Benedita
Azevedo
Neste artigo quero prestar minha homenagem aos dois maranhenses que, pelas suas histórias me despertaram o desejo de buscar novos caminhos na construção da minha história: Joaquim Gomes de Sousa da minha querida Itapecuru-Mirim e Humberto de Campos da cidade de Mirindiba, hoje, Huberto de Campos.
Dentre os gênios precoces brasileiro estão Castro Alves, Álvares de Azevedo, Casemiro de Abreu, Artur de Oliveira, Gaspar Viana, e mais particularmente, do mais característico e olvidado de todos é Joaquim Gomes de Sousa, recordado piedosamente pelo Dr. Miguel Osório de Almeida em uma conferência sobre A Mentalidade Científica no Brasil.
Joaquim Gomes de Sousa representa, realmente, nos anais da inteligência Brasileira, o caso mais típico, mais pitoresco, mais interessante, de precocidade, na raça.
Nascido em uma propriedade de seu pai, à margem do Itapecuru, no Maranhão, a 15 de fevereiro de 1829, embarcou Gomes de Sousa para o Rio de Janeiro em 1843, com catorze anos, para matricular-se, atendendo ao desejo paterno, na Escola Militar, onde assentou praça de cadete, nesse mesmo ano, no primeiro Batalhão de Artilharia. Não sendo essa, porém, a sua vocação da adolescência, abandonou o jovem maranhense, a carreira das armas, matriculando-se na Faculdade de Medicina. Contava então, apenas quinze anos de idade.
Curioso de conhecimentos, as ciências naturais constituíram para ele, com surpresa do seu próprio espírito, uma espécie de revelação. E saltando nelas, de galho em galho, como as aves implumes e deslumbradas, não foi sem espanto que se encontrou, de novo, por exigência da química, a braços com a Matemática, no terceiro ano do curso médico.
Em 1847, com dezoito anos, o seu espírito devassava, como um foco luminoso, os mais longínquos horizontes da mecânica, da Astronomia, das Matemáticas em geral, e com tal segurança que, sem abandonar a Escola de Medicina, onde tinha o primeiro lugar em todo o corpo discente, requeria desassombrado, exame para todas as matérias do curso de Engenharia.
O seu requerimento foi recebido, como era natural, com a mais acentuada prevenção. Desconfiado de que se tratava de alguém maníaco, o Senador Saturnino, que desfrutava, então, a fama de grande matemático, pediu ao seu colega, o Senador Cândido Batista de Oliveira, estudioso da mesma disciplina, que verificasse, em palestra ligeira, a competência do requerente. Procurado por Gomes de Sousa, o Senador Batista conversou com ele cerca de duas horas, confessando-se maravilhado. E de tal forma, que, assim que o jovem matemático se despediu à porta, correu a procurar o Senador Saturnino, a quem declarou com espanto nos olhos:
- Acabo de conversar com o seu recomendado, que é criança no rosto e homem encanecido e grande mestre no que expôs, e no muito que já sabe. Estou envergonhado de mim, pois tive de aprender com ele as novidades da ciência moderna!
O que era, então, a vida do moço estudante, conta-o um seu companheiro da casa, Antônio Henrique Leal, que lhe relatou uma parte da vida. “Quem o observasse, pela porta do seu quarto – escreve o Plutarco maranhense, - dessa verdadeira cela de cenobita, que ele só abria quando saía para as aulas do Quarto ano de Medicina e para tomar parte nas refeições quotidianas, havia de ficar surpreso, vendo-o defronte da sua mesa de trabalho, até depois da meia-noite, para na antemanhã voltar a ela.” O repouso do seu corpo era limitado por quatro horas de sono. E era essa fúria, essa fome de tudo saber, de tudo aprender, que levava Antônio Henrique Leal a dizer, no seu assombro, que “nenhum avarento, por mais requintado, guardaria tanto o seu ouro como Gomes de Sousa zelava o seu tempo”.
Submetido a exame de todas as matérias do curso de Engenharia, o novo Baratier espantou de tal modo os mestres com a vastidão e segurança dos conhecimentos, que, no segundo dia, informado do caso, o imperador comparecia, em pessoa, para assistir às provas; e com tal interesse, e tamanho entusiasmo, se retrou Sua Magestade, que voltou nos dias seguintes, até terminar aquele duelo formidável, em que o Nazareno aparecia de novo, cândido e imberbe, a assombrar os doutores!
Não se contendo Gomes de Sousa, entretanto com o grau de bacharel em ciências Matemáticas e Físicas obtido de um fôlego, a 10 de junho de 1848, nem com o de borla e capelo, conseguido, com a defesa de tese, três meses depois: abrindo-se nessa ocasião uma vaga de catedrático na Academia Militar, que é hoje a Escola Politécnica, inscreveu-se no concurso, disputando-a a fortes concorrentes encanecidos no estudo da disciplina, aos quais derrotou, conquistando a cadeira.
