Por: Josemar Lima
SÉRIE
CRÔNICAS – ANO III/nº 31/2016
No dia 17 de julho de 1946
realizou-se no Palácio dos Leões, na capital maranhense, uma reunião
considerada da maior importância para o desenvolvimento econômico e social do
município de Itapecuru Mirim, conforme registrado no livro “O Dia a Dia do
Itapecuru Mirim”, de autoria do nosso conterrâneo Benedito Bogea Buzar.
Naquela oportunidade o então
prefeito Abdala Buzar Neto, na presença do interventor do estado do Maranhão,
Saturnino Belo, assinava o Decreto Municipal de doação de um terreno de
propriedade da municipalidade, à Comissão Executiva dos Produtos da Mandioca,
para construção da Usina de Álcool de Mandioca de Itapecuru Mirim. A Comissão
Executiva dos Produtos da Mandioca fora criada em 28 de maio de 1943 pelo
presidente Getúlio Vargas, mediante assinatura do Decreto Federal nº 5.531/43.
A meta era a construção de vinte e
uma usinas em diversas regiões do país, tendo como matéria prima a mandioca,
criando uma reserva energética alternativa ao petróleo, passível de sofrer um
colapso na produção em função do impacto da segunda guerra mundial.
A usina a ser instalada e
operacionalizada em Itapecuru Mirim produziria em sua fase de estabilização,
seis mil litros diários de álcool combustível, com utilização de trinta e cinco
toneladas diárias de raízes de mandioca a serem produzidas na região.
Houve uma batalha política para que
o empreendimento fosse implantado em Caxias/Ma, terra natal do governador, mas
as condições favoráveis de localização para escoamento da produção e
viabilidade de transporte de equipamentos via ferroviária e fluvial com
segurança terminaram por definir a localização final.
No ano seguinte,1946, após concessão
de um empréstimo realizado pelo Banco do Brasil ao Governo do Maranhão e
contratação da empresa paulista Construpan - Construções LTDA, a velha cidade
começou a ser sacudida pelos primeiros impactos da construção da usina,
localizada na antiga Rua do Fio, área atualmente ocupada pelo Hospital Regional
Adélia Matos Fonseca.
Os trabalhos iniciaram-se pelas
fundações da imponente “Chaminé”, projetada para erguer-se a mais de trinta
metros de altura. Os tijolos então produzidos rudimentarmente na cidade não
atendiam aos requisitos técnicos exigidos para a obra e houve necessidade da
instalação às pressas de uma olaria para produção industrial dos tijolos
requeridos pela grandiosidade o empreendimento. As telhas, tipo americanas,
foram importadas de cerâmicas do sul do país.
A “Chaminé” começou a ganhar forma e
elevar-se para além dos telhados dos casarões localizados à Rua do Egito e seus
olhos, tingidos pela vermelhidão dos pequenos tijolos maciços, foram se
ampliando até conseguir divisar toda a cidade e viram surgir num horizonte próximo
uma rival em porte que, de quando em quando, a despertava com o badalar de
sinos, principalmente nos finais das tardes e nas alvoradas matinais. Era a
torre da Igreja Matriz!
A “chaminé” que subia aos céus era a
grande atração da cidade. Recebia visitas constantes de estudantes, produtores
rurais do município, autoridades municipais e de representantes do governo
federal e da administração pública do Maranhão. Até o governador do estado do
Maranhão esteve a visita-la e ela se envaidecia com os elogios a sua formosura
e delgada elegância.
Mesmo sem ainda estar concluída,
conseguia uma boa visão da Rampa da Rampa Manoel Cobra onde os vapores
atracavam com matérias de construção, maquinas e equipamentos e as dificuldades
para o desembarque quando as enchentes elevavam o nível das águas ou quando no
verão ele baixava exageradamente.
Via constantemente a chegada de
caminhões que também carregavam máquinas e equipamentos vindos pela estrada de
Ferro São Luís/Teresina. Um dia conseguiu ver com clareza uma composição férrea
lá do outro lado do Rio Itapecuru e seus olhos brilharam de emoção.
Mais nem tudo eram alegrias!
Num dia de junho de 1946, antes que
o soar da sineta indicasse o final do expediente, viu os operários começarem a
descer dos andaimes e diziam ter reunião no Sindicato dos Arrumadores e
Trabalhadores na Construção Civil de Itapecuru Mirim. No dia seguinte eles não
voltaram para continuar a dar forma à “Chaminé”. Ela sentiu a falta dos
operários, verdadeiros artistas, que lhe dispensavam o status de uma verdadeira
obra de arte. E dos seus imaginários olhos avermelhados brotaram lágrimas de
orvalho...
O sol inclemente e, posteriormente,
as chuvas torrenciais apodreceram o madeirame dos andaimes e eles despencaram
durante uma chuva torrencial. A “Chaminé”, mesmo inconclusa, voltou seus olhos
para o velho prédio da igreja matriz que continuava cantando com seus sinos
todas as tardes e pediu clemência. Certa noite acordou esbaforida pois sonhara
que os túmulos de um cemitério recém construído ali próximo se deslocavam em
bando e tomavam conta de toda a área da fábrica? Era apenas cansaço, pensou!
