O SANTO
DO POVO
Por: Jucey Santana
Confesso
que sempre me impressiono com tanta devoção a São Raimundo dos Mulundus e ouso
mesmo a afirmar, que não perde em nada para o outro santo milagroso, São José
de Ribamar. Conversei com vários romeiros que testemunharam as muitas graças
alcançadas por intercessão do Santo
Vaqueiro.
Um exemplo é de Irismar de Jesus Lima Pereira
a organizadora da romaria. Segundo ela ao três anos foi acometida de um eczema
crônico nas pernas (dermatite), e sua mãe, dona Maria das Dores (Quita), usou
todos os recursos disponíveis para o tratamento como, remédios de farmácia,
unguentos, remédios caseiros recorreu até a benzedores, sem êxito. Então resolveu apelar à São
Raimundo, prometendo que se ficasse boa a jovem iria a pé até o Santuário em Vargem Grande. Depois de curada
– pelo santo – e a promessa
paga, Irismar organizou a Romaria que
este ano completou 31 anos, com mais de 1500 associados e outros tantos
simpatizantes.
Os devotos saem dia 29 de agosto,
vencem os 59 quilômetros com uma pausa para descanso em Cigana outra no povoado
Leite e depois de passar a noite andando chegam ao amanhecer em Paulica quando
recuperam as forças para a chegada às 7 horas do dia 31, onde são recepcionados
com a tradicional missa dos Romeiros, às sete horas da manhã. Resolvi acompanhar a romaria em 2015, em uma
bela noite de lua cheia, iluminando nosso caminho, e me certifiquei emocionada, da grandeza da fé e a solidariedade que encontrei naquele povo simples, pagando
suas promessas.
Um pouco da história
A história inicia-se ainda no
Século XVIII. Por volta de 1700 nascia na fazenda Primavera (antiga Nova
Olinda), Raimundo Nonato Soares Ganguçu. Ele foi criado como afilhado “liberto”
da abastada portuguesa proprietária da fazenda e desfrutando de certas regalias
se tornou muito querido, respeitado entre os vaqueiros e moradores da
vizinhança. Homem de muita fé e
cumpridor dos suas obrigações, era
devoto do Santo do seu nome. Das muitas histórias que ouvi transcrevo o depoimento
do pesquisador José Mercedes Braga de 98 anos (28.4.1919), natural de Nina Rodrigues: “desde criança que ouvia histórias dos velhos
vaqueiros do meu avô, que diziam ter escutado dos mais antigos. Segundo
eles, a madrinha de Raimundo, autorizou que este, pegasse uma rês para comemorar o seu
aniversário com os amigos vaqueiros. Ele
foi campear com um cavalo e um cachorro e passou três dias desaparecido. Quando
o encontraram estava morto ao lado do cão e do cavalo, ao lado e uma
carnaubeira, petrificados, pareciam vivos. Alguns achavam que havia sido de
raio, muito comum na região, batido a cabeça na palmeira ou simplesmente por
obra e graça de Deus que o queria santo, hipótese mais aceita pelo povo do
lugar ”. Houve uma comoção geral
daquela gente simples e piedosa
do interior, que sofria pelo vaqueiro
amigo que perdeu a vida no cumprimento do seu dever. Os anos se passaram e o
povo não o esqueceu.
Com o passar do tempo passaram a rezar pela
sua alma, muito comum na época, e pedir
graças e a noticia começou a se espalhar que o vaqueiro se tornara milagreiro e
que em sonho indicava aos moradores, carnaubeira, onde foi encontrado morto, como fonte dos milagres. De acordo com a
crendice popular, a carnaubeira passou a ser usada como tratamento, para todos os males incuráveis: sua cascas, palhas e até as raízes serviam
para os chás milagrosos.
No início do século XIX, foi construída
no local da morte do vaqueiro, em Mulundus, uma pequena ermida de palha, para realizações de novenário no aniversario da morte do vaqueiro Raimundo, 31
de agosto, e a devoção se espalhou se transformando em centro de
peregrinação.
Os
vaqueiros e a fé
Vale
registrar que toda a região era muito
propícia a criação de gado que eram
comercializados no Arraial da Feira atual Itapecuru Mirim ou
transportada para São Luis via rio Munim.
As
crianças desde muito cedo começavam a aprender o mister de vaqueiro, que era a
função de maior status entre os escravos. A profissão de vaqueiro passava
dos pais para os filhos.
