segunda-feira, 11 de maio de 2015

O DIA EM QUE A TERRA TREMEU





   
e as intrigas com o Barão de Itapecuru Mirim...

SÉRIE CRÔNICAS – ANO II/nº 16/2015

O Diccionario Historico-Geographico da Província do Maranhão (era assim mesmo que se escrevia há 145 anos) de autoria de Cezar Augusto Marques, publicado originalmente em 1870, atualmente em sua terceira edição, traz a transcrição de uma notícia vinda da então recém-criada cidade de Itapecuru Mirim, publicada pelo jornal “O Paiz”, da capital do estado, transcrita aqui com a grafia original:
“No dia 8 de abril de 1871, do Itapecuru-mirim, comunicam ao Paiz a seguinte notícia: - A uma e meia da madrugada do dia 5 do corrente houve nesta cidade um tremor de terra precedido de um forte estampido, que foi ouvido muito ao longe; o tremor durou por alguns segundos e, tão forte foi que, abalou casas, redes e mais moveis das casas, despertando quem dormia; em casa do vigário (o Padre Cabral) houve pessoas que caíram por terra, os animais, que andam soltos, correram espavoridos; foi um sucesso novo para esta cidade e por isso mesmo muito pavoroso”.

A notícia descreve um pouco do pavoroso cenário ocorrido na Casa Paroquial, cujo vigário a essa época era o padre Francisco José Cabral.Fico imaginando a situação vivida pelo vigário que, após a queda da cama ou da rede, deve ter corrido para pegar urgentemente um crucifixo e começar a rezar pensando tratar-se do “fim do mundo”, pois essas estórias de fim do mundo foram sempre recorrentes
em Itapecuru Mirim. 

Lembro, meio embaçadamente, ali por volta do ano de 1955, corria uma estória sobre um fim do mundo que aconteceria em breve por conta da letra picante da música “Cheiro da Carolina”, composta por Zé Gonzaga e Amorim Roxo, e interpretada pelo lendário Luiz Lua Gonzaga, o Rei do Baião. As crianças eram orientadas nos catecismos a não cantarem a dita cuja sob pena de abreviar o final dos tempos. 



