*Wanda Cunha
Bastaria que eu entrasse no ônibus para eu sentir alguém sentar-se ao meu lado, como se aquele pedaço de assento fosse um divã.
- Boa tarde!
Eu sempre fui educada:
- Boa tarde!.
Aquele “boa tarde” era apenas um motivo para o passageiro alugar meu ouvido:
- Ando um tanto chateado – dizia o passageiro – com a cidade, com os políticos. Ando também chateado com minha mulher, com meus filhos. Não sei se você entende, dona. Veja os coletivos! Todos velhos, e a gente pagando impostos. Os políticos roubando... A gente sem segurança! A Cidade desamparada, as ruas cheias de buracos. E minha mulher não quer saber de fazer uma economia. Pensando que sou rico, que não trabalho duro. Ela não sabe que dinheiro tá difícil. E os filhos? Os filhos não querem estudar. Deviam estudar pra buscar um rumo no futuro. Tem um que já se mudou pra cracolândia...
Chegou a hora de ele descer do ônibus. Assim que se levantou, uma senhora de meia-idade sentou-se ao meu lado:
- Boa tarde!
Eu sempre fui educada:
- Boa tarde – retribuí
- Ando triste – continuou a passageira – não é que há menos de dois minutos um moleque levou meu celular! Ele roubou, roubou meu celular. Não agüento essa cidade. As pessoas estão perdidas. Ninguém respeita ninguém. Um verdadeiro desmando!... E eu... coitada de mim! Ainda tenho que ir pro outro lado da cidade, no bairro das “angústias”, onde fica o hospital público. Meu marido ta internado lá. Teve um infarto. Preciso cuidar dele. Somos só nós dois, depois que a nossa filha fugiu com um marginalzinho...
Chegou a hora de a passageira descer. Disse um “até mais” com a voz cansada de tanto falar.
Assim que desceu, uma jovem, aparentando uns 27 anos, sentou-se ao meu lado. Ela parecia triste, olhos cheios de lágrimas. Não deu boa tarde! Apressei-me:
- Boa tarde, moça! Precisa de ajuda! Quer dizer alguma coisa?.
A moça deu um berro:
- Só faltava essa! Uma psicanalista dentro do ônibus!. – E virando-se pra mim em tom de revolta, levantou-se abruptamente - Vá se catar!
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