Josemar Lima Série de Crônicas – Ano III/nº 36/2016
Nós, os nascidos ali pela metade do século XX, que vivemos
nossas infâncias ainda na era dos tamancos, bola de meia, carrinho de lata de
sardinha, baladeiras, alçapões para capturar pássaros bons de bico; que
bebíamos água de pote e nos curávamos das doenças com remédios caseiros, tipo
chás, purgantes, emplastros e as rezas das benzedeiras; que tomávamos remédios
de farmácia em casos especiais - panvermina e tiro seguro, para vermes; emulsão
de scott e Biotônico Fontoura, para fraqueza; Anaseptil, para perebas; Aralen e
quinino, para sezão ou malária; e pílulas de vida do doutor Ross, para todas as
outras doenças imagináveis.
Nós, os sobreviventes, chegamos ao curso ginasial juntamente
com a Revolução de 1964 e com ela tivemos que conviver até chegar à universidade.
Nós tínhamos muitas esperanças de que com a chegada do século XXI surgisse a
luz. Luz essa que tirariam das sombras novos caminhos para a política, para a
economia, para os avanços sociais, para o respeito ao meio ambiente, para o
reconhecimento e respeito à cultura e para os avanços tecnológicos.
Essas mensagens estavam nas músicas, nos filmes nas peças
teatrais, dos jornais da contracultura e em todos os meios de comunicação de
vanguarda que conseguiam driblar a implacável censura.
As propagandas governamentais, entretanto, ecoavam mensagens
de que vivíamos o melhor dos mundos e que devíamos amar o país ou deixá-lo para
sempre.
A minha geração, que em 1964 ainda não tinha chegado aos
quinze anos, acompanhava o “Fogo Simbólico da Pátria”, que passou aí por
Itapecuru Mirim nos anos 70, e também cantava ”Pra Não Dizer Que Não Falei das
Flores” de autoria do compositor Geraldo Vandré. Nós, como cego em tiroteio,
não tínhamos maturidade para entender e nem espaço para discutir nas escolas ou
protestar nas ruas.
Vemos, agora, que as feridas naquele tempo ainda sangram e
que os curativos colocados pela lei da anistia não foram suficientes para
estacar o sangue que delas continua a brotar. Por trás das ideologias havia uma
guerra surda e fraticida que plantou sementes de ódio e intolerância que agora
brotam por todo o país.
Saímos da ditadura pela porta de emergência e caímos numa
democracia de elites, onde a classe política dominante era a mesma, devidamente
aparelhada para cortar as cabeças de quaisquer lideranças que viesse ameaçar o
seu status quo.
O certo, meus amigos e amigas, é que a tão esperada luz
salvadora ainda não chegou e até os raios de esperança que surgiram nesses
dezesseis anos do século XXI terminaram encobertos por uma nuvem de tremenda frustração.
Vivemos novamente tempos bicudos e a nossa única esperança
repousa sobre os meninos e as meninas que nasceram depois do ano 2000 ou um
pouquinho antes. Uma geração que não canta “Vandré” mas que tem o mundo nas
palmas das mãos. Que essa geração, diferente da nossa, aproveite o direito de
votar que conquistamos, para renovar a política e os políticos e que lutem por
uma educação de qualidade para as novas gerações. Nós conquistamos o direito de
votar, mas continuamos a eleger membros da galera do mal, até quando pensávamos
estar votando em super-heróis.
Hoje, se acontecesse um milagre, e mudássemos todos os
parlamentares do congresso o que aconteceria? Quase nada! Há uma cultura
política de que o acesso a um cargo público implica, necessariamente, no
enriquecimento de seu titular senão ele será tachado de bobo da corte ou
idiota.
Uma educação formativa, que estimule um mergulho crítico na
realidade, como pregava Paulo Freire em sua “Pedagogia dos Oprimidos” é com
certeza o único caminho para uma faxina ética no país. E parece que eles, a
geração selfie, já começou a fazer! É só seguir o discurso de Ana Júlia Pires
Ribeiro, uma estudante paranaense de dezesseis aninhos, que deixou enfurecidos
mais de quarenta deputados da assembleia paranaense. O discurso de Ana Júlia, a
Constituição da Esperança, toca no âmago de todos os nossos males e aponta os
caminhos para superá-los democraticamente.