Os operários voltaram, refizeram os
andaimes e continuaram a dedicar atenção máxima a sua obra de arte. Ouviu-os
falando entre si que o problema foi a falta de recursos, mas que o Banco do
Brasil teria feito uma nova operação de crédito ao governo do Maranhão e que
agora toda as obras seriam concluídas e as máquinas e equipamentos que jaziam
sobre as sombras das mangueiras seriam instalados e até recursos para os
produtores de mandioca já estavam disponíveis.
Toda a agitação voltou a reinar no
canteiro de obras e em toda a cidade com a retomada da construção da Usina de
Álcool de Mandioca, agora chamada pela população simplesmente de “Construpan”,
sigla da empresa construtora.
A “Chaminé” teve a sua conclusão
atestada com a colocação do para-raios, uma espécie de coroa para a rainha
maior do complexo.
Agora sua visão era total sobre a
cidade e, principalmente, sobre o canteiro de obra onde novos prédios foram
nascendo aceleradamente, inclusive um diferente de sua formação circular,
parecido com um caixote, e que quase chegou a tirar sua visão panorâmica. Os
demais eram galpões com dois pavimentos, destinados aos alambiques e oficinas,
e prédios residenciais para os administradores e técnicos, tipo bangalôs.
Durante a construção seus ouvidos
apurados conseguiram captar muitas conversas de técnicos e operários relativas
ao empreendimento. Ficou sabendo que a sua função básica era cuspir fumaça para
a atmosfera diuturnamente e que sua altura favorecia a pressão do fogo nas
caldeiras.
O combustível era a queima de madeira,
igualmente como as fornalhas das máquinas a vapor e teve pena das matas
localizadas às margens do velho Rio Itapecuru. Ouviu também que a água do Rio
Itapecuru seria usada nas caldeiras e para amolecimento e lavagem das raízes de
mandioca e preocupou-se mais ainda, pois, visualizou canais que transportariam
todo esse resíduo tóxico para o curso do rio, localizado ali nas proximidades.
Notou certo dia um ar de preocupação
no semblante do senhor José Alexandre de Oliveira, o Presidente da Associação
Rural de Itapecuru Mirim e, posteriormente, da Cooperativa Industrial e
Agrícola da Itapecuru Mirim, que sempre esteve presente incansavelmente lutando
em todos os campos, pela implantação daquele empreendimento na sua cidade.
Passou a admirá-lo e ter por ele profundo respeito. Coube-lhe a ingrata tarefa
de administrar o espólio do que sobrou da “Construpan” até o final de sua vida.
O ritmo das obras se reduziram
drasticamente e nem todas as máquinas e equipamentos foram instalados nos
prédios. A formosa “Chaminé sentia um misto de tristeza e alegria e se
recriminava por isso, tendo em vista que a “Construpan” era um sonho de todos,
inclusive dos pequenos produtores que já tinham iniciado o plantio de grandes
áreas com mandioca para fornecimento à usina e se afundavam em débitos.
Sobressaltou-se quando viu no escuro
das noites representantes da própria comunidade e cidadãos comuns, sob o
pretexto de prejuízos causados pela construtora, apoderarem-se sorrateiramente
dos equipamentos mais valiosos da fábrica para vende-los a terceiros,
principalmente componentes de cobre e material dos laboratórios.
Lágrimas voltaram a brotar dos olhos
incrédulos da imponente, mas agora alquebrada chaminé, quanto as obras foram
completamente paralisadas em 1947.
A partir daí tudo começo a ruir, não
obstante várias outras iniciativas governamentais e privadas para a retomada do
empreendimento. A agora velha “Chaminé” foi testemunha de horrores quando um
comboio de caminhões no final da década de sessenta adentrou pelo portão
carcomido da velha fábrica em ruinas e com autorização do governo do estado do
Maranhão, levou o que restava das máquinas e equipamentos, pelo que se sabe com
destino à cidade de Coelho Neto onde estava se instalando uma fábrica de açúcar
de um grupo privado.
Quase teve um enfarte quando já nos
anos setenta a Prefeitura Municipal iniciou a demolição dos prédios
abandonados, todos ainda aproveitáveis à época, inclusive uma torre de sete
andares, tendo como objetivo mesquinho a retirada de tijolos para construção de
meios-fios. Um crime inafiançável!
Atalaia
de tijolos vermelhos, a velha chaminé continua sua resistência solitária, já
com a visão embaçada não consegue ver a cidade inteira e apenas um vulto da
torre da igreja que ela jura que era diferente da atual na sua juventude. Jaz
no esquecimento também dos habitantes da cidade de Itapecuru Mirim que já a
tiveram como referência de um futuro promissor, marcado pela industrialização.
É uma bela construção com sessenta
anos de vida! Deveria ser aproveitada como um Monumento à Esperança ou até para
eternizar os males que a falta de compromisso com a coisa pública pode causar.
Foram milhões que enriqueceram poucos e deixaram milhares na miséria econômica,
social e psicológica. Sonhos frustrados! E a velha chaminé continua a ter
calafrios permanentes quando houve, mesmo com dificuldade, notícias de que
essas práticas ainda permanecem vivas.
Até hoje não tem uma opinião formada
sobre a vantagem ou desvantagem de ter ficado inativa todos esses anos, sem
gerar qualquer riqueza, ou ter jogado sobre a população da cidade toneladas de
fuligem vindas de árvores abatidas e queimadas das matas ciares do Rio
Itapecuru. As matas desapareceram e o
Rio Itapecuru está poluído por outros equívocos!
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