quinta-feira, 3 de setembro de 2015

MÁQUINA DE QUEBRAR COCO;

OU COCO DE QUEBRAR MÁQUINAS?

       Por: Josemar Lima                                                                                Série de crônicas – ano II/nº 21/2015
 “11 de Setembro de 1946 – A imprensa de São Luís divulga a suspensão das atividades, depois de dois anos de funcionamento, da Indústria de Babaçu LDTA, instalada no povoado Kelru.”  Este registro, extraído do livro “O Dia a Dia da História do Itapecuru Mirim”, de autoria no nosso conterrâneo BENEDITO BOGEA BUZAR, jornalista, pesquisador e Presidente de nossa Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, soa para muitos, medidas as proporções, como um desastre, uma tragédia para a emancipação econômica no Maranhão, mediante o aproveitamento industrial e integral do coco babaçu, recurso natural de produção quase exclusiva do estado do Maranhão. Terá sido mesmo essa desativação do complexo industrial de Kelru uma pá de cal sobre os sonhos de riqueza do estado mediante a industrialização do babaçu?

Estive recentemente no povoado Kelru, acompanhado do meu amigo e confrade TIAGO OLIVEIRA, onde visitamos as ruínas da “Fazenda Conceição” onde, em 15 de fevereiro de 1829, nascia Joaquim Gomes de Sousa e também as ruínas da “Fazenda São Patrício,” onde viveu o irlandês Lourenço Belfort, o Barão de Santa Rosa, ambas localizadas à margem direita do Rio Itapecuru e detentoras de um rosário de histórias que ainda precisam ser pesquisadas e contadas. As pedras, colunas e portões ainda estão lá como pergaminhos a serem abertos...

O Rio Itapecuru que viu tudo e foi cúmplice de muitas das histórias continua lá, caminha devagar pelo assoreamento de seu leito e tem os olhos embaçados pela crescente poluição de suas águas, mas resiste bravamente e ainda garante a sobrevivência de alguns teimosos pescadores.

Essa é uma luta que a sociedade maranhense tem que enfrentar, pois o rio vem perdendo seus afluentes desde que as fazendas de algodão e cana-de-açúcar começaram a ser implantadas em suas ribeiras, lá pelos idos de 1630; os vapores e as locomotivas iniciaram o consumo das árvores de suas margens como combustíveis e dormentes; as serrarias começaram a transformar em pranchões, grades, caibros e ripas as árvores mais fortes de suas margens e, por último, incentivados com créditos governamentais, os agricultores empresariais transformaram em pasto o que ainda restava de matas ciliares e represaram com açudes e barragens os seus tributários.

O governo federal, estadual e a maioria dos municipais continuam míope para a revitalização da bacia do Rio Itapecuru e só se preocupam em aumentar o quantitativo de água retirada para o abastecimento de São Luis e outras cidades ribeirinhas. O mesmo valor dos investimentos em uma nova adutora deveria ser destinado à revitalização do rio.

Essa deveria ser a lógica e fico perplexo com o silêncio do Ministério Público Estadual, diante de tamanho crime ambiental cometido pela CAEMA e latifundiários ribeirinhos contra o velho e alquebrado Rio Itapecuru. Se não tem uma lei específica, invoquemos o Estatuto do Idoso, afinal de contas o rio nasceu há mais de 300 milhões de anos atrás.

Matar ou deixar morrer um corpo d’água como o Rio Itapecuru é um crime contra a humanidade. Aumentar o volume de captação de água do Rio Itapecuru sem fazer quaisquer investimentos em revitalização de sua bacia é como retirar sangue de um paciente terminal! Voltemos à história do Complexo Industrial para Aproveitamento Integral do Babaçu:

Das instalações da “Cidade Industrial,” composta pela Usina, Laboratórios, Armazéns e Zona Residencial, que ocupavam aproximadamente 3.500 metros quadrados e envolvia diretamente 400 pessoas, já quase não existem vestígios. Consegui algumas fotografias extraídas da Revista Brasileira de Geografia, out/dez – 1957, mais precisamente de um relatório elaborado pelo geógrafo do Conselho Nacional de Geografia, Orlando Valverde, que visitou a área e fez, além dos registros fotográficos, as seguintes observações:

“Em Kelru, visitamos as instalações de outra fábrica ainda maior, que tomba em ruínas, pertencente a uma companhia paulista. A maquinaria dessa fábrica era mais complexa, vista que tinha em mira o aproveitamento integral do babaçu, inclusive para fazer alcatrão e um sucedâneo do chocolate que, conforme informação dos moradores chegou a ser vendido em São Luis”.

O interventor Paulo Ramos, que assumiu a gestão do Estado do Maranhão em 1936 e renunciou em 1945, era um entusiasmado defensor do aproveitamento integral do babaçu, como redenção econômica do estado do Maranhão. Manteve permanente articulação com o Governo Federal e com a iniciativa privada, principalmente de São Paulo, que dispunha do maior complexo industrial e tecnológico do Brasil.

Criou efetivas condições para que governo estadual incentivasse as empresas interessadas em investir na atividade, com a edição do Decreto-lei nº 573/42, que autorizava o Estado do Maranhão a permitir a utilização, a título gratuito, dos frutos dos babaçuais localizados em terras públicas, às empresas ou firmas nacionais, que se comprometesse em instalar usinas para industrialização integral do babaçu no território maranhense.


