Centenário de nascimento em 2015
Por:
Jucey Santana
Contrariando
a realidade do nordestino, com grande índice de analfabetismo, a popularização
da literatura regional encontrada no meio das danças folclóricas se dá pelos
esforços dos poetas autodidatas, que compõem e interpretam seus sentimentos
para divertir o povo em determinadas regiões em
épocas específicas.
Esses poetas cantadores, em sua
grande maioria de origem humilde, oriundos do campo, das roças migram para os
centros urbanos onde passam a produzir suas toadas, muitas vezes com talentos
hereditários, tornando-se grandes líderes dos segmentos da cultura
popular. Assim conhecemos e respeitamos a multiculturalidade própria de cada
região, os significados, experiências, as lendas, o imaginário do folclore, e
assim mantemos viva na memória a identidade do nosso povo.
Em se tratando de grandes representantes da cultura popular
de Itapecuru Mirim, sem dúvida, não podemos deixar de lado Bertulino Campos.
Semi-analfabeto,
tendo como profissão a de carpinteiro, de cobertura de casas, Bertulino no
campo da arte popular era cantador, poeta, compositor, repentista, puxador das
jornadas de São Gonçalo, das rodas de Coco, e tambor de Crioula. Fez música,
dançou e cantou a vida toda. Berto estava presente em todas as manifestações
culturais, do Município, do bumba-meu-boi ás
festas do Divino. Que são
momentos ricos, como difusores da
cultura popular.
Bertulino era unanimidade nos bairros: Aviação, Magal Escuro, Vinagre,
Lago Encantado e Nova Aurora. A produção
musical de Berto, rica e diversificada, própria de sua personalidade arrojada,
girava em torno de fatos políticos, lendas,
milagres de santos, a vida do lavrador, magia, fé, São João, pobreza e
terra. Como era muito galanteador, cantava muito o amor, com uma produção
simples como o povo, sem muitas formalidades, mas com a participação popular
e alegria. A sua música mais conhecida era “Morena”,
cantada no seu enterro.
Natural do vizinho povoado
Carema, (hoje Santa Rita), era filho de José Menezes e Agostinha Campos
e nasceu em 24 de agosto de 1915. Seu
pai veio de Carema no final dos anos 20 do século passado, fixando residência
no povoado Nova Aurora, ficando o jovem
Bertulino em Santa Rita, casando-se aos 16 anos com a senhora Adriana Muniz
Campos com quem teve 12 filhos. O seu pai Ze Menezes tinha uma promessa de
botar boi todo ano, e o Berto, mesmo morando em Santa Rita, vinha
brincar os folguedos e ajudar o pai na montagem do evento. Depois que nasceram
seus dois primeiros filhos, por volta do ano de 1935, mudou-se de vez para o povoado Nova Aurora, passando a trabalhar com o pai,
na organização dos bois, que eram a grande paixão da família. Alguns bois de Zé
Menezes: “Flor do Amor” “Beija Flor” e
“Brilho da Terra”
Nos anos 40 o Berto já botava seu próprio boi,
sendo o primeiro “B Dourado”, depois vieram “Diamante” “Alegria do Povo” “Linda Amante” e muitos outros, mas todos eram conhecidos
como “Boi do Bertulino” ou “Boi da Aviação”
Segundo Zé do Mariano mais conhecido como Zé Bezerra
(1937/2014), “comecei dançar com Berto
em 1950, desde os treze anos e nunca mais parei”. Zé Bezerra informou ainda que
o coro do boi era, confeccionado por bordadeiras de Rosário, e o próprio Berto
fazia a armação, com a ajuda dos brincantes. Ele
era amo, cantador, líder. O primeiro contra-amo
foi seu irmão João Menezes, depois Afronísio e o Nato da Lavandeira era sempre o miolo do boi.
A morte dos bois sempre acontecia no
largo onde hoje é a Praça do Viva. Era um evento carregado de emoção, muitos
choravam, entre brincantes e simpatizantes, tendo muitas estórias de desmaios
ocasionadas pelo tom de tristeza do acontecimento.
As primeiras notícias que se tem de manifestação junina, com bumba-boi,
em Itapecuru Mirim, de maneira muito acanhada, foram de Berto e Chico Vítor, apresentadas de porta em porta, relembrando os costumes do
Reizado.
A
partir de maio começava a programação, sendo apalavradas antes as
apresentações. Eram costume as
apresentações oficiais, para a descoberta da
“pinta”, (descer o pano que cobria o boi), nas portas de Abdala
Buzar, Juca Magarefe, Graciete Cassas e Miguel Fiquene que eram
grandes incentivadores.
Segue um exemplo de desafio, com outro boi, geralmente de Santa Rita:
“Eu
botei meu boi na rua / Para o povo ver
Contrário
ficou com medo / Do meu batalhão
Escuta
contrário, o que vou te dizer.
Minha
trincheira está formada /Com armas na mão”
“Ó
lá, vai boi, é de Santa Rita
Ele
vai derrubando as coroas dos cantores
Te
arreda, contrário / Lá vai seu superior”
Berto mandava anunciar na Voz Marília, o
início das apresentações.
“
Eu preparei uma mensagem
E
botei no alto falante
Mandando
tirar licença
Pra
brincar com Linda Amante”
Bertulino estava presente em todos os eventos culturais com os seus
acessórios inseparáveis, o boné e o seu cavaquinho.
Depois de uma mal sucedida cirurgia de catarata, ficou sem enxergar, mas
continuava a compor, e pedia que anotassem a letra. “Ele nunca sentiu tristeza
na vida, e mesmo cego continuava cantando”, dizia Silvia, sua neta. Ele era muito crítico de ouvido, quando
escutava música na televisão, dizia: “Esse não sabe fazer música, não rimou”
Já na velhice, passou a viver com o filho João da Cruz Muniz Campos e a
neta Silvia de Sousa Campos, que cuidaram dele até sua morte. Mesmo cego e
quase surdo, continuavam levando o mestre às festas para que puxasse os suas
toadas criativas. Berto, como devoto de
São Benedito da Casa de Forno,
mantinha a promessa de bater tambor todo ano, no dia do seu aniversário,
tornando-se tradição no bairro da Aviação, no mês de agosto.
Em 15 de maio de 1986 um grupo composto por
Bertulino, Rener Bandeira, Josivaldo Rodrigues o J.R, Moaciene Lima, Negro Leo, Adelino, José Santana e Manelino, criou o Boi
da Cultura. Mais tarde em 13 de maio de 1996,
nasceu o Boi Apaixonado tendo Moaciene Monteiro Lima como presidente
fundador e Berto co-fundador.
Pela contribuição que deu à
nossa cultura, foi agraciado com o título de cidadão itapecuruense, outorgado
pela Câmara Municipal, no dia 7 de novembro de 1997 projeto do vereador José
Luis Garcia Oliveira.
Bertulino Campos
faleceu em 23 de abril de 2012 aos 97 anos deixando muitos netos, bisnetos e
trinetos, perdendo muito a nossa cultura
popular.
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