Tiago
Oliveira
Em
uma de minhas viagens a Kelru, povoado localizado às margens do rio Itapecuru,
fiquei sabendo de uma história, que segundo os moradores locais, teria
ocorrido, por lá, em meados do século XIX, quando vivia João Belfort, último
descendente direto do nobre irlandês Lourenço Belfort.
João
Belfort era casado com a bela Gertrudes Gomes de Sousa, herdeira da fazenda Boa
Vista dos Gomes de Sousa. Este casal, apesar de ter estudado nos melhores
colégios da Capital Maranhense e na renomada Universidade de Coimbra, em
Portugal preferiu voltar e viver nas terras de seus antepassados.
Em
alguns aspectos, o enlace matrimonial deles não fugia a um costume daquela
época, que era o casamento entre parentes, onde geralmente o homem era bem mais
velho que a mulher.
João
Belfort já passava dos quarenta anos, sendo viúvo de primeiras núpcias e primo
de segundo grau de seu cônjuge; era formado em Direito, mas não chegou a seguir
carreira, pois, preferia a labuta da lavoura e criação de gado como seus
antepassados. Homem rude tratava sua escravaria com extrema dureza, porém
mantinha certas intimidades com uma de suas escravas de dentro, a bela e
sedutora Augusta Mina, que almejava ser uma sinhazinha como a sua senhora.
Augusta
era irmã da bela e meiga Patrícia Mina, escrava de companhia de Gertrudes.
Ambas, filhas de Agostinho Mina e Florença Mina, casal liberto por Gertrudes,
que além de alforriá-los confiou a eles a importante missão de cuidar da
tricentenária Capela de São Patrício. Fatos que contribuíram para a dedicação
de Patrícia por sua sinhá.
Quando
recebeu a sua alforria Agostinho Mina em retribuição a sua sinhazinha lhe deu
de presente uma égua prenha, que logo deu a luz ao poldro Fulupo, que
despertava grande admiração por onde passava, mas era muito arisco e não
permitia que ninguém se aproximasse dele, com exceção de Patrícia e sua sinhá.
O animal foi crescendo e não permitia montaria, todos tentavam, mas nada do
bicho ceder; até que Agostinho Mina teve a ideia de levar as duas para testar a
montaria no mesmo, este ato deu certo, mas acabou despertando nas moças
fascínio pelo animal.
O
velho João Belfort, sabedor das peripécias de Fulupo, demonstrou certa
indiferença por sua companheira passar horas afio nos campos tentando domar um
cavalo. Pois, dispensava o resto do seu libido com a fogosa Augusta Mina às
escondidas, pelas ribanceiras do Itapecuru. Concomitantemente, Gertrudes se
afeiçoava ainda mais com Fulupo passando a ter desejos carnais por ele, porém
se resguardava; contudo, resolveu se abrir com a confidente Patrícia Mina, que
demonstrou espanto com os desejos da sinhá, mas resolveu ajudá-la e apoiá-la
caso ela quisesse desfrutar de alguma intimidade com o viril animal.
Em
certa ocasião as duas foram visitar uma curandeira, que era conhecida como a
guardiã do cemitério dos Belfort e Gomes de Sousa, nas proximidades do povoado
Pirinã. No caminho confabulavam sobre a tal atração sexual da jovem fidalga por
Fulupo e como poderia haver conjunção carnal, entre o casal fora do comum. Mas,
durante a visita, enquanto Gertrudes conversava com a curandeira, a velha
senhora trouxe de seus aposentos uma bela toalha tecida em sua própria casa com
o bom algodão da região.
Então,
Patrícia Mina teve uma ideia e resolveu propor para a sua sinhá no caminho de
volta. Quando as duas pararam no cemitério a bela escrava relatou que era só a
sua sinhá se agachar por baixo do Fulupo, e que para impedir que ele tentasse
penetrá-la, ela enrolaria a toalha recebida como presente no órgão sexual do
bicho.
A
sinhazinha sentiu no seu ímpeto um desejo incrível por tal ato sexual, mas ao
mesmo tempo tinha receios, porém não resistiu e resolveu se entregar a tamanha
atração. Assim, as duas procuraram um local apropriado na mata da região e
assim ocorreu o primeiro ato de amor entre Gertrudes e Fulupo. À noite já em
seus aposentos a jovem fidalga não parava de imaginar no que havia ocorrido; e
por isso, com o passar dos dias as visitas à região do Pirinã, pelas
confidentes tornar-se-iam mais frequentes, fato que despertou a curiosidade de
Augusta Mina e a fez segui-las.
