Fundador de
Itapecuru Mirim
Por: Jucey Santana
José
Gonçalves da Silva, fundador da Vila de Itapecuru Mirim, foi um negociante muito
bem sucedido. Ele vendia suas mercadorias por preços abaixo dos concorrentes,
monopolizando todo o comércio, razão da alcunha de Barateiro. Foi construtor naval, importador e exportador, coronel de Milícias, Cavaleiro
Professo da Ordem de Cristo, fidalgo da Casa Real, Brigadeiro, governador da
Fortaleza de São Marcos, Senhor do Morgado da Quinta das Laranjeiras e
Alcaide-Mor do Itapecuru-Mirim.
José
Gonçalves era filho de Gonçalo Fernandes da Silva e Paula Ribeiro Gonçalves
Ramalho, nasceu em Portugal em data incerta, entre 1752 e 1756, segundo Milson
Coutinho, no livro, Fidalgos e Barões e chegou ao Maranhão em 1777. Prestou muitos
favores ao Reino e ao Maranhão.
Sesmeiro e Negociante.
Em 29 de
janeiro de 1787 obteve confirmação régia de sua primeira sesmaria, através do Governador
José Teles da Silva, no lugar Cabelo da Velha em Guimarães. Enquanto sua imensa
escravaria cultivava arroz, algodão e mandioca em Cururupu, José Gonçalves, entrou no negócio
de beneficiamento de madeira para
exportação requerendo uma faixa de
terra desabitada na Praia Grande para o transporte da sua mercadoria; o seu
pedido foi deferido por D. Antônio
Noronha. Sua fortuna crescia sem parar.
Em 1797, já muito rico e vaidoso, começou a cortejar os
soberanos de Lisboa para conquistar as famosas mercês reais. Enviou a Portugal,
na época em guerra com a Espanha, na galera União e no Bergantim Falcão de sua
propriedade 1.080 sacas de arroz, e uma boa soma em dinheiro. A rainha Maria I
por meio do ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho, enviou-lhe elogios
conferindo-lhe o Hábito de Cavaleiro da Ordem de Cristo, no Palácio de Queluz, em Lisboa, em 6 de
agosto de 1797.
José
Gonçalves emprestava elevadas somas ao governo maranhense e fazia grandes oferecimentos,
mas por todos foi compensado com título de nobreza e vantagens por “desatar
os cordões de sua bolsa”.
Cargos Públicos.
José Teles da Silva, o novo
governador, caíra nas suas boas graças que o nomeou Tesoureiro da Fazenda Real,
Defuntos e Ausentes da Capitania, cargo que ocupou por doze anos. Antes, fora
Juiz de Fora interino de 1789 a 1791. Ele nunca quis ser vereador, mas elegia
todos os seus amigos. Sob a proteção dos governadores o Barateiro saía-se
vitorioso em quase todas as suas lides.
Construtor de navios.
Não havia limites para os ganhos de
José Gonçalves. Era um empresário ousado. Com operários e engenheiros da
Europa, montou no Maranhão um gigantesco estaleiro naval de onde saíram navios que
cruzavam o Atlântico. Era proprietário
do Bergantim Amizade, da Sumaca Madre de Deus e do Navio Boa União, além de ser
sócio com outros proprietários de navios mercantes. Em 1797 presenteou o General Governador do
Maranhão D. Fernando Antônio de Noronha com dois barcos (sumacas), fabricados
em seu estaleiro. O governador enviou-lhe carta chamando-o de “benemérito
vassalo e que merece proteção por um procedimento, além de estimável e
louvável”.
Suas exportações no ano de 1807
chegavam às somas altíssimas em arroz, vaquetas (couro curtido), goma, sola e farinha
de mandioca. Naquele ano pagou
só de impostos para a Fazenda
Real 80 mil cruzados. Importava milhares de escravos da África, que revendia
aos fazendeiros. Financiou a abertura da Cachoeira do Munim, o armamento,
fardamento e alojamento da tropa de Parnaguá, no Piauí, onde também era
proprietário de terras e mantinha negócios ativos. Assim, como no Pará, para
onde seus barcos partiam carregados.
