sábado, 12 de março de 2016

JOSÉ GONÇALVES DA SILVA



Fundador de Itapecuru Mirim
Por: Jucey Santana
José Gonçalves da Silva, fundador da Vila de Itapecuru Mirim, foi um negociante muito bem sucedido. Ele vendia suas mercadorias por preços abaixo dos concorrentes, monopolizando todo o comércio, razão da alcunha de   Barateiro. Foi construtor naval,  importador e exportador, coronel de Milícias, Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, fidalgo da Casa Real, Brigadeiro, governador da Fortaleza de São Marcos, Senhor do Morgado da Quinta das Laranjeiras e Alcaide-Mor do Itapecuru-Mirim.
José Gonçalves era filho de Gonçalo Fernandes da Silva e Paula Ribeiro Gonçalves Ramalho, nasceu em Portugal em data  incerta, entre 1752 e 1756, segundo Milson Coutinho, no livro, Fidalgos e Barões e chegou ao Maranhão em 1777. Prestou muitos favores ao Reino e ao Maranhão. 
Sesmeiro e Negociante.
Em 29 de janeiro de 1787 obteve confirmação régia de sua primeira sesmaria, através do Governador José Teles da Silva, no lugar Cabelo da Velha em Guimarães. Enquanto sua imensa escravaria cultivava arroz, algodão e mandioca  em Cururupu, José Gonçalves, entrou no negócio de  beneficiamento de madeira para exportação requerendo   uma faixa de terra desabitada na Praia Grande para o transporte da sua mercadoria; o seu pedido foi deferido por D. Antônio  Noronha. Sua fortuna crescia sem parar.
 Em 1797,  já muito rico e vaidoso, começou a cortejar os soberanos de Lisboa para conquistar as famosas mercês reais. Enviou a Portugal, na época em guerra com a Espanha, na galera União e no Bergantim Falcão de sua propriedade 1.080 sacas de arroz, e uma boa soma em dinheiro. A rainha Maria I por meio do ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, enviou-lhe   elogios conferindo-lhe o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo,  no Palácio de Queluz, em Lisboa, em 6 de agosto de 1797.
José Gonçalves emprestava elevadas somas ao governo maranhense e fazia grandes oferecimentos, mas por todos foi compensado com título de nobreza e vantagens por  desatar os cordões de sua bolsa”.
Cargos Públicos.
            José Teles da Silva, o novo governador, caíra nas suas boas graças que o nomeou Tesoureiro da Fazenda Real, Defuntos e Ausentes da Capitania, cargo que ocupou por doze anos. Antes, fora Juiz de Fora interino de 1789 a 1791. Ele nunca quis ser vereador, mas elegia todos os seus amigos. Sob a proteção dos governadores o Barateiro saía-se vitorioso em quase todas as suas lides.
Construtor de navios.
            Não havia limites para os ganhos de José Gonçalves. Era um empresário ousado. Com operários e engenheiros da Europa, montou no Maranhão um gigantesco estaleiro naval de onde saíram navios que cruzavam o Atlântico.   Era proprietário do Bergantim Amizade, da Sumaca Madre de Deus e do Navio Boa União, além de ser sócio com outros proprietários de navios mercantes.  Em 1797 presenteou o General Governador do Maranhão D. Fernando Antônio de Noronha com dois barcos (sumacas), fabricados em seu estaleiro. O governador enviou-lhe carta chamando-o de “benemérito vassalo e que merece proteção por um procedimento, além de estimável e louvável”.
