sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

BERTULINO CAMPOS



 Centenário de nascimento em 2015
Por: Jucey Santana
Contrariando a realidade do nordestino, com grande índice de analfabetismo, a popularização da literatura regional encontrada no meio das danças folclóricas se dá pelos esforços dos poetas autodidatas, que compõem e interpretam seus sentimentos para divertir o povo em determinadas regiões em  épocas específicas.
            Esses poetas cantadores, em sua grande maioria de origem humilde, oriundos do campo, das roças migram para os centros urbanos onde passam a produzir suas toadas, muitas vezes com talentos hereditários,  tornando-se  grandes líderes dos segmentos da cultura popular. Assim conhecemos e respeitamos a multiculturalidade própria de cada região, os significados, experiências, as lendas, o imaginário do folclore, e assim mantemos viva na memória a identidade do nosso povo.
            Em se tratando  de grandes representantes da cultura popular de Itapecuru Mirim, sem dúvida, não podemos deixar de lado  Bertulino Campos.
Semi-analfabeto, tendo como profissão a de carpinteiro, de cobertura de casas, Bertulino no campo da arte popular era cantador, poeta, compositor, repentista, puxador das jornadas de São Gonçalo, das rodas de Coco, e tambor de Crioula. Fez música, dançou e cantou a vida toda. Berto estava presente em todas as manifestações culturais, do  Município, do bumba-meu-boi  ás  festas do  Divino. Que são momentos ricos, como difusores da  cultura popular.
     Bertulino era unanimidade  nos bairros: Aviação, Magal Escuro, Vinagre, Lago Encantado e  Nova Aurora. A produção musical de Berto, rica e diversificada, própria de sua personalidade arrojada, girava em torno de fatos políticos, lendas,  milagres de santos, a vida do lavrador, magia, fé, São João, pobreza e terra. Como era muito galanteador, cantava muito o amor, com uma produção simples como o povo, sem muitas formalidades, mas com a participação popular e  alegria.  A sua música mais conhecida era “Morena”, cantada no seu enterro.
            Natural do vizinho  povoado  Carema, (hoje Santa Rita), era filho de José Menezes e Agostinha Campos e nasceu em 24 de agosto de 1915.  Seu pai veio de Carema no final dos anos 20 do século passado, fixando residência no povoado  Nova Aurora, ficando o jovem Bertulino em Santa Rita, casando-se aos 16 anos com a senhora Adriana Muniz Campos com quem teve 12 filhos. O seu pai Ze Menezes tinha uma promessa de botar  boi todo ano, e o  Berto, mesmo morando em Santa Rita, vinha brincar os folguedos e ajudar o pai na montagem do evento. Depois que nasceram seus dois primeiros filhos, por volta do ano de 1935,  mudou-se de vez para o povoado  Nova Aurora, passando a trabalhar com o pai, na organização dos bois, que eram a grande paixão da família. Alguns bois de Zé Menezes: “Flor do Amor”   “Beija Flor”  e  “Brilho da Terra”
             Nos anos 40 o Berto já botava seu próprio boi, sendo o primeiro “B Dourado”, depois vieram “Diamante” “Alegria do Povo”  “Linda Amante”  e muitos outros, mas todos eram  conhecidos   como “Boi do Bertulino” ou “Boi da Aviação”
             Segundo Zé do Mariano  mais conhecido como Zé Bezerra (1937/2014),  “comecei dançar com Berto em 1950, desde os treze anos e nunca mais parei”. Zé Bezerra informou ainda que o coro do boi era, confeccionado por bordadeiras de Rosário, e o próprio Berto fazia a armação, com a ajuda dos brincantes.    Ele era amo, cantador, líder. O primeiro  contra-amo foi seu irmão João Menezes, depois Afronísio e o  Nato da Lavandeira era sempre o miolo do boi.
          A morte dos bois sempre acontecia no largo onde hoje é a Praça do  Viva.  Era um evento carregado de emoção, muitos choravam, entre brincantes e simpatizantes, tendo muitas estórias de desmaios ocasionadas pelo tom de tristeza do acontecimento.
              As primeiras notícias que se tem de manifestação junina, com bumba-boi, em Itapecuru Mirim, de maneira muito acanhada, foram de Berto e Chico Vítor, apresentadas  de porta em porta, relembrando os costumes do Reizado.
            A partir de maio começava a programação, sendo apalavradas antes as apresentações.  Eram costume as apresentações oficiais, para a descoberta da  “pinta”, (descer o pano que cobria o boi), nas portas de Abdala Buzar,   Juca Magarefe,  Graciete Cassas e Miguel Fiquene que eram grandes incentivadores.
Segue um exemplo de desafio,  com outro boi, geralmente de Santa Rita:

                        “Eu botei meu boi na rua / Para o povo ver
                        Contrário ficou com medo / Do meu batalhão
                        Escuta contrário, o que vou te dizer.
                        Minha trincheira está formada /Com armas na mão”

                        “Ó lá, vai boi,  é de Santa Rita
                        Ele vai derrubando as coroas dos cantores
                        Te arreda, contrário / Lá vai seu superior”

Berto mandava anunciar na Voz Marília, o início das apresentações.

                        “ Eu preparei uma mensagem
                        E botei no alto falante
                        Mandando tirar licença
                        Pra brincar com Linda Amante

        Bertulino estava presente em todos os eventos culturais com os seus acessórios inseparáveis, o boné e o seu cavaquinho.
        Depois de uma mal sucedida cirurgia de catarata, ficou sem enxergar, mas continuava a compor, e pedia que anotassem a letra. “Ele nunca sentiu tristeza na vida, e mesmo cego continuava cantando”, dizia  Silvia, sua neta.  Ele era muito crítico de ouvido, quando escutava música na televisão, dizia: “Esse não sabe fazer música, não rimou”
          Já na velhice, passou a viver com o filho João da Cruz Muniz Campos e a neta Silvia de Sousa Campos, que cuidaram dele até sua morte. Mesmo cego e quase surdo, continuavam levando o mestre às festas para que puxasse os suas toadas criativas.   Berto, como devoto de São Benedito da Casa de Forno, mantinha a promessa de bater tambor todo ano, no dia do seu aniversário, tornando-se tradição no bairro da Aviação, no mês de agosto.
 Em 15 de maio de 1986 um grupo composto por Bertulino, Rener Bandeira, Josivaldo Rodrigues o  J.R, Moaciene Lima, Negro Leo,  Adelino, José Santana e Manelino, criou o Boi da Cultura. Mais tarde em 13 de maio de 1996,  nasceu o Boi Apaixonado tendo Moaciene Monteiro Lima como presidente fundador e Berto co-fundador.
           Pela contribuição que deu à nossa cultura, foi agraciado com o título de cidadão itapecuruense, outorgado pela Câmara Municipal, no dia 7 de novembro de 1997 projeto do vereador José Luis Garcia Oliveira.
Bertulino Campos faleceu em 23 de abril de 2012 aos 97 anos deixando muitos netos, bisnetos e trinetos,  perdendo muito a nossa cultura popular.


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