Instalou na Capital uma empresa de
salga de peixes. E edificou no Centro da
cidade, sobrados de um, dois e mais andares, com mão-de-obra da Europa.
Grande benfeitor do Maranhão
Piedoso
com os órfãos, infelizes e doentes, ajudou a Província do Pará e socorreu o
Estado do Ceará em uma grande seca no inicio do século, enviando navios
carregados de farinha, arroz e donativos ao Governo. Durante uma epidemia de varíola no Maranhão,
tomou a iniciativa de trazer da
Bahia “o pus antídoto” para o tratamento. Doava farinha de mandioca para os pobres da
Capital, e quando um corsário francês tentou invadir São Luís, armou dois de
seus navios e os entregou ao
capitão-de-mar-e-guerra, Pio dos Santos.
Também patrocinava as igrejas doando alfaias e acessórios litúrgicos.
Foi
provedor e benfeitor da Santa Casa da Misericórdia. No seu testamento deixou
uma vultosa quantia aquela Irmandade e mereceu um retrato em destaque no
hospital com a inscrição em latim: “Sempre
te seremos gratos pelos largos donativos que de tua mão receberam em alimentos
e esmolas os pobres, os enfermos e os infelizes”.
As Mercês.
Vaidoso
e benquisto desejava títulos que lhe desse mais visibilidade na sociedade.
Requereu à Coroa Lusa, o posto de Coronel de Milícias, que lhe foi negado
porque era um título só para militares. Inconformado, Barateiro foi a Portugal.
Ao retornar, já estava certa a sua nomeação, como o foi de fato. Ele
queria mais, pediu para ser governador da Fortaleza de São Marcos. Foi nomeado;
pediu o direito de usar a farda
correspondente, com galões dourados e
comendas; foi atendido. Enquanto isso, seus navios enchiam os armazéns do Reino
com arroz, farinha, dinheiro, tudo a titulo
gratuito.
Ele
almejava títulos perpétuos que gravassem seu nome à sua posteridade. Requereu a
concessão de um Morgado, com vínculo familiar para os seus herdeiros.
Construiu a primeira Quinta no Maranhão, na
Rua Grande, em um vasto terreno todo murado, onde plantou muitas árvores frutíferas, do Maranhão e da Europa, edificou casas em estilo colonial, obras de arte,
chafarizes, banheiros públicos, canteiros artísticos e construiu uma capela. O local passou a ser
centro de visitação pública,
denominada Quinta das Laranjeiras
onde foi-lhe concedido o Morgado em 20 de junho de 1812, ficando o título de “Senhor do Morgado das Laranjeiras”, em
atenção à sua riqueza. A capela de São José das Laranjeiras, recebeu a bênção
oficial em 19 de agosto de 1816. É a
famosa Quinta do Barão, onde funcionava Colégio dos irmãos Maristas, com
abrangência em todo atual Apicum.
Alcaide-Mor de
Itapecuru Mirim
Talvez
apreciasse as histórias dos cavaleiros andantes, novelas medievais ou dos
senhores feudais e para dar vazão à própria vaidade, José Gonçalves resolveu
ser Alcaide-Mor. O título já estava em desuso, porém o rei tinha a prerrogativa
da outorga. As condições para conseguir seria fundar uma vila ou uma fortaleza para ter o domínio e
receber o título perpétuo.
O
Brigadeiro pediu a alcaidaria de Guimarães, onde era dono de quase tudo.
Não conseguiu. Ele não se conformou; queria ser Alcaide-Mor de qualquer
maneira. Enviou pedido ao Rei (claro que com muitos presentes), para ser Senhor
das terras de Itapecuru, povoação em plena expansão graças à
prosperidade dos proprietários de
terras, engenhos de cana, criadores de gado, na sua maioria amigos e parceiros de negócios de
José Gonçalves.
