domingo, 5 de agosto de 2018

A SERPENTE DA IGREJA MATRIZ



   

Tiago Oliveira


As matas de cipós, palmeiras e ipês da Ribeira do Itapecuru eram habitadas pelos valentes aborígenes Tabajaras, que no último quartel do século XVII eram liderados por Guaguakudoti. Estes, cultuavam a temida serpente Jurupari (deusa de seus sonhos e pesadelos) por meio de rituais conduzidos por seus pajés, em cerimonias que ocorriam a cada cinquenta luas cheias para acalmar o instinto valente e voraz desta serpente que habitava as profundezas do rio Itapecuru numa grande fenda que se estendia até abaixo de sua taba. Que segundo a lenda, se prolongava até as fundações da atual Igreja Matriz de Nossa Senhora das Dores, da cidade de Itapecuru Mirim. 

Quando faltavam dez luas para o ritual, os Tabajaras escolhiam dentre suas índias virgens a que fosse a guerreira mais forte, que a partir de então era preparada com o ensinamento do seu povo, por meio dos ritos de passagem, para só depois ser entregue a mística cobra. Chegado o dia todos se reuniam as margens do rio ao amanhecer e lá ficavam invocando o por meio de cânticos, gritos e danças; até o momento que ele movia o seu corpo na fenda de sua morada, sinalizando que já era a hora do seu presente começar a ser ornamentado, quando ocorria o segundo movimento, sempre ao cair da noite era a hora de receber o seu presente, e assim a virgem era lançada nas águas do rio: sentada numa balsa de sororoca, com as mãos amarradas para trás, com o corpo coberto de urucum e no seu colo dois olhos em destaque na cor de rubi, que simbolizava os olhos da grande cobra, o cabelo jogado para frente do rosto cobrindo assim os olhos.

Para o costume deste povo, o ritual servia para proteger este povo contra os invasores, grandes enchentes, mortes por afogamento, além de oferecer fartura de peixes, caças e frutos. Contundo, as missões volantes dos jesuítas comandadas por Pedro Parente, que subiam ano a ano os rios maranhenses chegaram aos mais longes confins do Itapecuru e assim atingem a grande Taba dos Tabajaras.

Após algum tempo dos primeiros contatos, os nativos resolvem aceitar a participação do homem branco nesse ritual, mas com desconfiança, pois, suspeitavam que o desejo de um desses homens era matar o Deus dos Tabajaras e tirar dos seus olhos as duas pedras vermelhas que brilhavam.

            O maioral já havia comunicado a todos que: caso algo saísse errado, todos deveriam fugir na direção da aldeia de paz de Anajatuba, para chegarem até a Ilha dos Caranguejos, onde deveriam formar a sua nova Taba e que os guerreiros deveriam ficar para proteger os pajés, durante o ritual, pois eles desejavam  conduzir a sua serpente para junto deles.  O maior deles Magé Tabajara prepara uma flecha contaminada com o veneno de um sapo da região e fica à espreita. Um dos homens brancos, Rabelo D’eça com o pretexto de também ofertar presentes de seu povo a Jurupari consegue colocar, seis bias cheias de pólvoras dentro da balsa das oferendas.

            A noite vai turvando, às margens do Itapecuru, neste momento há o segundo movimento na fenda, é então, a hora da balsa ser lançada aos poucos, sendo segura por cordas de embiras evitando que a corrente a leve para baixo e assim fique à espera do ato final.

            D’eça à espreita na ribanceira do rio não percebe que também está sendo espiado por Magé. As águas se agitam e de um rompante só um imenso ser prolonga seu corpo para fora d’água na direção de sua oferenda, os missionários inacianos se assustam e se afastam, toda a tribo se agacha demostrando respeito, neste momento o homem branco tenta acender o pavio que detonaria a balsa e matando a sua presa, mas é alvejado mortalmente pela flecha de Magé. Segue um silêncio, até que o ritual seja concluído, quando o animal volta para sua morada. O maioral, grita em voz alta: matem todos os brancos! No entanto, é permitido que o líder da missão retorne para avisar aos demais que não devem mais incomodar os Tabajaras novamente.

            Após o ocorrido, seguem-se os preparativos para a jornada a caminho da nova morada deste povo guerreiro na encantada Ilha dos Caranguejos. Porém, os colonizadores não desistem e tempos depois fundam na mesma localidade a Azurita do Itapecuru, que segundo a lenda ainda sofre com a perda do seu ser protetor, ocorrendo de tempos em tempos, mortes por afogamentos, grandes enchentes, secas do rio e até abalos de terras inexplicáveis.


                     Tiago de Oliveira Ferreira é Graduado em Língua Portuguesa e Literatura (UEMA) e Pós-graduado  pelo       Instituto Superior Franciscano (IESF). Professor de Santa Rita (MA) e Itapecuru Mirim. Professor Substituto da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Campus CESITA – Itapecuru Mirim. Livros publicados:  Caminhos do Itapecuru uma viagem, pelo Jardim do Maranhão (2016); Areias de Santa Rita (2017). E membro da Academia Itapecuruense de Letras, Ciências e Artes – AICLA.

 


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