Benedito Buzar
Neste ano, em que a Academia Maranhense de Letras
comemora de modo ressoante o centenário de nascimento do escritor Josué
Montello (21 de agosto de 1917), nada mais significativo do que lembrá-lo,
trazendo a lume passagens de sua vida, registradas em seus livros de memória,
cuja leitura enternece pela leveza da escrita, tornadas públicas em seus
Diários da Manhã, da Tarde, do Entardecer e da Noite Iluminada.
Como li todos os Diários de Josué, recentemente
lancei mão do Diário do Entardecer para deleitar-me e ajuizar-me de como ele,
na condição de romancista e memoralista, via e sentia as coisas de seu tempo,
que giravam em seu redor, especialmente com respeito ao Maranhão, abordados e
descritos com extrema lucidez e riqueza de detalhes.
Nas páginas 480 e 483, por exemplo, dou de cara com
um episódio, ocorrido em São Luis, tendo como protagonista principal uma mulher
da alta sociedade maranhense e casada com um homem que exercia grande
influência política, até porque como vice-governador da Província,
encontrava-se no exercício do poder.
O referido episódio, pela repercussão na sociedade,
mereceu do romancista maranhense uma narrativa toda especial, a ponto de ser
incluída no antológico livro “Os tambores de São Luis”, no qual a saga da
escravidão no Maranhão é mostrada em toda magnitude.
A obra de Montello traz informações sobre o crime
praticado pela Baronesa de Grajaú, Ana Rosa Viana Ribeiro, mulher de índole
perversa, que tratava seus escravos com extrema desumanidade e que matou dois
escravos adolescentes, no seu sobrado da Rua de São João.
O ato criminoso levou o jovem advogado Celso
Magalhães, de 26 anos, recém-chegado de Recife, onde se formara, e nomeado
promotor em São Luis, a processar a Baronesa, a despeito de sua posição social
e política. Mais ainda: “prendeu-a no quarto da guarnição local, e a levou a
júri”.
Por causa dessa atuação desassombrada e do estrito
cumprimento do dever, o jovem promotor pagou um preço alto: após o julgamento,
com a absolvição da Baronesa, dado à influência política do marido, Celso
Magalhães foi exonerado do cargo que ocupava pelo Barão de Grajaú, Carlos
Fernandes Ribeiro, ato que obrigou o advogado a mudar-se para o Rio de Janeiro,
onde faleceu pouco depois.
Quem ajudou Josué Montello a se inteirar desse
crime hediondo, que abalou o Império, foi o conterrâneo José Sarney, que
tomando conhecimento do interesse do romancista pelo caso da Baronesa de
Grajaú, teve com ele uma oportuna conversa: “Você está interessado neste
processo? E é para o romance dos negros no Maranhão? Então, espere um momento”,
disse Sarney, que, com uma volumosa papelada em mãos, adiantou: “Sabe o que é
isto? É o processo da Baronesa. Um dia, ao entrar no Tribunal de Justiça, vi
uma fogueira no pátio. Estavam queimando processos antigos que atravancavam as
prateleiras do arquivo. Curioso, segurei este. Vi logo do que se tratava e o
trouxe comigo”. E arrematou: “Agora, sei que estão em boas mãos”
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