            Suas exportações no ano de 1807 chegavam às somas altíssimas em  arroz,   vaquetas (couro curtido), goma, sola e farinha de mandioca.  Naquele ano  pagou  só de impostos para  a Fazenda Real 80 mil cruzados. Importava milhares de escravos da África, que revendia aos fazendeiros. Financiou a abertura da Cachoeira do Munim, o armamento, fardamento e alojamento da tropa de Parnaguá, no Piauí, onde também era proprietário de terras e mantinha negócios ativos. Assim, como no Pará, para onde seus barcos partiam carregados.
            Instalou na Capital uma empresa de salga de peixes.  E edificou no Centro da cidade, sobrados de um, dois e mais andares, com mão-de-obra  da Europa.
Grande benfeitor do Maranhão
Piedoso com os órfãos, infelizes e doentes, ajudou a Província do Pará e socorreu o Estado do Ceará em uma grande seca no inicio do século, enviando navios carregados de farinha, arroz e donativos ao Governo. Durante uma  epidemia de varíola  no Maranhão,  tomou  a iniciativa de trazer da Bahia  “o pus antídoto” para  o tratamento. Doava  farinha de mandioca para os pobres da Capital, e quando um corsário francês tentou invadir São Luís, armou dois de seus navios e  os entregou ao capitão-de-mar-e-guerra, Pio dos Santos.  Também patrocinava as igrejas doando alfaias e  acessórios litúrgicos.
Foi provedor e benfeitor da Santa Casa da Misericórdia. No seu testamento deixou uma vultosa quantia aquela Irmandade e mereceu um retrato em destaque no hospital com a inscrição em latim: “Sempre te seremos gratos pelos largos donativos que de tua mão receberam em alimentos e esmolas os pobres, os enfermos e os infelizes”.
As Mercês.
Vaidoso e benquisto desejava títulos que lhe desse mais visibilidade na sociedade. Requereu à Coroa Lusa, o posto de Coronel de Milícias, que lhe foi negado porque era um título só para militares. Inconformado, Barateiro foi a Portugal. Ao retornar, já estava certa a sua nomeação, como o foi de fato.              Ele queria mais, pediu para ser governador da Fortaleza de São Marcos. Foi nomeado;  pediu o direito de usar a farda correspondente, com  galões dourados e comendas; foi atendido. Enquanto isso, seus navios enchiam os armazéns do Reino com   arroz, farinha, dinheiro, tudo a titulo gratuito. 
Ele almejava títulos perpétuos que gravassem seu nome à sua posteridade. Requereu a concessão de um Morgado, com vínculo familiar para os seus herdeiros.
 Construiu a primeira Quinta no Maranhão, na Rua Grande, em um vasto terreno todo murado, onde plantou muitas  árvores frutíferas, do Maranhão e da  Europa, edificou casas  em estilo colonial, obras de arte, chafarizes, banheiros públicos, canteiros artísticos e  construiu uma capela. O local passou a ser centro de visitação pública,  denominada  Quinta das Laranjeiras onde foi-lhe concedido o Morgado em 20 de junho de 1812, ficando o título de “Senhor do Morgado das Laranjeiras”, em atenção à sua riqueza. A capela de São José das Laranjeiras, recebeu a bênção oficial  em 19 de agosto de 1816. É a famosa Quinta do Barão, onde funcionava Colégio dos irmãos Maristas, com abrangência em todo atual  Apicum.

