Ceres Costa Fernandes
Muitos países costumam cultuar com grande zelo seus
heróis nacionais, os pais da pátria. No Brasil, no curto espaço de duas
gerações, na onda do revisionismo histórico, os heróis nacionais fundadores e,
também, as grandes datas e acontecimentos históricos, trocaram, em alta
rotatividade, pé com cabeça.
Quem foi Pedro Álvares Cabral? A data de 22 de
abril não é mais comemorada nas escolas. Há controvérsias sobre o
Descobrimento. O 13 de Maio passa em brancas nuvens e a Princesa Isabel é menos
conhecida da criançada do que a Princesa Aurora, da Bela Adormecida. Cadê o Dia
do Soldado? Era feriado na minha infância. Os feitos do Duque de Caxias ainda
entusiasmam algum menino?
D. Pedro I passou de libertador a libertino -
graças às séries de TV - e o Grito do Ipiranga, celebrado em nosso hino, virou
um gemido ocasionado, dizem, por uma homérica indigestão. Ruy Barbosa, o Águia
de Haia, foi também revisionado. Que é da fama do grande estadista? E o seu
juízo nunca foi tão atual: “De tanto agigantarem-se os poderes nas mãos dos
maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter
vergonha de ser honesto”. Ninguém duvida que a reavaliação da nossa história
seja boa para refletirmos sobre nosso passado, com vistas à construção de um
futuro.
Mas será que desmontar as figuras tidas como
fundadoras, sem cuidar de substituí-las, seja o caminho? Zumbi dos Palmares no
lugar da Princesa Isabel não preenche todas as lacunas, e os abolicionistas
José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, por exemplo, onde estão? Quem os representa
na mente jovem?
“Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo”, são palavras clarividentes do cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues. É certo que um país precisa de mitos, heróis e líderes. Com o Congresso Federal composto, em grande parte, de aproveitadores, quadrilheiros e corruptos, que líderes e heróis podem sair dali? E a corrupção que grassa no executivo e no judiciário?
Ah, mas há o futebol! Em época de Copa do Mundo,
aflora nosso patriotismo. É “a pátria de chuteiras” – Nelson novamente. De
quatro em quatro anos, nos orgulhamos de ser brasileiros: vestimos verde e
amarelo, a bandeira pátria tremula; gritamos, entusiasmados, Brasil! Brasil!
Somos todos patriotas. Mas os ídolos futebolísticos são de barro, efêmeros, à
exceção de Pelé, ou de alguns outros mais antigos, daqueles que não trocavam de
time ou de país por dinheiro.
Com a miséria e o enfraquecimento da nossa cidadania,
bandidos e “artistas” fabricados ganham espaço na mídia empobrecedora dos
valores morais da juventude. A indústria dos CDs e vídeos louva o crime e
empolga jovens, que outrora cultuavam os heróis “do bem”, a substituí-los por
traficantes e criminosos, tipo Escadinha, Fernandinho Beira-Mar e o onipotente
Marcola.
Tentar desmontar esses falsos super-heróis,
redistribuindo os traficantes para novos presídios de segurança máxima, com
bloqueadores de celular, controle de visitas, foi um passo a frente. Nada de
ordens vindas dos presídios? Se os corruptos forem punidos, professorinhas que
enfrentam incendiários de escolas com a própria vida subirem ao patamar da
fama, ainda haverá chance de nossa juventude retomar seus valores. Não mais
precisaremos ter vergonha de ser honestos."
Ceres Costa Fernandes, professora, escritora,
integrante dos quadros das Academias: Maranhense
de Letras e Ludovicense de Letras
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