Em 7 de
novembro de 1817 o Rei D. João VI enviou Provisão Régia autorizando a fundação
da Vila de Itapecuru Mirim sob as seguintes condições: que fossem adquiridas as terras para a criação da Vila, o
estabelecimento de no mínimo 30 casais
brancos, a construção da Casa da Câmara, da Cadeia Pública e oficinas
para fundar a vila. Segundo César
Marques em Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão,
“Em 20 de outubro de 1818, presentes o Desembargador, Ouvidor e Corregedor da
Comarca de São Luís do Maranhão, Francisco de Paula Pereira Duarte, o
Alcaide-Mor José Gonçalves da Silva, representado por seu procurador Antônio
Gonçalves Machado, o clero, a nobreza e o povo, levantou-se o pelourinho,
deram-se vivas do estilo, criaram-se por eleição de Pelouro, dois juízes
ordinários, um juiz de órfãos, vereadores e mais oficinas instalando-se assim
solenemente a Vila de Itapecuru-Mirim”.
A Vila foi fundada, porém José
Gonçalves não cumpriu as exigências da
Provisão Régia, que era a construção da sede de governo na Vila. Ele só doou as terras e as legalizações de praxe. O
rei não aprovou o ato, porém desculpou
o ouvidor por ter antecipado o evento,
dando um prazo de dois
anos para atendê-las, sob pena de José Gonçalves da Silva perder as regalias do
título de Alcaide-Mor. Infelizmente ele faleceu três anos depois sem cumprir o
acordo na sua totalidade e seus herdeiros não honraram os compromissos
assumidos.
Vale registrar que o
auto da fundação da Vila de Itapecuru Mirim, segundo Luís Antônio Vieira da
Silva em História da Independência da Província do Maranhão, ocorreu
na residência do próprio Ouvidor
Francisco de Paula, que tinha interesse
pessoal na fundação da Vila, na
qualidade de esposo de Carlota Joaquina Belfort, neta do fidalgo Lourenço Belfort, herdeira de
terras na região, justificando o interesse próprio, do ouvidor,
em elevar a freguesia ao status
de Vila sem cumprir as determinações
reais.
Assinaram como
testemunhas 35 pessoas da elite dos latifúndios da Ribeira de Itapecuru.
José Gonçalves da Silva faleceu em 21 de novembro de 1821 com o título
de Alcaide-Mor de Itapecuru Mirim. Seu
corpo foi sepultado na capela da Quinta das Laranjeiras.
O testamento.
José
Gonçalves da Silva nunca se casou, mas reconheceu os seus três filhos deixando-lhes
uma grande fortuna. Foi benevolente com amigos, afilhados, parentes, sócios,
fâmulos, compadres, escolas, igrejas e a
Santa Casa de Misericórdia. O Morgado e a Alcaidaria ficaram com a primogênita
Luísa Maria do Espirito Santo Silva Gama, baronesa de Bagé esposa Paulo José da Silva Gama, o Barão de Bagé.
Escritura de Patrimônio da Vila
de Itapecuru Mirim
15 de outubro de 1818
- Escritura de Obrigação e
Patrimônio que faz o Brigadeiro José Gonçalves da Silva para a Vila de Sua
Majestade houve por bem mandar criar nesta povoação do Itapecuru-Mirim, como
abaixo declara:
Saibam
quanto este Público Instrumento de Escritura de Obrigação e Patrimônio, Cessão
e Traspasso ou como o direito melhor
nome tenha e disser-se possa, virem que sendo no Ano do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de Mil Oitocentos e Dezoito, aos quinze dias do mês
de outubro do dito ano, nesta povoação de Itapecuru-Mirim, em meu escritório,
foi presente o Brigadeiro José Gonçalves da Silva, por seu bastante Procurador
Antônio Gonçalves Machado, pela Procuração que apresentou e adiante vai lançada
como parte deste instrumento e que reconheço ser o próprio de que trato e faço
menção, do que dou fé. E logo pelo mesmo Procurador foi dito em minha presença
e das testemunhas adiante mencionadas, e assinadas, que seu Constituinte, o referido Brigadeiro Jose
Gonçalves da Silva, sendo obrigado a comprar as terras necessárias para se
verificar nesta Povoação a Vila que deve fundar pela Mercê que lhe faz Sua Majestade,
como é expresso na Régia Provisão de vinte sete de novembro de mil oitocentos e
dezessete, que foi expedida em consequência do decreto de 14 de junho do dito
ano e Despachos da Mesa do Desembargo do Paço, de dezessete de julho e vinte e