Andando
sorrateiramente pelas matas da região a astuta Augusta Mina, viu o que jamais
podia imaginar sua Senhora se entregando aos seus desejos mais promíscuos com
Fulupo. E logo pensou que era a oportunidade perfeita para ela se livrar dela e
galgar ascensão social, ao contar tal segredo ao seu amante João Belfort. Logo,
voltou para a sede da fazenda correndo para relatar o que havia presenciado, de
longe avistou o seu senhor sentado numa cadeira na varanda da casa grande e não
perdeu tempo foi logo indagando o velho sobre a sua senhora:
-
Este relatou que não sabia.
-
Augusta, retrucou e disse que: - você deveria saber senhorzinho, porque eu sei
e não é coisa boa não!
João,
então disse: - pois, fale e não me amole com conversa fiada, ora...
Augusta,
então chamou o velho para a beira do Itapecuru e relatou tudo o que havia
presenciado. Este de imediato desconfiou de tamanha audácia de sua companheira,
contudo foi provocado por sua escrava a seguir os passos de sua esposa e tirar
suas dúvidas. E assim fez, resolvendo esperar nova visita de Gertrudes à região
do Pirinã.
O
velho, Belfort passou dias e dias pensando na cena que poderia presenciar e no
escândalo que viria ser caso esta história fosse de conhecimento de todos, por
isso mudou de ideia e resolveu chamar Patrícia Mina para uma conversa. Ao
indagar e pressionar a moça sobre os atos libidinosos de sua companheira com o
cavalo ouviu que tais fatos eram verídicos.
Este
ficou analisando toda a situação, então o velho fidalgo disse a Patrícia, que
não tinha coragem para desmascarar a companheira, mas pediu a ela para que
durante um novo encontro conjugal deveria retirar a toalha que segurava o
ímpeto de Fulupo, afim de que o mesmo penetrasse a sua amante, para causar uma
hemorragia nela, o que poderia levá-la a uma morte prolongada e dolorosa. E
assim, teria a sua vingança. Patrícia Mina advertiu que não faria tamanha
maldade com sua sinhá, mas o velho Belfort, argumentou que caso não o fizesse,
iria colocar o velho Agostinho Mina no pelourinho e chicoteá-lo até a morte.
Por
pior que poderia ser, o plano de João Belfort saiu como planejado, enquanto
Gertrudes sofria em seus aposentos de uma forte hemorragia, ele mandou colocar
o cavalo Fulupo numa solta distante da sede da fazenda e preparar um mausoléu a
poucos metros da casa grande, que supostamente seria uma nova capela. Após dias
de sofrimento a bela fidalga Gertrudes Gomes de Sousa Belfort veio a óbito.
João
mandou buscar o cavalo da solta e com as suas próprias mãos perfurou a garganta
do animal com o seu punhal. Para completar a sua vingança, decidiu enterrar o
casal incomum, na mesma cova, amarrados pela toalha companheira de suas
caricias. E ordenou para todas as pessoas da localidade que jamais deveriam
abrir o mausoléu, mesmo após a sua morte.
Tempos
depois, vendo que seu plano de ascender socialmente havia falhado, Augusta Mina
resolveu contar o que sabia para os moradores da região, o que causou grande
constrangimento para João Belfort, por conta da repercussão negativa de toda a
história para a sociedade patriarcal e altamente conservadora da época. E assim
surgiu o estopim para a não permanência do último Belfort da Ribeira do
Itapecuru.
Atualmente,
quem visitar a antiga Fazenda Kelru encontrará um belo casarão e ao lado deste
uma imensa árvore, conhecida como faveira abraçando uma parede que supostamente
seria do antigo mausoléu, que guarda os restos mortais daquele casal, Gertrudes
e Fulupo; além de uma bela capela, morada do quadro em homenagem a São
Patrício.
Tiago de Oliveira Ferreira é Graduado
em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado pelo Instituto Superior
Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e Itapecuru Mirim. Professor
Substituto da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Campus CESITA –
Itapecuru Mirim. Livros publicados: Caminhos
do Itapecuru uma viagem, pelo Jardim do Maranhão (2016); Areias
de Santa Rita (2017). E membro da Academia Itapecuruense de Letras,
Ciências e Artes – AICLA.
Existe alguma prova cabível dessa história? Eu francamente não acredito nisso. Acho também que ao divulgar uma história com esse teor "imoral", não fica chato e constrangedor para os atuais proprietários do lugar? Mesmo sabendo que não se trata da época atual, para mim, é sim constrangedor. Infelizmente muita gente ainda tem uma mentalidade poluída e pode vincular o século XIX ao século XX. Entende o que eu quero dizer?
ResponderExcluir