Mas o nosso assunto é outro – A Crônica Trinta e Seis!
Em 2008 escrevi dois artigos que versavam sobre assuntos
vinculados a Itapecuru Mirim – “O Começo de Tudo”, onde tratava sobre a
descoberta de fósseis do “Candidodon Itapecuruensis”; e “O Fim de Um Ciclo”, no
qual abordava a crise da agricultura familiar e a falta de alternativas
tecnológicas sustentáveis para a produção de culturas alimentares pelos
agricultores da roça no toco. Falei sobre esses artigos com o jornalista
Gonçalo Amador Nonato, em um de nossos primeiros encontros, se me lembro bem na
sede do Núcleo de Projetos Especiais – NEPE, aqui em São Luís, onde eu iniciava
minhas atividades como Consultor Nacional do Instituto Interamericano de
Cooperação para a Agricultura IICA.
Ele, sempre muito solícito, pediu que eu encaminhasse o
material para publicação no Jornal de Itapecuru. E assim começou essa minha
relação com o referido periódico. Sempre que o encontrava por aqui ou por lá
ele me cobrava um texto para publicação que eu sempre ia adiando.
Com a criação da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e
Artes – AICLA, onde passei a ser membro fundador, ocupando a Cadeira 29,
patroneada pelo ilustre conterrâneo Salomão Fiquene, nossos encontros
tornaram-se mais frequentes e as cobranças do amigo e confrade também. Gonçalo
Amador Nonato é também membro da AICLA e o Jornal de Itapecuru, um parceiro
estratégico.
Não resisti à tentação! Em janeiro de 2014 iniciei a
publicação mensal da Série Crônicas, tendo como objetivo abordar temas e eventos
vinculados aos vastos e ricos Patrimônio Humano, Patrimônio Histórico,
Patrimônio Cultural e Patrimônio Ambiental do nosso município. Nunca pensei
encontrar tanta riqueza nessa mina quase inexplorada. Usei muitos mapas
indicativos, entre eles os livros de autoria do jornalista, escritor e
pesquisador Benedito Bogea Buzar.
Quantas histórias e personagens que me eram completamente
desconhecidos se apresentaram nessa trajetória de quase quatrocentos anos: os
índios (escravizados, massacrados, que também devam o troco, mas não
resistiram); os europeus (colonizadores e invasores); os negros (escravizados,
torturados, mas sempre lutando pela liberdade); os povos do mundo árabe
(principalmente sírios e libaneses, exímios empreendedores mercantis); os
ciganos (marcados pela sua cultura nômade); os representantes da elite e os das
camadas mais simples da população; os itapecuruenses (ricos e pobres que
conseguiram mostrar toda a sua inteligência e capacidade para o mundo, para o
Brasil e para o Maranhão).
Foram tantas as emoções verdadeiras nesses encontros
improváveis! Garanto que passei a amar muito mais minha cidade e esse município
tão importante para a história maranhense! Só se ama o que se conhece, dizia o
filósofo!
Chego hoje a trinta e seis crônicas, ainda muito longe do
conterrâneo jornalista Zuzu Coelho Nahuz, nosso cronista maior que, nos
diversos jornais onde foi redator, sempre encontrava um cantinho para escrever
suas crônicas sobre personagens, eventos e fatos acontecidos em nossa cidade.
Foram mais de oitenta crônicas produzidas e que brevemente serão publicadas num
esforço conjunto da AICLA e da Academia Maranhense de Letras -AML.
Animado pela repercussão e respostas que tenho obtido das
postagens no Facebook, pelas manifestações dos leitores do Jornal de Itapecuru,
transmitidas a mim pelo amigo Gonçalo Amador Nonato e, ainda, pelo incentivo
dos confrades da AICLA, mesmo com a dificuldade de não viver o cotidiano da
cidade e poder explorá-lo nas crônicas, vou continuar e, quem sabe, chegar mais
perto da proeza de Zuzu Hahuz.
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