A região que compreendia Itapecuru Mirim,
Vargem Grande, Chapadinha, Brejo, Anajatuba, Manga do Iguará (Nina Rodrigues),
Araioses, Cantanhede e outras existia
grandes fazendas de gados o que justifica as
centenas de vaqueiros devotos do
Santo espanhol, que segundo a lenda,
enquanto fazia suas orações a Virgem Maria esta enviava um anjo para guardar os
rebanhos sob os seus cuidados, daí a ter um “representante” conterrâneo melhor
ainda.
A promessa
Por volta dos anos 30 do século
XIX, o tenente-coronel Antonio Bernardino Ferreira Coelho adquiriu o Engenho Primavera que outrora
pertencera a madrinha do vaqueiro Raimundo Nonato. Na constância do cargo de
Deputado Provincial Antonio Bernardino transferiu a Vila de Olho d’Agua para Vargem Grande pela em
1845. No final dos anos cinquenta o
deputado vendeu o Engenho Primavera ao coronel Francisco Solano Rodrigues. Ao
comprar as terras adquiriu também a escravatura
dos antigos proprietários com todos seus costumes e crendices. No local se
estabeleceu com a família depois do casamento com a senhora Luíza Roza Nina
Rodrigues, onde tiveram sete filhos: Djalma, Joaquim, Raimundo, Themístocles,
Antônio, Saul, e Maria da Glória.
Muito religiosa Dona Luiza, quando chegou já
encontrou a capelinha em Mulundus que fazia parte da propriedade da família.
Passou a fazer a manutenção e
incentivar o culto a São Raimundo Nonato. Em 1862, enquanto gestava um
dos seus filhos se sentiu muito doente então fez promessa, que se tivesse um
bom parto, o filho receberia o nome do Santo, porque além de protetor dos
vaqueiros é invocado como patrono e protetor das parturientes e das parteiras, porque
durante o seu nascimento a sua mãe faleceu e ele foi extraído vivo.
O pequeno Raimundo nasceu no dia
4 de dezembro de 1862, porém foi uma criança com a saúde frágil e mais uma vez
Dona Luiza recorreu ao Santo pedindo proteção e saúde ao filho e em troca
prometeu fazer vir da Espanha uma imagem
autêntica confeccionada na oficina sacra da
terra natal de São Raimundo. Quando o filho atingiu a juventude a imagem
foi encomendada. A trajetória da imagem foi difícil. Ela foi enviada à Portugal de lá foi feito o translado de navio
para a capital, São Luís, depois foi levada de
barco a vapor até Itapecuru –Mirim quando as autoridades locais e
eclesiásticas a transportaram até a igreja de São Sebastião e depois à Mulundus. A chegada da imagem ocorreu no
penúltimo quartel do século XIX.
O filho da promessa, Raimundo Nina Rodrigues o mais ilustre filho da terra, foi médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo. Faleceu em 1906.
Dona Luíza figurou como
responsável pela festa durante muitos anos
sendo seguida por seu filho o capitão Saul Nina Rodrigues que mesmo
residindo no Engenho São Roque em Anajatuba, gerindo os negócios da família
mantinha negócios em Vargem Grande tendo continuado como Mordomo da festa. Dona
Luiza faleceu em 17.12.1911.
O tenente- coronel Francisco
Solano Rodrigues, foi juiz de direito, Comandante Superior da Guarda Nacional,
da Vila de Vargem Grande, deputado
constituinte, Presidente da Câmara de Anajatuba e grande benfeitor de Vargem
Grande, tendo cedido uma das suas casas para servir de cadeia pública à Vila.
De 1937 a
1942, no vicariato de um dos padres mais empreendedores da paróquia, Alfredo Bacelar, foi levado a efeito uma grande reforma na igreja matriz de São Sebastião e a reforma e ampliaçao da capela e construçao do
Altar-Mor em Mulundus.
Transferência
da festa para Vargem Grande
Vale citar mais uma vez a
conversa com o veterano José Braga, em sua grande mesa sempre as voltas com
seus escritos: “Fui a primeira vez em
Mulundus aos 16 anos, corria o ano de 1935. Nunca tinha visto tanta gente
reunida. O que mais me impressionou
foi a quantidade de foguetes e os cavaleiros desfilando com os cavalos muito
bem arreados, com as mulheres nas garupas, já que na época não existia carros.
