Amanda
Fontes
7 horas da manhã. Soa o alarme na cabeceira da cama
para despertar João de seu sono nada reparador. Ele dormiu às 3h. Afinal, há muita
matéria acumulada e o vestibular se aproxima.
O adolescente, sobressaltado, pula da cama e
rapidamente veste seu uniforme, engole o café da manhã ainda de pé e
dirige-se com pressa à escola.
− Bom dia! — Diz ao porteiro.
Que responde ríspido:
− Você está atrasado. Corra para a “cela”
302 e reze para que o professor o deixe entrar.
João atravessa os estreitos corredores. Olha para
um lado e para o outro em busca de sua sala. Por uma pequena janela quadrada,
enxerga o professor, que — do alto de seu tablado — é a própria
materialização da autoridade institucional.
O aluno pede licença e entra cabisbaixo. Senta-se
na última cadeira e torce para que o tempo voe.
João é um rapaz esperto, adora games, artes e
programação, mas aquela aula, para ele, é intragável. O conteúdo teórico lhe é
repassado de forma integralmente expositiva e centralizada no
emissor. Todos os alunos permanecem dispersos e enfileirados,
seguindo rigorosamente a hierarquia que lhes é imposta.
Na hora do banho de sol, soa um
alarme. Todos descem, comem algo e retornam para suas salas.
Ninguém disse ao João o que ele realmente
faz ali — qual o propósito ou o significado de tudo isso.
A pauta é sempre a mesma: passar no vestibular pra
se empregar. Mas, de verdade, ele se sente um inútil, um peixe fora d’água,
pois não é capaz de decorar “sequer” a fórmula dos
hidrocarbonetos aromáticos.
Essa é a nossa escola. Qualquer semelhança com uma prisão, com um quartel ou com uma fábrica,
não é mera coincidência.
A escola, que concebemos hoje, é
filha da Revolução Industrial. Nasceu no século 19, a fim de fornecer
mão de obra especializada às fábricas locais e mantém-se impermeável à
revolução científica e tecnológica que provocaram grandes mudanças em nosso dia
a dia.
O sistema pedagógico vigente é ultrapassado.
Envelheceu e não percebeu.
Logo, na esteira da massificação, o seu objetivo
ainda é fornecer empregados que saibam, com maestria, apertar uma porca.
Einsten, certa vez, disse que “todos são gênios, mas se
você avaliar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará a
vida inteira acreditando ser burro”.
É exatamente isso que o modelo educacional impõe.
Com a separação das crianças por faixa
etária, aplicação de testes padronizados e jornadas exaustivas de aulas,
não se consideram a vocação, os talentos e os sonhos de cada
jovem.
Na produção em massa, um excesso de conteúdos
enlatados e pasteurizados são empurrados cabeça à dentro, sem qualquer estímulo
à capacidade crítica.
A criatividade e a inventividade são tolhidas por
um loop infinito de repetição.
O sistema educacional atual é genérico, conteudista
e despersonalizado enquanto a nova versão de mundo que se aproxima
requer um sistema descentralizado, interativo e personalizado, o qual se
adapte as necessidades de um mundo complexo, preparando as crianças para viver
e se relacionar na sociedade de rede, pautada na economia do conhecimento.
Em um vídeo recente, Murilo Gun advertiu-me que se
passa atualmente não por uma era de mudanças, mas sim por uma mudança
de Era.
Trata-se, segundo Walter Longo, da Era Pós-Digital.
Contudo, a escola insiste em preparar o aluno para um mundo que não existe
mais.
Assim, submeter o jovem a este tipo de educação é
obrigá-lo a rodar em um sistema operacional moderno, com um software totalmente
desatualizado. Afinal, dados apontam que 60% dos jovens ainda estudam para
profissões que vão deixar de existir(!!).
E aí eu me pergunto: qual é a utilidade de
decorar os elementos da tabela periódica e a estrutura dos hidrocarbonetos
aromatizados, quando a internet tornou instantaneamente acessível todas as
informações do mundo?
Enquanto entupimos o HD
dos nossos jovens de conteúdo acrítico, deixamos de ensiná-los as habilidades
absolutamente essenciais para o futuro.
Assim, perde-se em encantamento, engajamento,
interesse e, sobretudo, equiparam-se nossos jovens a meros depósitos de
informações aptos a serem testados.
Ao parafrasear Martin Luther King, digo: Eu
ainda tenho um sonho.
Sonho com a escola do futuro que ensinará meus
filhos a serem cidadãos do mundo. Que eles aprendam a enfrentar os
desafios de uma nova Era, a resolver problemas e, sobretudo, a ser
protagonistas motivados com a própria história.
Chega de intelectualidade abusiva, de discurso
autoritário, de linha de montagem. Quero filhos criativos, inventivos,
críticos e com habilidades para se conectarem.
Em um mundo sem
fronteiras, além da repetição, há outras questões muito mais relevantes e
universais para serem solucionadas.
Que os professores — peças fundamentais da nossa
história — tenham a liberdade de ser menos expositivos e mais curadores. Que
o termo “aluno” não signifique, de fato, o que o mito da etimologia da
palavra conduz: ser sem luz.
A educação precisa ser dialética, descentralizada e
com a capacidade de transformar cada indivíduo em receptor e emissor de
informações. Afinal, hoje, é falacioso falar em “fonte do conhecimento”.
A propósito, para Jorge Paulo Lemann — um dos
brasileiros mais bem sucedidos do mundo— a escola ideal precisa de disciplinas
como design thinking, oratória, pensamento crítico e negociação.
Torço para que o João — personagem da narrativa
acima— saiba que ele não é inútil, burro ou que simplesmente “não deu certo”. A
vida nem sempre é linear e o equívoco é daqueles que insistem em encaixar
peças com formatos distintos no mesmo quadrado.
*Amanda
Lima Fontes - Com formação acadêmica em Direito, escreve por vocação. Sonhadora
e idealista carrega consigo todos os sonhos do mundo.
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