OU COCO DE QUEBRAR MÁQUINAS?
Por: Josemar Lima Série de crônicas
– ano II/nº 21/2015
“11
de Setembro de 1946 – A imprensa de São Luís divulga a suspensão das
atividades, depois de dois anos de funcionamento, da Indústria de Babaçu LDTA,
instalada no povoado Kelru.” Este
registro, extraído do livro “O Dia a Dia da História do Itapecuru Mirim”, de
autoria no nosso conterrâneo BENEDITO BOGEA BUZAR, jornalista, pesquisador e
Presidente de nossa Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes, soa
para muitos, medidas as proporções, como um desastre, uma tragédia para a
emancipação econômica no Maranhão, mediante o aproveitamento industrial e
integral do coco babaçu, recurso natural de produção quase exclusiva do estado
do Maranhão. Terá sido mesmo essa desativação do complexo industrial de Kelru
uma pá de cal sobre os sonhos de riqueza do estado mediante a industrialização
do babaçu?
Estive recentemente no povoado Kelru,
acompanhado do meu amigo e confrade TIAGO OLIVEIRA, onde visitamos as ruínas da
“Fazenda Conceição” onde, em 15 de fevereiro de 1829, nascia Joaquim Gomes de
Sousa e também as ruínas da “Fazenda São Patrício,” onde viveu o irlandês
Lourenço Belfort, o Barão de Santa Rosa, ambas localizadas à margem direita do
Rio Itapecuru e detentoras de um rosário de histórias que ainda precisam ser
pesquisadas e contadas. As pedras, colunas e portões ainda estão lá como
pergaminhos a serem abertos...
O Rio Itapecuru que viu tudo e foi
cúmplice de muitas das histórias continua lá, caminha devagar pelo assoreamento
de seu leito e tem os olhos embaçados pela crescente poluição de suas águas,
mas resiste bravamente e ainda garante a sobrevivência de alguns teimosos
pescadores.
Essa é uma luta que a sociedade
maranhense tem que enfrentar, pois o rio vem perdendo seus afluentes desde que
as fazendas de algodão e cana-de-açúcar começaram a ser implantadas em suas
ribeiras, lá pelos idos de 1630; os vapores e as locomotivas iniciaram o
consumo das árvores de suas margens como combustíveis e dormentes; as serrarias
começaram a transformar em pranchões, grades, caibros e ripas as árvores mais
fortes de suas margens e, por último, incentivados com créditos governamentais,
os agricultores empresariais transformaram em pasto o que ainda restava de
matas ciliares e represaram com açudes e barragens os seus tributários.
O governo federal, estadual e a maioria
dos municipais continuam míope para a revitalização da bacia do Rio Itapecuru e
só se preocupam em aumentar o quantitativo de água retirada para o
abastecimento de São Luis e outras cidades ribeirinhas. O mesmo valor dos
investimentos em uma nova adutora deveria ser destinado à revitalização do rio.
Essa deveria ser a lógica e fico
perplexo com o silêncio do Ministério Público Estadual, diante de tamanho crime
ambiental cometido pela CAEMA e latifundiários ribeirinhos contra o velho e
alquebrado Rio Itapecuru. Se não tem uma lei específica, invoquemos o Estatuto
do Idoso, afinal de contas o rio nasceu há mais de 300 milhões de anos atrás.
Matar ou deixar morrer um corpo d’água
como o Rio Itapecuru é um crime contra a humanidade. Aumentar o volume de
captação de água do Rio Itapecuru sem fazer quaisquer investimentos em
revitalização de sua bacia é como retirar sangue de um paciente terminal! Voltemos
à história do Complexo Industrial para Aproveitamento Integral do Babaçu:
Das instalações da “Cidade Industrial,”
composta pela Usina, Laboratórios, Armazéns e Zona Residencial, que ocupavam
aproximadamente 3.500 metros quadrados e envolvia diretamente 400 pessoas, já
quase não existem vestígios. Consegui algumas fotografias extraídas da Revista
Brasileira de Geografia, out/dez – 1957, mais precisamente de um relatório
elaborado pelo geógrafo do Conselho Nacional de Geografia, Orlando Valverde,
que visitou a área e fez, além dos registros fotográficos, as seguintes
observações:
“Em Kelru, visitamos as instalações de outra fábrica
ainda maior, que tomba em ruínas, pertencente a uma companhia paulista. A
maquinaria dessa fábrica era mais complexa, vista que tinha em mira o
aproveitamento integral do babaçu, inclusive para fazer alcatrão e um sucedâneo
do chocolate que, conforme informação dos moradores chegou a ser vendido em São
Luis”.
O interventor Paulo Ramos, que assumiu a
gestão do Estado do Maranhão em 1936 e renunciou em 1945, era um entusiasmado
defensor do aproveitamento integral do babaçu, como redenção econômica do
estado do Maranhão. Manteve permanente articulação com o Governo Federal e com
a iniciativa privada, principalmente de São Paulo, que dispunha do maior
complexo industrial e tecnológico do Brasil.
Criou efetivas condições para que
governo estadual incentivasse as empresas interessadas em investir na
atividade, com a edição do Decreto-lei nº 573/42, que autorizava o Estado do
Maranhão a permitir a utilização, a título gratuito, dos frutos dos babaçuais
localizados em terras públicas, às empresas ou firmas nacionais, que se
comprometesse em instalar usinas para industrialização integral do babaçu no
território maranhense.