Os cavalos eram uma beleza, verdadeiros desfiles de bonitas montarias com o
rabo quase arrastando no chão e as crinas aparadas e penteadas. Tudo lindo!”
Segundo ele lá fervilhava.
Eram carros de bois, desfiles de cavalos, ambulantes apregoando suas
mercadorias, batizados, casamentos, pagamentos de promessas, procissão e os
bailes com as orquestras de fora, divididos por categorias: Baile de primeira
classe para brancos e ricos e de segunda
para os demais. Na época da festa Mulundus fervilhava. Para a festa os romeiros improvisavam
barracas de palhas e alegavam a falta de segurança motivando muitas escaramuças
entre forasteiros e romeiros, resultando em mortes e feridos.
Desde o início do Século XX,
começaram as campanhas pela imprensa,
pelos moradores e principalmente pelos comerciantes para a transferência
da festa para a sede de Vila de Vargem Grande. O povoado de Mulundus, era desprovido de estrutura adequada para
a celebração da festa que havia se tornado muito grande.
Porém os tradicionalistas
resistiam, por achar que a festa deveria permanecer no local onde iniciou.
Foram anos de negociações para solucionar o impasse. Somente em 1953, na gestão
do arcebispo Dom José Medeiros Delgado,
houve a transferência da festa para Vargem Grande, passando a ter uma
maior projeção. Os conservadores, no entanto, inconformados continuaram
celebrar São Raimundo Nonato em Mulundus, que em consenso a igreja fixou a data
do evento no povoado para o mês de outubro e assim respeitando a religiosidade
popular. A festa reúne fiés de todo o Maranhão
também de outros Estados, em pagamentos de promessas.
O Santo Espanhol, São Raimundo
Nonato foi um doutor da igreja, um grande Bispo e mártir da fé católica.
Roma não santificou (ainda) o
vaqueiro Raimundo Nonato de Mulundus, porém, o povo o proclama SANTO. Roga por nós, São Raimundo!
O MARANHÃO. REPUBLICA DOS TUPINAMBAS
ResponderExcluirMas o Maranhão existia como a republica dos tupinambás, já antes da fundação de Tupaón. O sete povos tupis, que tomaram posse do norte do Brasil, cerca de 1500 anos A.C., entram pela foz do rio Parnaíba, procurando as serras em ambos os lados desse rio. Do lado oriental ficam os tabajaras, do lado ocidental os tupinambás; os outros cinco povos estenderam-se para o sul e sudeste. Todos os sete povos formaram uma confederação e as Sete Cidades (no Piauí) era a capital federal, isto é, o lugar, onde se reuniam todos os anos o Congresso dos Sete Povos. (SCHWENNHAGEN, 1925).
O CONGRESSO DO MULUNDÚS
Mas a harmonia não ficou sempre intacta; por quaisquer motivo desligaram-se os tupinambás da confederação e constituíram seu próprio congresso, ao lado ocidental do Parnaíba, em Mulundús.
Os tupinambás já eram grandes senhores, tinham ocupado a maior parte do interior do Maranhão, tinham fundado mais de cem colônias no Grão Para, Amazonas e Mato Grosso e precisavam dum centro nacional para conservar a unidade da nação dos tupinambás. Esse centro era Mulundús, onde se reuniam todo ano os delegados de todas as regiões, ocupadas pelos tupinambás. Nas cartas e relatórios do padre Antonio Vieira encontram-se muitos indícios desses factos. Ele relata que alguns dos seus amigos tupinambás lhe contaram que no interior do Maranhão se reúnem os delegados de todas as aldeias que falam a mesma língua geral, e pediram ao padre mandasse para lá um sacerdote católico para celebrar missa, dentro d grande reunião do povo. Assim o antigo congresso de Mulundús ficou transformado numa festa cristã, dedicada à memória de São Raimundo, como ainda agora se faz. Sempre, porém, essa festa conservou o caráter dum congresso popular, para onde vêem de longe, de Goiás, Mato Grosso e Pará amigos, parentes e comerciantes daquelas regiões que pertenciam antigamente ao grande domínio dos tupinambás.
Ludovico Schwennhagen
SCHWENNHAGEN, Ludovico, MINHAS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO MARANHÃO. IN A PACOTILHA, São Luis, 30 de maio de 1925