Empresas paulistas, organizadas em consócio, criaram então a Empresa Indústrias Babaçu Ltda., que se comprometeu em instalar uma usina experimental no prazo de dezoito meses, sendo escolhido o povoado Kelru, então pertencente ao município de Itapecuru Mirim, tanto pela grande oferta de matéria prima, como pela logística de transporte ferroviário e fluvial.

A nova empresa providenciou a aquisição de uma grande propriedade rural em Kelru, onde foi construída a chamada “cidade industrial” e a vinda de engenheiros civis, agrônomos, médicos, mestres de obras, e todo o pessoal técnico necessário à implantação e operacionalização do empreendimento, com envolvimento direto da população local devidamente capacitada.

Mesmo enfrentado dificuldades na aquisição e transporte de equipamentos importados, decorrentes da segunda guerra mundial em curso, a Usina de Aproveitamento Integral do Babaçu e demais instalações de apoio foram oficialmente inauguradas no dia 07 de agosto de 1944, com a presença de seu mentor maior, o interventor Paulo Ramos e uma numerosa comitiva de autoridades públicas e privadas, inclusive um representante do então ministro da agricultura.

A iniciativa representava um salto tecnológico sem precedentes para o estado do Maranhão e atraiu a atenção de gestores e empresários de vários estados, inclusive recebendo a visita do então interventor Magalhães Barata do estado do Pará.

Os resultados iniciais foram animadores, sendo que após seis meses de funcionamento, o empreendimento já processava 20 toneladas de frutos diariamente, com a produção de amêndoas, carvão e alcatrão, mas a meta era chegar a 150 toneladas diárias, tendo como resultado a produção de carvão tipo coque natural, carvão ativo em pó, amido tipo chocolate, farinha amilácea, torta de amêndoas, acetato de cálcio, alcatrão, piche, óleo vegetal e farinha para consumo humano e animal.

O planejamento, entretanto, não previu as dificuldades tecnológicas que começaram a se apresentar, sem soluções de curto prazo. As máquinas projetadas para quebrarem os resistentes frutos da palmeira do babaçu, começaram a ser quebradas pelo coco. E ai o tão festejado empreendimento não teve vida longa, só durou dois breves anos. Pararam de funcionar os martelos quebradores, as caldeiras, os fornos e os engenheiros e técnicos envolvidos no processo de produção começaram a retornar a São Paulo deixando lá prédios, maquinários e um estoque imenso de frustrações na população local e em toda a região.

Passados 69 longos anos, até hoje não se tem uma tecnologia confiável de processamento industrial do babaçu, que garanta o aproveitamento integral de todos os seus subprodutos. Várias experiências foram e estão sendo tentadas, mas todas elas terminam enfrentando a maldição da Usina de Kelru – O Coco Quebra a Máquina!

Conheço no estado do Maranhão dois projetos de Aproveitamento Integral do Babaçu, ambos desenvolvidos por Associações Comunitárias de Quebradeiras de Coco Babaçu, que continuam extraindo as amêndoas na forma tradicional, ou seja, com a utilização do velho machado, a manceta (pedaço de madeira para bater o fruto sobre o gume do machado) e os braços fortes das quebradeiras, pois é uma atividade quase exclusivamente realizada por mulheres.

Claro, que com o avanço da idade e a forma desconfortável de executar a quebra (sentadas no chão, com o cabo do machado sob uma das pernas), a força dos braços vai se perdendo na mesma proporção em que vão diminuindo as florestas de palmeiras, antes abundantes no estado do Maranhão.

Um desses projetos fica sediado no município de Itapecuru Mirim, sob gestão da Associação das Quebradeiras de Coco de Itapecuru Mirim, produzindo carvão, óleo, amido, sabonetes, pães e biscoitos, artesanatos da casca do coco e das palhas da palmeira e comercializando na sede de sua associação.

Da última vez que as visitei, estavam felizes; mas reclamavam da redução drástica dos babaçuais, que estão sendo transformados em pastos, com sérias restrições dos fazendeiros à entrada para coleta dos frutos.

E não querem nem ver falar em Máquina de Quebrar Coco!

O babaçu ainda é visto como um potencial econômico para o estado do Maranhão, principalmente para a produção de energia a partir do carvão, mas o vejo mais como um recurso natural de grande importância social, sendo às vezes o único instrumento que as famílias pobres têm para ter acesso à renda monetária.

Precisa, portanto, ser mais estudado e preservado como um potencial para o desenvolvimento sustentável do estado do Maranhão, mas infelizmente as Universidades e Centros Tecnológicos não estão fazendo o suficiente e a prova disso é que o coco continua despedaçando as geringonças inventadas para quebrá-lo.

Desapropriar as áreas com grande incidência de babaçu e transformá-las em Projetos de Assentamentos Extrativistas para Mulheres Rurais, aberto aos estudos e pesquisas das Universidades e Centros Tecnológicos, poderia ser um caminho para preservação, conservação e desenvolvimento tecnológico desse potencial de riqueza que, com aval da natureza, escolheu morar aqui... 



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