terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A PROFECIA DOS TAPUIOS URUATIS



Daniel Ribeiro

Às águas às margens da tribo subiam demasiadamente, ganhavam outra tonalidade avermelhada, barrenta e escura, era o sinal do espírito das águas, haveria de chover por várias luas, previa Guaraci a filha mais nova do cacique em mais uma de suas visões. Naquela tarde todos estavam preparando mais uma cerimônia para os espíritos da floresta que haveriam de percorrer a costa do grande rio “Itapicuru”. Segundo a tradição desses povos a cada 25 anos aconteciam grandes cheias que inundavam o entorno do aldeamento, obrigando os índios a adentrarem a mata em busca de abrigo. 

Touceiras de espinhos de tucum era o lugar preferido para a manifestação da presença dos deuses, que logo arrebatariam todo o mal, trazido das águas de cima do grande e majestoso Itapicuru. Os Uruatis respeitavam muito esse manancial sagrado que garantia a sua sobrevivência, por isso, não permitiam nenhum cultivo na sua mata ciliar, quem o fizesse sofreria punições severas. Após as oferendas serem ofertadas a Tupã deus do trovão, raios e tempestades e a Caaporã protetor das florestas e dos rios partiriam em retirada, respeitando os limites que haveriam de inundar todo o leito. Os nativos construíam suas pequenas ocas em terras muito acima do leito do rio, seus antepassados também entenderam a dinâmica das inundações, por isso, adotaram um calendário de acordo com o ciclo das enchentes, dividia o ano em dois longínquos períodos que seriam respectivamente o tempo de Peurê, o senhor do verão e Nhará, que preside o inverno, o próprio Itapicuru era sinônimo de divindade. 

Entre as crianças era contado à lenda do grande peixe, o “Surubim de Cama” que habitava o fundo do rio, era um semideus violento e irritável, agitava as águas, e atormentava os homens, protetor das espécies de peixes e animais aquáticos. Nessa ocasião somente as mulheres aproximavam das beiras, os homens só poderiam tomar banho nos igarapés, segundo Ubiracy o pajé da tribo, o terrível monstro assemelha-se a um tubarão, implacável com aqueles que desobedecessem à estação de reprodução dos peixes. 

No entanto, adorava receber enfeites, e pequenos outros peixes como o Jeju, Bodó, Carambanja e o Cascudo encontrado principalmente nos igarapés e afluentes, eram apresentados como oferendas somente pelas índias virgens da tribo, isso acalmava as águas quando o gigante estava muito agitado. Reza ainda a lenda que nas noites de lua cheia, o mesmo transforma-se em homem e seduzia suas parceiras para margens dando continuidade a espécie de gente dessas matas. 

A sabedoria dos Tapuios passada de geração em geração transmitia os ensinamentos do cultivo da terra, manipulação das ervas, e os ritos de celebração religiosa, além dos segredos das florestas. A jovem Guaraci herdara o dom de prever as coisas, desde criança tinha visões proféticas em seus sonhos. Numa madrugada chuvosa sonhou que homens brancos, barbudos com um mau cheiro impregnado, usando vestimentas que cobriam todo o corpo navegariam o majestoso rio acima expulsando o seu povo, deitando com suas irmãs, e destruindo tudo que encontravam em seu caminho. 

Depois em outro de seus apocalípticos sonhos, viu os primeiros colonizadores europeus que traziam no seu corpo doenças, que foram dizimando a todos os povos indígenas da região. Fazendo-os se deslocarem para terras mais ao sul que ficava há léguas de distância. Os colonizadores começam a explorar o pau de tinta muito comum nessa região, trocavam a madeira por objetos, colares, espelhos, pentes, entre outros e tentavam ensinar ritos de uma religião que pregava um deus desconhecido pelos indígenas, mas que prometia salvar-lhes de um fogo abrasador de um lugar chamado inferno, tão logo, observaram que as terras eram produtivas introduziram por essas brenhas o cultivo de cana de açúcar, algodão e arroz. As terras eram doadas e seus proprietários que nem sabiam da sua dimensão exata agora lavravam em cartórios documentos que os assegurasse a posse. 

Em outra de suas visões Guaraci aterrorizou-se ao ver que homens de uma terra afastada, separada pelas grandes águas foram traficados de forma violenta, arrancados do seio da mãe África, vieram aos montes nos porões insalubres de navios, desceram o Itapicuru a trabalhar nas lavouras dessas velhas povoações de Rosário, Itapecuru e Caxias. Morriam simplesmente  por serem tratados de forma desumana. Todavia, resistiram e foram formando grandes comunidades ao longo da beira do rio, chamadas de quilombo. A cor de sua pele compôs todo o aspecto cultural dessa gente nova, filha de índios, europeus e pretos. 

Após sucessivas invasões, resistência e extermínio de indígenas as vilas cresceram dando origem a cidades prósperas do Maranhão. Principalmente com a produção de algodão que durante a “Guerra de Independência dos Estados Unidos da América” alavancaria, sendo o estado periodicamente o grande produtor, isso criaria uma elite maranhense europeizada que via o Itapicuru como fonte de lucro e exploração. Com a independência do país “Ianque” voltaria o Maranhão a viver da exploração das drogas do sertão novamente e da forte dependência comercial com os lusitanos. Desceram o rio povos vindos de outras nacionalidades sírio-libanês, comerciantes por excelência também aqui fincaram o pé nas margens da divindade desses povos, o rio Itapicuru. 

O pajé Ubiraci interpretava os sonhos da jovem índia Uruati como uma maldição dada aos homens que haveriam de pagar um preço muito alto pela não preservação do rio, ao longo dos séculos seguintes cheias devastadoras inundaria cidades, aumentariam a proliferação de doenças, retomariam o leito devastado para o plantio. Haveria sede e o caminho a ser seguido seria respeitá-lo como um deus que sempre fora para os Tapuios Uruatis e tantos outros povos que assim o consideravam. 

No último de seus presságios Guaraci viu quando boa parte das espécies de peixes, aves e mamíferos deixariam de existir nas dependências desse bioma, sofreu com fortes dores, febre e convulsões, morreu quando pressentiu que seria muito difícil os homens de outras gerações voltassem a amar o rio Itapicuru como dádiva, e sinal de existência da própria vida, os seus descendentes ainda como derradeira gota de esperança migraram para a cabeceira do Itapicuru, resistiriam até o fim da própria vida para preservá-lo.


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