*Eduardo
Sandes
Tenho
lembranças de outros dias. Hoje sentei no quintal de casa e me transportei no
tempo e espaço (a apenas alguns metros de onde estava). Olhei pro céu, uma pipa
solitária dançava no céu limpo e azul manchado com algumas nuvens. Senti o
cheiro de vó e de repente percebo que todas as minhas lembranças de infância
têm cheiro de vó.
Sentado
na varanda da casa da minha avó, onde cresci, olhando o céu, contando pipas e
confundindo com os pássaros (àquela época eram poucos pássaros pequenos, em
tempos normais pedras troavam por sobre os telhados atrás das pipiras).
Era
a temporada das pipas. Aparentemente na mente das crianças o tempo era contado
por essas temporadas invisíveis; meu calendário era bem diferente dos demais
meninos da rua. Meu mundo era o quintal de casa, dois quintas unidos e
infinitos. Tínhamos o tempo de manga, quando eu dificilmente almoçava e passava
o dia em cima do pé de manga fazendo dele tantas coisas a mente de um
imaginador pode imaginar. Tinha o tempo d a goiaba, mas o pé de goiaba da casa
da minha vó fora cortado depois que eu adoeci, tinha muitas lagartas lá. Tinha
também o da castanha e caju; eu e meus irmãos travávamos verdadeiras guerrilhas
com as pedras do quintal contra os meninos dos fundos, é que o pé de caju
ficava do lado deles, mas caia muitos cajus pro nosso lado. Eu era o comandante
atirador mor, a baladeira mais potente era a minha; o irmão mais velho.
Os
meninos da rua também tinham seus tempos, entre frutas e brincadeiras.
Lembrava,
nesse momento, do tempo das pipas. Olhava as coloridas e, vendo a direção,
reconhecia que o local escolhido no dia era
a rua Tomás de Aquino, na época ainda de pedra. Todos os meninos das
ruas de perto iam pra lá, se exibir e mostrar os pavões que voavam que eles
haviam feito ou comprado. Os mais ricos, obviamente, tinham pipas mais
pomposas, toda sorte de cor e papel; papel crepom, papel seda... azuis,
amarelas, róseas. Os mais pobre se contentavam com sacolas de supermercado azul
e branco ( o que não diminuía sua beleza aos seu olhos). Como grandes
competições haviam gritos, vaias e ovações. "-iiiii a minha tá mais
alta." "-Mas tu é besta, eu tô só brincando, deixa eu botar a minha
pra voar que tu vai ver". Os capitães do asfalto (modo de dizer, poucas
ruas ali perto tinha asfalto) guerreavam bravamente e era questão de honra. A
mais alta vencia. Vez ou outra acontecia de uma pipa cair e começar a caçada
pela pipa perdida. Eu adorava. Ficavam sempre atento vendo onde elas iam cair,
se perto ou se longe. De toda forma pipas de outras terras e ruas mais
distantes caiam no quintal da minha avó após fazerem uma viagem desgarrada. Era
uma alegria saber que agora aquela pipa danificada que ficara enganchada no pé
de manga seria minha. Não iria empina-la na rua ou competir com os outros
meninos, mas meu quintal ficava mais colorido com aquela pipa, os ventos se
tornavam visíveis e era a minha vez de desfilar com aquele objeto simples que
me trazia tanta alegria. E assim eu ficava, as pipas vizinhas no céu e eu com minha pipa quebrada dentro do meu quintal.
Vez
ou outra dava em briga, era quando cada um tomava seu rumo de casa no fim da
tarde. O sol se despedia de todos, amanhã seria outro dia e outra competição,
era hora de consertar as pipas que quebraram, ou fazer outras, de tomar um
banho e jantar vendo tv. A noite pertenciam a outras brincadeiras. E dormíamos,
e os sonhos voavam como pipas coloridas, mais ou menos altas e belas.
*Eduardo da Silva Sandes,
filho de Maria José Araújo da Silva e Edvaldo Viana Sandes. Nasceu em Vargem
Grande (MA) em 27 de fevereiro de 2001. Estudou nas escolas
Farina, com uma breve passagem pela escola Raulina de Sousa Silva, depois ingressou na Escola Comunitária Dom
João Antônio Farina. Atualmente está inscrito no curso de História esse ano
(2020) na UFMA.
É
amante das artes entre as quais, música, literatura, artes plásticas, cênicas.
A leitura e escrita sempre fizeram parte do seu dia-a-dia. Atua em Movimentos
Sociais com foco na juventude, assim como na promoção e produção cultural.
Gosta muito de ler, ouvir música, escrever, conversar.
Esse meu amigo arrasa demais!!!!❤😍😍
ResponderExcluirMuito obrigado🥰🥰 Esse texto, apesar de ser simples, tem muito significado pra mim.
ResponderExcluirEsse cara é o orgulho da Família 💖
ResponderExcluirOlha de quem vem o comentário.❤❤
ExcluirParabéns Eduardo!
ResponderExcluirMuito grato pelo incentivo e oportunidade.🤝🏽
ExcluirNossas memórias da infância são tesouros... Parabéns Eduardo! 👏👏👏👏
ResponderExcluirSomos feitos de lembranças e de sonhos. Assim construímos o novo. Grato.🤝🏽❤
ExcluirBravos!
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