Aos dezenove anos, adolescente e franzino, sentava-se, assim, Gomes de Sousa, como professor, na mesma sala em que, um ano antes, relutavam em dar-lhe entrada como discípulo.
Necessitado de repouso, seguiu o jovem sábio, por exigência da família, para a fazenda em que nascera, No Maranhão. Ia descansar, fortalecer-se, retemperar o organismo, que o esforço combalira. E ao regressar dali, seis meses depois, trazia acrescendo-lhe a soma de saber, o conhecimento, a fundo, do Alemão, do Italiano, da Economia política e do Direito Constitucional, e, com os segredos da língua alemã, a revelação da filosofia de Kant, de Hegel, de Krauser, e de de Fichte, sem contar, nesse número, os tesouros de três ou quatro Literaturas exóticas.
Em 1852, com vinte e três anos, é Gomes de Sousa designado, como especialista em Ciências Sociais, para estudar as reformas reclamadas pelo regime penitenciário no Brasil. Em 1854 segue para a Europa e, chegando a Paris, corre a assistir à aula do famoso Professor que era, na opinião geral, o maior matemático do tempo. Em meio da aula, apresentada por este uma equação como não integralizável, Gomes de Sousa ergue-se e pede:
- Dá licença?
E,
dirigindo-se à pedra, mostra, por duas vezes, o engano do sábio, que, diz-se, o
abraçou comovido, e se tornou, depois, o maior dos seus amigos.
Notada a sua presença nos meios científicos, resolveu o moço brasileiro concluir, na França, os seus estudos médicos, dos quais havia feito três anos no Brasil. Requer à Faculdade de Medicina de Paris exame vago de todo o curso. Atendido submete-se à provas, brilhantemente. E em oito dias recebe o grau de doutor em Medicina em uma Escola considerada, na época, pela severidade dos mestres, a mais rigorosa da Europa.
Acolhido no Instituto de França, apresenta, aí, aos vinte e seis anos, uma série de memórias, entre as quais uma “Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas, Métodos gerais de integração e da integral da equação diferencial do problema do som.” Aplaudido, atravessa a Mancha, e aparece na Academia Real de Ciências de Londres, onde revoluciona os círculos científicos com as suas memórias sobre a “Propagação dos movimentos nos meios elásticos, compreendendo o movimento nos meios cristalóides, e teoria da luz; sobre a fisiologia geral das ciências matemáticas e uniformização dos métodos analíticos; além de outras abrangendo Astronomia, Botânica, História e Filosofia, que constituiriam a base de uma obra no sistema do Cosmo, de Humboldt, estudando, para explicação da vida, os fenômenos do Universo.
Em 1855 está ele na Alemanha, e apresenta aos editores, em Leipzig, uma obra imprevista. É a Anthologie universelle, Choix des meilleurs poésies lyriques de diverses nations dans lês langues originales, na qual figuram, nos próprios idiomas, quatorze literaturas!
Em contato com os poetas Gomes de Sousa lembrou-se das mulheres e viu que era tempo de casar-se. Médico, reconheceu a exigência da Natureza e deliberou procurar uma noiva. E aplicou, para isso, a sua teoria que ensinava a descobrir novos astros “sem auxílio das observações diretas. Casto como Newton, e, como Newton, matemático, fez os seus cálculos. O essencial era encontrar uma mulher virtuosa. Qual a sociedade mais virtuosa do mundo? A inglesa. E, na Inglaterra, qual a família de costumes mais rígidos, mais graves, mais severos? A do Revmo. Hamber, pastor anglicano, de Londres. Embarcou, pois, para Londres, e, procurando o sacerdote, expôs o seu caso. Queria uma esposa na sua família. O pastor ofereceu-lhe a sua própria filha. E oito dias depois, satisfeita a natureza, embarcou Gomes de Sousa para o Brasil, deixando a moça em companhia dos pais, prometendo ir buscá-la assim que tomasse posse da cadeira de deputdo-geral, para a qual acabara de ser indicado, inesperadamente, pela província do Maranhão.
Tornando à Inglaterra, toma, em Londres, a esposa, e corre ao Maranhão, a ver a família e a consultar as necessidades do eleitorado. Sobe o Mearim; vai a Caxias; visita Carolina, nas fronteiras de Goiás; desce pelo Itapecuru. Ao chegar a São Luís, perde a esposa, de febre, e embarca, ele próprio, com febre, para o Rio de Janeiro. Na Câmara, versando com excepcional competência as matérias mais áridas e complexas. Questões bancárias, assuntos militares, problemas de direito, de ensino, de engenharia, de Medicina... tudo isso abordado com sucesso, e brilho, pelo seu espírito de vinte faces. Um dia, no ardor de uma discussão veemente, um deputado volta-se para Gomes de Sousa, que o aparteara e agride:
- O assunto em discussão não é da especialidade de V. Exa.!