Alcaide-Mor de Itapecuru Mirim
Talvez apreciasse as histórias dos cavaleiros andantes, novelas medievais ou dos senhores feudais e para dar vazão à própria vaidade, José Gonçalves resolveu ser Alcaide-Mor. O título já estava em desuso, porém o rei tinha a prerrogativa da outorga. As condições para conseguir  seria fundar  uma vila ou uma fortaleza para ter o domínio e receber o  título perpétuo.
O Brigadeiro pediu  a alcaidaria   de Guimarães, onde era dono de quase tudo. Não conseguiu. Ele não se conformou; queria ser Alcaide-Mor de qualquer maneira. Enviou pedido ao Rei (claro que com muitos presentes), para ser Senhor das terras de Itapecuru, povoação em plena expansão graças à prosperidade  dos proprietários de terras, engenhos de cana, criadores de gado, na sua maioria  amigos e parceiros de negócios de José Gonçalves.
Em 7 de novembro de 1817 o Rei D. João VI enviou Provisão Régia autorizando a fundação da Vila de Itapecuru Mirim sob as seguintes condições: que fossem adquiridas  as terras para a criação da Vila, o estabelecimento  de no mínimo 30 casais brancos, a construção da Casa da Câmara, da Cadeia Pública e  oficinas  para  fundar a vila. Segundo César Marques em Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, “Em 20 de outubro de 1818, presentes o Desembargador, Ouvidor e Corregedor da Comarca de São Luís do Maranhão, Francisco de Paula Pereira Duarte, o Alcaide-Mor José Gonçalves da Silva, representado por seu procurador Antônio Gonçalves Machado, o clero, a nobreza e o povo, levantou-se o pelourinho, deram-se vivas do estilo, criaram-se por eleição de Pelouro, dois juízes ordinários, um juiz de órfãos, vereadores e mais oficinas instalando-se assim solenemente a Vila de Itapecuru-Mirim”.
A Vila foi fundada, porém José Gonçalves  não cumpriu as exigências da Provisão Régia, que era a construção da sede de governo na Vila. Ele só  doou as terras e as legalizações de praxe. O rei não aprovou o ato, porém   desculpou o ouvidor  por ter antecipado o evento, dando um  prazo de dois anos para atendê-las, sob pena de José Gonçalves da Silva perder as regalias do título de Alcaide-Mor. Infelizmente ele faleceu três anos depois sem cumprir o acordo na sua totalidade e seus herdeiros não honraram os compromissos assumidos.
Vale registrar que o auto da fundação da Vila de Itapecuru Mirim, segundo Luís Antônio Vieira da Silva em História da Independência da Província do Maranhão,  ocorreu  na residência do próprio  Ouvidor Francisco de Paula,  que tinha interesse pessoal na fundação da Vila,  na qualidade de esposo de Carlota Joaquina Belfort,  neta do fidalgo Lourenço Belfort, herdeira de terras  na região, justificando  o interesse próprio,  do ouvidor,  em   elevar a freguesia ao status de Vila  sem cumprir as determinações reais.
Assinaram como testemunhas 35 pessoas da elite dos latifúndios da Ribeira de Itapecuru.
José Gonçalves da Silva faleceu  em 21 de novembro de 1821 com o título de   Alcaide-Mor de Itapecuru Mirim. Seu corpo foi sepultado na capela da Quinta das Laranjeiras. 
O testamento.
José Gonçalves da Silva nunca se casou, mas reconheceu os seus três filhos deixando-lhes uma grande fortuna. Foi benevolente com amigos, afilhados, parentes, sócios, fâmulos, compadres, escolas, igrejas e  a Santa Casa de Misericórdia. O Morgado e a Alcaidaria ficaram com a primogênita Luísa Maria do Espirito Santo Silva Gama, baronesa de Bagé esposa  Paulo José da Silva Gama, o Barão de Bagé.

