As
Curiosidades do Mês de Junho
Por
Josemar Sousa Lima
SÉRIE
CRÔNICAS – ANO II/nº 18/2015
Uma Irmandade de negros que esperou 31 anos para receber autorização
para erguer uma capela na freguesia de Itapecuru-Mirim e outras histórias...
Muitos acontecimentos importantes aconteceram
no mês de junho na trajetória histórica do município de Itapecuru Mirim, tendo
como marco referencial o ano de 1630, quando Bento Maciel Parente, Capitão de
Estradas do Maranhão, solicitou que a Capitania Geral fosse subdividida em
quatro, sendo uma delas denominada de Ribeira do Itapecuru. A justificativa era
a franca expansão econômica da região decorrente fertilidade de suas terras,
piscosidade de suas águas, abundância de caças, implantação e expansão da atividade
pecuária e a instalação de numerosos engenhos de produção de açúcar às margens
do rio Itapecuru, situação que atraia a cobiça estrangeira.
Claro que temos outros marcos referenciais
que remontam a trezentos milhões de anos, quando o nosso Candidodon Itapecuruensis se enroscou ai na margem do Rio
Itapecuru, que se formava àquela época, e virou fóssil; o aparecimento dos
indígenas, há aproximadamente onze mil anos; e os primeiros contatos dos
indígenas com o homem branco, no nosso caso os jesuítas, ai por volta de 1616.
Vimos na Crônica de Maio, que Bento Maciel
Parente tinha interesses políticos e familiares na região e que toda essa
expansão dava-se baseada na mão de obra indígena e, posteriormente, dos negros
africanos escravizados.
Os índios e os negros não tinham acesso a
quaisquer diretos, fossem eles de natureza econômica, social ou cultural.
Qualquer iniciativa de organização,
principalmente dos negros, era encarada como uma ameaça à estabilidade social e
econômica da região e reprimida a ferro e fogo. Mesmo aqueles negros que possuíam Carta de
Alforria (negros forros) e que até eram donos de engenhos e escravos eram
esnobados pela elite branca.
Um fato, entretanto, acontecido em 10 de junho de 1816, quando a região já tinha avançado
de uma Subcapitania para a condição de Freguesia de Itapecuru-Mirim, em
decorrência da Provisão Régia de 25 de setembro de 1801, indica que as
comunidades negras da região lutavam pelas mínimas conquistas possíveis. Nessa
data foi concedida pelo vigário-capitular, Agostinho Ferreira, a autorização
para que os membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
construíssem uma capela com a imagem da santa de devoção.
Essa solicitação tinha sido encaminhada ao
promotor eclesiástico desde 12 de julho de 1785, que dela discordou alegando
que a petição não atendia às formalidades de direito, simples desculpa
burocrática! Passaram-se exatamente 31 anos para que a comunidade alcançasse a
bendita autorização.
Há indícios, entretanto, que a Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos já possuía uma capela ou mesmo uma igreja
com a imagem da santa quando protocolou a petição, pois em 23 de julho de 1732
o provedor-mor da Fazenda Real, João Valente de França, questiona o rei D. João
V sobre a representação feita pelo visitador José de Távora e Andrade acerca do
estado em que se encontrava a igreja da Freguesia da Ribeira do
Itapecuru-Mirim.
Então a irmandade, mesmo na clandestinidade, construiu
sua igreja e nela colocou a imagem de sua devoção?
Tudo indica que não! É que a Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos já existia formalizada no Brasil
desde 1639, tendo inicialmente se constituído no Rio de Janeiro, sendo uma
confraria de culto católico, criada para abrigar a religiosidade do povo negro,
que na era da escravidão era impedido de frequentar as mesmas igrejas dos
senhores.
No Brasil, ela foi adotada por senhores e
escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os
sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um
capim, cujas contas são grossas, denominadas “lágrimas de Nossa Senhora”, e
montavam terços para rezar.
A irmandade ainda existe em alguns estados
brasileiros e com quase quatro séculos de existência, constitui-se numa
referência para os movimentos de consciência negra, porque apresenta uma
tradição religiosa que remonta aos tempos dos primeiros escravos.
E de se supor que a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos de Itapecuru Mirim tenha se constituído sob
inspiração das irmandades já existentes no Brasil, talvez até recebendo auxílio
delas para poder resistir e funcionar mesmo antes de receber a autorização
oficial para construção da capela.
A igreja dos pretos realmente existiu,
construída nas proximidades do prédio da Cadeia Pública, onde atualmente fica a
Associação da Caema, conforme pesquisas realizadas pela escritora JUCEY SANTANA
e registradas em seu livro “Mariana Luz -
Vida e Obra e coisas de Itapecuru Mirim”, recém-lançado.
Tudo leva a crer que a capela servia
inicialmente apenas aos negros e, que após a criação da Freguesia em 1801,
passou a atender toda a comunidade, pois nela foi instalada a Paróquia de Nossa
Senhora das Dores.
Essa tese ganha força quando se verifica que
até na década de 60 havia em Itapecuru Mirim os bailes de primeira, segunda e
terceira classes, sendo que nos bailes de primeira não eram permitida a
presença de negros considerados comuns, mães solteiras, prostitutas, etc..