quatro de novembro do mesmo ano, tem com efeito o referido seu Constituinte
comprado as terras necessárias para a Vila que deve fundar nesta Povoação, como
consta das Escrituras de Compra das terras que apresentou, a saber:
-
Oitocentos e noventa e três braças e três quartos de frente, na beira-rio
Itapecuru, principiando do Pau de Arara, testadas dos herdeiros José Antônio de
São Paio, rio-abaixo, até encontrar as terras de Manuel Antônio Martins, com
mil e quinhentas braças de fundo, que foram compradas a José Pereira de Sousa,
e seiscentas e cinquenta braças de frente, na mesma beira-rio, principiando no
referido Pau de Arara, rio acima, até a boca do Igarapé que fica junto à Rampa
e Porto desta Povoação, com uma légua de fundo ou o que na verdade se achar,
tendo pelo mesmo fundo setecentas e cinquenta e cinco braças de largura até se
encontrar com uma porção de terras, digo, de terra que pertence a Manuel Alves
Viana, que foram compradas aos mesmos
herdeiros do referido José Antônio de São Paio, e que em toda a terra mencionada constituía o
dito Brigadeiro, o Patrimônio da Vila de que se trata, para que, desde já,
fazia pura e irrevogável Cessão e Traspasso, demitia de si toda a posse e
domínio da mesma terra, que fica vinculada para sempre à dita Vila, debaixo da
Inspeção da Câmara da mesma Vila, ficando livre e sem prescrição alguma de foro
todo o terreno em que se acha fundada a mesma Povoação, com seiscentas e
cincoenta braças de frente na beira-rio, principiando do Igarapé da Rampa do
Porto desta Povoação, rio-abaixo, até o Riacho do Pau de Arara, com trezentas
braças de fundo, atendendo as despesas com que os moradores da mesma Povoação,
com licença do antepossuidor, abriram as ruas e tem feito à sua custa as casas
e edifícios que acham em grande número e que todos os dias mais se vão
aumentando, de sorte que pelas suas proporções e situação local vai a ser uma
das Vilas notáveis desta Capitania, concedendo a Câmara, gratuitamente, os
chãos que ainda se acharem devolutos,
dentro do referido terreno, a quaisquer pessoas que nos mesmos chãos
pretenderem edificar, procedendo à sua arrumação, e toda a mais terra deste
Patrimônio fica livre a mesma Câmara, para aforar como lhe for mais
conveniente, aplicando os rendimentos para as suas despesas e não duvida o dito
Procurador, por seu Constituinte, que a
Câmara tem posse Real e Civil e Natural das terras mencionadas , ele há
pois que, desde já, ele há por empossada a mesma Câmara e para que não haja
dúvidas e contestações para o futuro, passa também a demarcar à sua custa as ditas terras para a mesma Vila, em
observância da Ordem Régia no principio
declarada, e se obriga o dito Brigadeiro, seu Constituinte, por si e seus
herdeiros, fazer esta Escritura firme e valiosa e de paz para sempre, sob cargo
de seus bens.
Em fé e testemunho da verdade, assim o deu e se obrigou, ouviu ler e foi
contente. – E eu, Tabelião, assisto a presente Escritura pela parte ausente a
que tocar possa e fiz este Instrumento
em virtude do Despacho do Doutor Desembargador Ouvidor e Corregedor da Comarca,
Francisco de Paula Pereira Duarte, que adiante vai copiado. Testemunhas que
foram presentes: o Escrivão da Provedoria Marcelino Jose de Azevedo e o
Escrivão da Ouvidoria e Correição José Joaquim da Silva Baima que, com o
Procurador do referido Brigadeiro José Gonçalves da Silva, que aqui assinaram e todos são conhecidos de
mim – Germano Lourenço Figueira, Tabelião que o escrevi e assinei em público e
raso. Estava o sinal público. Em testemunha da verdade, - Germano Lourenço
Figueira – Antônio Gonçalves Machado – Marcelino Jose de Azevedo – Joaquim Jose da Silva Baima.
REFERÊNCIAS:
COUTINHO, Mílson. Fidalgos e
Barões: uma história da nobiliarquia luso-maranhense.
SILVA, Luis Antônio Vieira.
História da Independencia da Propvincia do Maranhão.
MOTA, Antonia. As famílias
principais redes de poder do Maranhão Colonial.
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