        Escritura de Patrimônio da Vila de Itapecuru Mirim
15 de outubro de 1818

- Escritura de Obrigação e Patrimônio que faz o Brigadeiro José Gonçalves da Silva para a Vila de Sua Majestade houve por bem mandar criar nesta povoação do Itapecuru-Mirim, como abaixo declara:
Saibam quanto este Público Instrumento de Escritura de Obrigação e Patrimônio, Cessão e Traspasso ou como o direito melhor  nome tenha e disser-se possa, virem que sendo no Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de Mil Oitocentos e Dezoito, aos quinze dias do mês de outubro do dito ano, nesta povoação de Itapecuru-Mirim, em meu escritório, foi presente o Brigadeiro José Gonçalves da Silva, por seu bastante Procurador Antônio Gonçalves Machado, pela Procuração que apresentou e adiante vai lançada como parte deste instrumento e que reconheço ser o próprio de que trato e faço menção, do que dou fé. E logo pelo mesmo Procurador foi dito em minha presença e das testemunhas adiante mencionadas, e assinadas, que seu  Constituinte, o referido Brigadeiro Jose Gonçalves da Silva, sendo obrigado a comprar as terras necessárias para se verificar nesta Povoação a Vila que deve fundar pela Mercê que lhe faz Sua Majestade, como é expresso na Régia Provisão de vinte sete de novembro de mil oitocentos e dezessete, que foi expedida em consequência do decreto de 14 de junho do dito ano e Despachos da Mesa do Desembargo do Paço, de dezessete de julho e vinte e quatro de novembro do mesmo ano, tem com efeito o referido seu Constituinte comprado as terras necessárias para a Vila que deve fundar nesta Povoação, como consta das Escrituras de Compra das terras que apresentou, a saber:
- Oitocentos e noventa e três braças e três quartos de frente, na beira-rio Itapecuru, principiando do Pau de Arara, testadas dos herdeiros José Antônio de São Paio, rio-abaixo, até encontrar as terras de Manuel Antônio Martins, com mil e quinhentas braças de fundo, que foram compradas a José Pereira de Sousa, e seiscentas e cinquenta braças de frente, na mesma beira-rio, principiando no referido Pau de Arara, rio acima, até a boca do Igarapé que fica junto à Rampa e Porto desta Povoação, com uma légua de fundo ou o que na verdade se achar, tendo pelo mesmo fundo setecentas e cinquenta e cinco braças de largura até se encontrar com uma porção de terras, digo, de terra que pertence a Manuel Alves Viana,   que foram compradas aos mesmos herdeiros do referido José Antônio de São Paio, e  que em toda a terra mencionada constituía o dito Brigadeiro, o Patrimônio da Vila de que se trata, para que, desde já, fazia pura e irrevogável Cessão e Traspasso, demitia de si toda a posse e domínio da mesma terra, que fica vinculada para sempre à dita Vila, debaixo da Inspeção da Câmara da mesma Vila, ficando livre e sem prescrição alguma de foro todo o terreno em que se acha fundada a mesma Povoação, com seiscentas e cincoenta braças de frente na beira-rio, principiando do Igarapé da Rampa do Porto desta Povoação, rio-abaixo, até o Riacho do Pau de Arara, com trezentas braças de fundo, atendendo as despesas com que os moradores da mesma Povoação, com licença do antepossuidor, abriram as ruas e tem feito à sua custa as casas e edifícios que acham em grande número e que todos os dias mais se vão aumentando, de sorte que pelas suas proporções e situação local vai a ser uma das Vilas notáveis desta Capitania, concedendo a Câmara, gratuitamente, os chãos que ainda se acharem devolutos,  dentro do referido terreno, a quaisquer pessoas que nos mesmos chãos pretenderem edificar, procedendo à sua arrumação, e toda a mais terra deste Patrimônio fica livre a mesma Câmara, para aforar como lhe for mais conveniente, aplicando os rendimentos para as suas despesas e não duvida o dito Procurador, por seu Constituinte, que a  Câmara tem posse Real e Civil e Natural das terras mencionadas , ele há pois que, desde já, ele há por empossada a mesma Câmara e para que não haja dúvidas e contestações para o futuro, passa também a demarcar à sua custa  as ditas terras para a mesma Vila, em observância da Ordem Régia  no principio declarada, e se obriga o dito Brigadeiro, seu Constituinte, por si e seus herdeiros, fazer esta Escritura firme e valiosa e de paz para sempre, sob cargo de seus bens.
Em fé e testemunho da verdade, assim o deu e se obrigou, ouviu ler e foi contente. – E eu, Tabelião, assisto a presente Escritura pela parte ausente a que tocar possa e fiz este  Instrumento em virtude do Despacho do Doutor Desembargador Ouvidor e Corregedor da Comarca, Francisco de Paula Pereira Duarte, que adiante vai copiado. Testemunhas que foram presentes: o Escrivão da Provedoria Marcelino Jose de Azevedo e o Escrivão da Ouvidoria e Correição José Joaquim da Silva Baima que, com o Procurador do referido Brigadeiro José Gonçalves da Silva,  que aqui assinaram e todos são conhecidos de mim – Germano Lourenço Figueira, Tabelião que o escrevi e assinei em público e raso. Estava o sinal público. Em testemunha da verdade, - Germano Lourenço Figueira – Antônio Gonçalves Machado – Marcelino Jose  de Azevedo – Joaquim Jose da Silva Baima.

 REFERÊNCIAS:
COUTINHO, Mílson. Fidalgos e Barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense.
SILVA, Luis Antônio Vieira. História da Independencia da Propvincia do Maranhão.
MOTA, Antonia. As famílias principais redes de poder do Maranhão Colonial.


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