quarta-feira, 13 de maio de 2020

A POESIA MINHA MÃE NO MEU PRODUZIR POÉTICO

        *Francisco Carlos Machado

Os meus três primeiros livros de poemas expressam muito de confessional, autobiografia em versos livres e simples, possuindo diversas cenas do cotidiano, concernente a três etapas da minha vida.
A poesia como o pó mágico para os artistas dos versos existe em tudo, tanto nas coisas mais triviais e singelas, colossais e fantásticas; como nas diversas emoções que a alma humana é impregnada. Sendo beleza inspirativa existente em algo, pessoas ou sentimentos afins que experimentamos; no poeta a poesia se materializa em forma plástica, dita poema. Ela é a emoção mais tocante.

Observei recente na minha produção poética a constante presença da minha mãe. Ela sem se dar conta, com seu jeito de ser gente, mulher de gênero forte, crítica e perturbante, muitas vezes, generosa com as suas crias sempre, se tornou uma poesia dentro de mim.

Assim, em “Adolescência Poética”, coletânea dos primeiros versos, poetizei uma atitude autoritária dela em ter abandonado longe de casa uma gata de estimação, muito querida. Na época doeu e marcou. E em “A Gata Camila”, versejei:

Eu a banhava, cheirava sua cabeça/ abraçando forte no peito/ ao passear de bicicleta com ela./ Era meu xodó, meu animal predileto./ Veio de Combi, de São Luís/ para tornar minha vida mais feliz./ Um dia a mamãe com raiva,/ mandou jogar ela bem longe/ dentro do mato,/ por ela ter degustado uns patos./ Quase morri de dor e saudade.

No mesmo livro, no poema “Família”, versando sobre todos de casa digo que “Mamãe, a chefona, briguenta, que nos sustenta”. E em outro poema da obra, “Patins”:

Mamãe não me deu os patins,/ para eu andar por aí/ sentindo liberdade nos pés,/ em cima de rodas velozes.

No segundo livro, “Na Escuridão e no Dia Claro”, onde tematizo o meu amadurecer psicológico como poeta, mamãe continua aparecendo em outros poemas, como sendo o personagem oculto, no IV monólogo do longo poema “Diurnal”:

Madrugada.../ Uma voz súbita vinda de outro quarto,/ me aconselha:/ - Vai dormir rapaz,/isso não tem futuro./ Calo-me./ O que hei de fazer?/ Não me existe sono/ e a poesia se revela a mim.

Também, na 3º estrofe do poema XXIII, de “Diurnal”, sua personagem novamente aparece:
Com a cara na porta do pátio/ o olhar pensador de mamãe./ “- Não vai cair, rapaz”, grita ela./ Mas os braços em balança/ mantém o equilíbrio.
E em mais dos poemas de “Na Escuridão e no Dia Claro”, em “ Sons Noturnos”, versejei sobre os sons madrugais “da máquina de costurar de mamãe”; e no “Conto Triste para Yana”, um drama da perda de um amigo, ela se apresenta para consolar:

A minha mãe me chama/ Com seus olhos escuros/ molhados de lágrimas, me fala:/ - Francisco Carlos,/ morreu o teu amigo./ - Eu já sei, já sei.../
respondi em prantos abafados.

Até aqui, nestes dois livros apresentados, são sete poemas que ela é protagonista e coadjuvante. Porém, a mesma continua sendo poesia em mim também no terceiro livro “Ilhéus - entre o rio, os morros e o mar”. Neste, longe de casa, vivendo o exílio da terra natal, devido à jornada da formação superior, lhe dedique o poema “Mamãe”:

       Saudades sinto da minha mamãe.
       De nossa intensa convivência;
       dos cuidados caprichosos dela;
       da nossas famosas brigas.
       E o perdão, em xícara de chocolate quente
       expressando ela reconciliação.
       Saudosas lembranças da casa distante...
       A comida se esvaindo na dispensa.
       E em luta para alimentar os filhos,
       ela produzia suor na máquina de costura,
       regava canteiros singelos de coentros,
       empreendia toda vida .
       Para economizar energia, havia protestos dela
       pelo televisor ligado na alta madrugada.
       Depois, o olhar sobressaltado dela
       pela fresta da janela,
       quando versos de Drummond, Cecília
       e Fernando Pessoa declamados alto
       na Avenida principal da pequena cidade.
       Nas altas horas da manhã,
       no reinante silêncio no quarto,
       se produzia poesia. De repente,
       receando ela uma veraz elegia,
       ocorrida na madrugada fria,
       preocupantes chamados sucediam.
       Os dramas de sua vida.
       Os atos de coragem, altruísmo e valentia,
       enfrentando jagunços e um coronel,
       para preponderar sua dignidade de mulher.
       Expulsa das terras,
       em lombo de burro,
       dentro da noite escura,
       ela carregava somente filhinho no colo
       Enquanto seu primogênito
       ter sido brutalmente raptado.
       Saudades grandes da minha mãe
       Profundo orgulho sinto dela
       Mulher digna, heroína.
       Junto de mim quero sua presença,
       todas histórias de sua vida,
       seus cuidados de amor materno.

Quando existe amor materno, a presença marcante de mãe nos artistas faz a poesia fecunda. Milhares e milhares de poemas, como musicas e demais obras de artes existentes comprovam.

Enfim, esclarecendo mais o poema primeiro aqui publicado, nunca mais minha mãe mandou jogar um gato meu no meio do mato, nestes anos todos, ela tem sido até minha principal parceira, ajudando cuidar de todos os demais gatos adotados, mesmo reclamando, chegando chorar quando alguns morrem. Mas isso, contarei em outra crônica, em prosa poética, brevemente reunidas em coletânea.




*Francisco Carlos Machado, poeta, ambientalista, professor mestre em Ciências Ambientais,   membro da Associação Nacional dos Escritores   -  ANE, membro da União Literária Anapolina,  um dos criadores da Área de Proteção Ambiental  (APA) dos Morros Garapenses, membro fundador da Academia Buritiense de Letras, organizador da obra, Vozes Poéticas dos Morros Garapenses – Antologia dos poetas da APA (2019).

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