que na minha escrita eu colocaria Itapecuru como cenário para que
meus amigos também tivessem o prazer de ler um livro. Hoje eu escrevo para que
as crianças, os jovens e os adultos consigam adquirir o amor pelas letras do
nosso município e estado.
Mas o que pude verificar é que essas escritoras, mesmo
conseguindo ocupar um merecido lugar na história literária de Itapecuru Mirim,
no texto de suas obras ainda há pouca reflexão sobre o universo feminino e
sobre as lutas e conquistas da mulher itapecuruense, brasileira e mundial. Muito
embora sejam conscientes desses avanços. Como nesse trecho da entrevista Assenção
Pessoa:
Hoje
a mulher vai além do lar, vai buscar horizontes femininos jamais alcançados que
fazem dela um sujeito consciente do seu papel na sociedade, da transformação
que ela pode causar com a sua literatura na sociedade. Ela se ver como uma
figura que pode transformar que pode mudar a história. Hoje a mulher na
literatura literária se vê dessa forma, com essa autoconsciência. Eu li Úrsula, de Maria Firmina dos Reis que
aí ela sai daquela frágil donzela, por toda aquela história onde chega até a
morte do protagonista. Hoje a mulher não é mais essa frágil donzela. A mulher é
uma figura importante na história da literatura E aí nós temos vários expoentes,
temos Clarice Lispector, Maria Adelaide Amaral e muitas outras mulheres e elas
não precisam mais disfarçar com pseudônimos como faziam antigamente.
Na antologia Púcaro Literário, organizada por Jucey
Santana e João Carlos Pimentel Cantanhede, publicada em 2017, tive a grata
satisfação de ver revelada as escritoras Bruna Mendes, Helena Lins, Josy
Ribeiro, Suyanne Rachel Lopes Pessoa, Terezinha Maria Muniz Cruz Lopes. Mais recentemente,
numa antologia organizada pelo professor Tiago Oliveira, Crônicas Itapecuruenses, com seus alunos da Universidade Estadual
do Maranhão- UEMA, tive outra grata surpresa com um grupo de mulheres jovens se
iniciando nas nossas letras. Também tivemos em 2015, a publicação do livro Cafés Amargos, primeiro romance da jovem
Sabryna Mendes.
Estamos
torcendo para a FLIM revelar novas
mulheres escritoras e prontas a marcar uma história da mulher nas letras de
nosso munícipio Itapecuru.
Francisco Inaldo
Lima Lisboa itapecuruense, professor, cineasta, dramaturgo, escritor e
produtor de peças teatrais, com graduações em Artes Cênicas e em Letras. É
professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão –
IFMAe atual diretor geral do Campus de Itapecuru Mirim (MA). Dirigiu e roteirizou vários espetáculos muitos
dos quais premiados. Publicou os livros:
Tudo Azul no Planeta Itapecuru, (2005) e
Nicéas Drumont, organizou em parceria com Jucey Santana a obra, João Batista, e sua múltipla história (2016). Produziu
os filme Caminho de Pedras Miúdas
(2015), Uma Sexta Feira em 1940, e o documentário, No Palco com Aldo Leite. Membro fundador da Academia Itapecuruense de
Ciências, Letras e Artes.
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