Empresas paulistas, organizadas em
consócio, criaram então a Empresa Indústrias Babaçu Ltda., que se comprometeu
em instalar uma usina experimental no prazo de dezoito meses, sendo escolhido o
povoado Kelru, então pertencente ao município de Itapecuru Mirim, tanto pela
grande oferta de matéria prima, como pela logística de transporte ferroviário e
fluvial.
A nova empresa providenciou a aquisição
de uma grande propriedade rural em Kelru, onde foi construída a chamada “cidade
industrial” e a vinda de engenheiros civis, agrônomos, médicos, mestres de
obras, e todo o pessoal técnico necessário à implantação e operacionalização do
empreendimento, com envolvimento direto da população local devidamente
capacitada.
Mesmo enfrentado dificuldades na aquisição e transporte de equipamentos importados, decorrentes da segunda guerra mundial em curso, a Usina de Aproveitamento Integral do Babaçu e demais instalações de apoio foram oficialmente inauguradas no dia 07 de agosto de 1944, com a presença de seu mentor maior, o interventor Paulo Ramos e uma numerosa comitiva de autoridades públicas e privadas, inclusive um representante do então ministro da agricultura.
A iniciativa representava um salto
tecnológico sem precedentes para o estado do Maranhão e atraiu a atenção de
gestores e empresários de vários estados, inclusive recebendo a visita do então
interventor Magalhães Barata do estado do Pará.
Os resultados iniciais foram animadores,
sendo que após seis meses de funcionamento, o empreendimento já processava 20
toneladas de frutos diariamente, com a produção de amêndoas, carvão e alcatrão,
mas a meta era chegar a 150 toneladas diárias, tendo como resultado a produção
de carvão tipo coque natural, carvão ativo em pó, amido tipo chocolate, farinha
amilácea, torta de amêndoas, acetato de cálcio, alcatrão, piche, óleo vegetal e
farinha para consumo humano e animal.
O planejamento, entretanto, não previu
as dificuldades tecnológicas que começaram a se apresentar, sem soluções de
curto prazo. As máquinas projetadas para quebrarem os resistentes frutos da
palmeira do babaçu, começaram a ser quebradas pelo coco. E ai o tão festejado
empreendimento não teve vida longa, só durou dois breves anos. Pararam de
funcionar os martelos quebradores, as caldeiras, os fornos e os engenheiros e
técnicos envolvidos no processo de produção começaram a retornar a São Paulo
deixando lá prédios, maquinários e um estoque imenso de frustrações na
população local e em toda a região.
Passados 69 longos anos, até hoje não se
tem uma tecnologia confiável de processamento industrial do babaçu, que garanta
o aproveitamento integral de todos os seus subprodutos. Várias experiências
foram e estão sendo tentadas, mas todas elas terminam enfrentando a maldição da
Usina de Kelru – O Coco Quebra a Máquina!
Conheço no estado do Maranhão dois
projetos de Aproveitamento Integral do Babaçu, ambos desenvolvidos por
Associações Comunitárias de Quebradeiras de Coco Babaçu, que continuam
extraindo as amêndoas na forma tradicional, ou seja, com a utilização do velho
machado, a manceta (pedaço de madeira para bater o fruto sobre o gume do
machado) e os braços fortes das quebradeiras, pois é uma atividade quase
exclusivamente realizada por mulheres.
Claro, que com o avanço da idade e a
forma desconfortável de executar a quebra (sentadas no chão, com o cabo do
machado sob uma das pernas), a força dos braços vai se perdendo na mesma
proporção em que vão diminuindo as florestas de palmeiras, antes abundantes no
estado do Maranhão.
Um desses projetos fica sediado no
município de Itapecuru Mirim, sob gestão da Associação das Quebradeiras de Coco
de Itapecuru Mirim, produzindo carvão, óleo, amido, sabonetes, pães e
biscoitos, artesanatos da casca do coco e das palhas da palmeira e
comercializando na sede de sua associação.
Da última vez que as visitei, estavam
felizes; mas reclamavam da redução drástica dos babaçuais, que estão sendo
transformados em pastos, com sérias restrições dos fazendeiros à entrada para
coleta dos frutos.
E não querem nem ver falar em Máquina de
Quebrar Coco!
O babaçu ainda é visto como um potencial
econômico para o estado do Maranhão, principalmente para a produção de energia
a partir do carvão, mas o vejo mais como um recurso natural de grande
importância social, sendo às vezes o único instrumento que as famílias pobres
têm para ter acesso à renda monetária.
Precisa, portanto, ser mais estudado e
preservado como um potencial para o desenvolvimento sustentável do estado do
Maranhão, mas infelizmente as Universidades e Centros Tecnológicos não estão
fazendo o suficiente e a prova disso é que o coco continua despedaçando as
geringonças inventadas para quebrá-lo.
Desapropriar as áreas com grande
incidência de babaçu e transformá-las em Projetos de Assentamentos
Extrativistas para Mulheres Rurais, aberto aos estudos e pesquisas das
Universidades e Centros Tecnológicos, poderia ser um caminho para preservação,
conservação e desenvolvimento tecnológico desse potencial de riqueza que, com
aval da natureza, escolheu morar aqui...
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