Essa igreja desapareceu do mapa, mais o nossos
amigos Jamil Mumbarak e Dona Rosário Tajra afirmaram à escritora Jucey Santana
que ainda se lembram de terem visto as ruínas de pedras das colunas de
sustentação do prédio.
Há referências também à Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos quando da execução de Dom Cosme Bento das Chagas
– o Negro Cosme. O Autor do livro “Brejo, aldeia dos Anapurus”, sem citar a
fonte, afirma “A execução de Cosme ocorreu no dia 20 do supracitado
mês (setembro), às dez horas, no largo da Igreja, assistida por muitas pessoas...”.
Ora, em 1842 ainda não havia sido construída
a atual igreja, sendo ali um cemitério com uma pequena capela também da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Esse cemitério era conhecido
como “Cemitério do Arreial”, que também desapareceu do mapa, mas suas lendas
continuam povoando o imaginário popular.
Ali defronte da igreja atual existia até na
década de 60 uma frondosa mangueira, que produzia anualmente belas frutas, mas
que eram completamente desprezadas pela meninada sob a alegação de que eram
mangas de cemitério e que uma visagem com túnica branca aparecia por lá à meia
noite. Muitas vezes vi lindas mangas sobre à areia branca do largo da igreja;
dava uma vontade enorme de comê-las, mas a lenda falava mais alto que a fome!
Em outro registro sobre o enforcamento de Dom
Cosme Bento das Chagas – o Negro Cosme, escrito pelo Monsenhor Joaquim de Jesus
Dourado (1969, p. 63-64), que serviu na paróquia de Vargem Grande, o autor
descreve os últimos momentos vividos por Cosme:
“Vila
de Itapecuru-Mirim – A Praça do Mercado está cheia de curiosos. Todos querem
ver, dependurado na forca, o corpo de Dom Cosme Bento das Chagas, o chefe dos
negros rebeldes, na revolta da Balaiada...”.
Outra clara evidência de que a Cadeia
Pública, a Igreja e o Mercado formavam um único conjunto arquitetônico,
constituindo o núcleo gerador da cidade de Itapecuru Mirim.
Há, ainda, resquícios dos rituais adotados
pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos nos atuais festejos
religiosos realizados pela Paróquia de Nossa Senhora das Dores em Itapecuru
Mirim, quando crianças se vestem de anjos ou com a túnica marrom de São
Benedito, cumprindo promessas feitas pelos pais.
Busco essas referências para mostrar que
ainda estamos necessitando de uma segunda abolição. Aquelas dificuldades
enfrentadas pelos nossos antepassados escravizados, índios e negros, muitos
deles atualmente transformados em “caboclos”, podendo ter qualquer cor, mas em
comum a pobreza, ainda perduram. Queiramos ou não, o sangue que flui no oceano
de nossos corações veio de rios e igarapés que nasceram nas aldeias e nas
senzalas.
Os
negros que sonharam com a liberdade e lutaram na Guerra da Balaiada, com a rendição,
foram todos reescravizados e a reescravidão quando se manifesta abre chagas
muito mais profundas e doloridas do que a própria escravidão, pois ela destrói
sonhos e esperanças...
Aquela demora de trinta e um anos para responder
a uma petição para construção de uma capela está tão presente na escancarada
desigualdade atual de acesso à renda, à saúde, à educação de qualidade, à
política, à infraestrutura básica e produtiva nos povoados, principalmente
naqueles originários de quilombos ou aldeias. São pequenos os avanços e as vítimas maiores
são os idosos e as crianças, condenados a morrer à míngua de doenças epidêmicas
e que podem ser perfeitamente evitadas. A senzala apenas se multiplicou em
casebres sem as mínimas condições de salubridade.
Ando pelos povoados e vejo pessoas novas e
idosas sendo progressivamente mutiladas pelo diabetes não diagnosticado e
tratado – perdem parte dos membros, às vezes a visão, e ficam lá esperando a
morte chegar. Há diferença entre isso e os grilhões, chicotes de couro de veado
capoeiro e outros castigos que enfrentavam nas senzalas?
A luta pelas terras que cultivaram para
sustento de uma elite econômica e política, que ainda vive, se arrasta em
volumes e volumes de processos que tramitam nos órgãos públicos sem qualquer
prioridade e, de quando em quando, uma liderança que emerge e manifesta sua
indignação é eliminada a tiros de pistola 1.40, aquela preferidas dos matadores
de aluguel.
Neste mês de
junho também celebramos os aniversários de nascimento do Professor JOÃO DA
SILVA RODRIGUES, nascido em 23 de junho
de 1901, GRACIETE DE JESUS COELHO CASSAS,
nascida em 02 de junho de 1931 e de JOÃO BATISTA PEREIRA DOS SANTOS,
nascido em 24 de junho de 1963, todos já falecidos, integrantes da Academia
Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA, na condição de Patronos ou Patronesses, mas
que não podem ser esquecidos pelo legado que deixaram para o desenvolvimento de
Itapecuru Mirim e, hoje, integrantes da Legião do Além, ajudam e orientam a todos nós na busca de caminhos
margeados pela ética e pela justiça.
opa!!! super bem elaborado ficou muito bom!!!
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