E Sousa
ao pé da letra:
- É por
isso mesmo que eu o discuto V. Exa. Caso se tratasse de assunto da minha
especialidade, eu não admitiria V. Exa. à discussão.
Em 1862, surpreendido por uma hemoptise, corre ao Maranhão. Piora, e volta ao Rio, fixando residência no morro de Santa Tereza. Sozinho, sem família, é tratado carinhosamente por uma vizinha, D. Paulina Guerra. Comovido pela dedicação da enfermeira, oferece-lhe o seu nome, casa-se de novo, e embarca para a Inglaterra. E aí se extingue em Londres, a 1º de junho de 1863, esse homem formidável, que foi matemático, médico, astrônomo, geólogo, financista, engenheiro, historiador, jurista, crítico literário, um completo erudito, em suma, em uma vida de trinta e quatro anos, três meses e quinze dias!
A Academia Militar foi transformada em Escola Militar da Corte em 1839 e em 1842 foi instituído o grau de Doutor em Ciências e Matemática.
O primeiro doutorado foi concedido ao jovem maranhense de Itapecuru-Mirim, Joaquim Gomes de Sousa, aos 18 anos, em 1848.
Fonte: Obras Completas de Humberto de Campos- Crítica - Quarta Série, Editora Mérito S.A. Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, 1928.
Nesse processo de valorização saudável de nossos vultos históricos precisamos ter a prudência de considerar as observações de Frederico José Correia em seu " Um livro de critica" recentemente reeditado pela jovem editora Pitomba. Não é intelectualmente lúcido reproduzimos as informações de Henriques Leal insiste literais sem cortejar mos suas biografias à luz da obra supracitada de Frederico José Correia.
ResponderExcluirA intelectualidade itapecuruense não pode fazer vista grossa diante desta obra e de pesquisas históricas feitas hoje em núcleos da UEMA e UFMA que desconstroem muitas informações. O que " Um livro de critica" pondera sobre nosso Sousinhá é simplesmente impactando e quem escreveu foi um contemporâneo dele. Fala sobre resumos de teses apresentados de forma preliminar na Europa e recebidas pela incipiente comunidade científica do Brasil como trabalhos conclusivos... A obra Pantheon Maranhense como deixa clara a tese de doutoramento do professor Borralho fez parte de um projeto político e a invenção de nossa Atenas Brasileira vem sendo revisitada por pesquisas atualizadas, com metodologia inovadora que precisamos considerar antes de reproduzir ipsis literis o que dissera Henriques Leal.
ResponderExcluirPeço escusas por inadequacoes advindas de um problema no teclado de meu celular.
ResponderExcluirFrederico José Correia nos mostra o grande fiasco que foi essa Antologia Poética, um calhamaço de poemas em dezenas de línguas que nem o próprio Gomes de Sousa dominava e questiona: Para que público essa obra foi publicada? Se ao menos nosso matemático houvesse mostrado erudição comentando cada poemas nos idiomas originas mas juntas poemas em dezenas de línguas a esmo e publicar... Qual é a genialidade disso? Não sou eu quem afirmo,quem disse foi Frederico José Correia.
ResponderExcluirRealmente o grande gênio itapecuruense enaltecido por Frederico José Correia que assina em baixo as observações de Henriques Leal foi João Francisco Lisboa, um dos maiores prosadores do vernáculo ao lado do Padre Antônio Vieira, Machado de Assis, Eça de Queirós. João Lisboa não precisa de lendas gravitando em derredor de sua biografia para ser quem é e o que representa para a cultura lusófona. Infelizmente pouco enaltecido em nossa terra que parece girar em torno de Gomes de Sousa e Mariana Luz, o primeiro com as informações de " Um livro de critica" a pôr uma interrogação em aspectos de sua biografia e a segunda uma poeta menor dentro de sua própria geração pois quem conhece a Literatura Maranhão se sabe que nossos portas maiores no século XX foram Nauro Machado, José Chagas, Bandeira Tribuzi, Odylo Costa Filho e Maranhao Sobrinho, este último a propósito foi contemporâneo de Mariana Luz e pode perfeitamente compor uma Trindade simbolista ao lado de Cruz e Sousae Alphonsus de Guimaraens. Temos que ler e valorizar Mariana Luz mas sem exageros como se sua obra fosse o epicentro da literatura ocidental.
ResponderExcluirFrederico José Correa tambem comenta esse dado de que Gomes de Sousa aprendeu alemão e italiano em seis meses, lendo inclusive Kant no original Kiki logo um dos mais complexos pensadores da história do pensamento filosófico, espero que nossos intelectuais não se irritem com essas ponderações pois quem a fez foi o autor de "Um livro de critica" e a reedição desta obra constituem um dos assuntos mais comentados nos círculos intelectuais acadêmicos do Maranhão.
ResponderExcluir