Acredito que a música foi considerada maldita porque reproduzia em seus refrães uns “fungados” da provocante Carolina, que seduziam delegados, padres, ou qualquer vivente que desse uma “cheirada” no seu cangote.
A música começava assim:
“CAROLINA FOI PRO SAMBA
CAROLINA
PRÁ DANÇAR O XENHENHEN
CAROLINA
TODO MUNDO É CAIDINHO
CAROLINA
PELO CHEIRO QUE ELA TEM
CAROLINA
HUM, HUM, HUM
CAROLINA HUM, HUM, HUM
CAROLINA HUM, HUM, HUM...
Tinha uma parte falada aonde o dono da casa veio reclamar da Carolina e, depois de cheirar o pescoço da morena, resolveu também cair na gandaia junto com o delegado. O seu cheiro e seu fungado enfeitiçavam a todos!
A música endiabrada terminava assim:
EU QUISERA ESTÁ POR LÁ
CAROLINA
PRÁ DANÇAR CONTIGO O XOTE
CAROLINA
PRÁ TAMBÉM DÁ UM CHEIRINHO
CAROLINA
E FUNGÁ NO TEU CANGOTE
CAROLINA HUM, HUM, HUM
CAROLINA HUM, HUM, HUM...
Cantávamos às escondidas e o mundo não acabou ainda, mas se depender de músicas amaldiçoadas não vai durar muito tempo, não! O mundo não acabou e Luís Gonzaga, o intérprete, foi eleito a maior personalidade do Nordeste do Brasil no século XX.
Ainda existiam, à época, no Vale do Itapecuru várias nações indígenas – os tapuias uritis, os barbados, os guanarés, entre outras. Essas etnias foram impiedosamente massacradas pelos colonizadores portugueses e holandeses e até vindos de outras nações europeias. Estão hoje definitivamente extintas!Como os índios reagiram ao cataclismo?
Relativamente ao estampido, creio que os índios, que já adoravam o trovão, entenderam que estavam prestes a receber a visita pessoal do seu deus e devem ter caído das redes já ajoelhados. E quanto ao tremor é razoável supor que um deus com tamanho grito também deveria ter enormes pés, capazes até de fazer tremer o chão.
Naquele tempo se espalhavam pelas margens do Rio Itapecuru as grandes fazendas de cana-de-açúcar e algodão, com a maior concentração de escravos do Maranhão.
Como os escravos africanos devem ter reagido ao pavoroso tremor de terra?
Há um costume antigo em Itapecuru Mirim que se repete a cada eclipse lunar: Todo mundo busca latas e bacias velhas e começam a bater nelas com pedaços de pau como se fossem tambores improvisados. Essa providência, reza a crença popular, evita que as árvores frutíferas morram em decorrência do fenômeno.
Creio que os negros não caíram das redes ou camas: isso eram luxos que não se estendiam aos africanos tornados escravos. Eles dormiam no chão das senzalas!
Devem ter acordado com tamanha zoada e julgaram ser um tambor de mina gigante e o tremor uma ajudazinha para o gingado da dança. Tenho certeza, pelo que já conheço do quilombo da “Felipa”, localizado ai mesmo em Itapecuru Mirim, que os tambores rufaram após o tremor e só se calaram ao raiar do dia.
A ciência explica o fenômeno acontecido em Itapecuru Mirim como um tremor de terra do tipo “desabamento”, que ocorrem por dissolução e deslizamento das massas rochosas e são causados pela força da gravidade, ocorrendo em regiões constituídas por rochas calcárias, o que é o caso da região do Itapecuru.
Esses desabamentos produzem tremores bem localizados, de pequena importância em termos de danos.
Não existem registros de desabamentos e isso é perfeitamente compreensível: Naquela época, 1871, as casas eram construídas em taipa, um emaranhado de esteios de aroeira e varas entrelaçadas com cipó, preenchidos com barro amassados com os pés. Essas casas, aparentemente frágeis, resistem espetacularmente a quaisquer agressões, até às investidas de tratores nas ocupações frequentes ocupações de terrenos urbanos.
Trato, agora, do nosso quase desconhecido Barão de Itapecuru Mirim. O tenente-coronel José Félix Pereira de Burgos que chegou à cidade Itapecuru Mirim nomeado como Coronel do regimento de Milícias. Há registros de que era filho de portugueses, com passagem pela Província de Pernambuco, formado em filosofia e matemática pela Universidade de Coimbra, em Portugal.
Em Itapecuru Mirim serviu inicialmente à causa lusitana, contra as tropas de lutavam pela adesão do Maranhão à independência do Brasil do julgo português. Depois mudou de lado e até participou da Junta Provisória Independente, constituída em Itapecuru Mirim em 20 de julho de 1823, no posto de comandante das Armas da Província, posto confirmado em 7 de agosto daquele ano após a queda de São Luís.
Foi duas vezes sogro do Barão de Coroatá, Manoel Gomes da Silva Belfort, que enviuvando duas de uma vez de uma de suas filhas, casa-se com outra. Lutou ao lado de dois irmãos, o Major Antônio Raimundo Pereira de Burgos e o Tenente Carlos Pereira de Burgos, este falecido na batalha. Recebeu distinções e postos de comando, como Alferes de Regimento Da Cavalaria Auxiliar de Olinda, conforme registro no Arquivo Ultramarino; Dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro; Cavaleiro da Imperial Ordem de São Bento de Aviz; Comandantes da Armas e da Província do Pará e, ainda, Ministro da Guerra do Governo Imperial.
Encontrei no referido Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão um registro que faço questão de transcrevê-lo na íntegra e com a grafia da época:
“O tenente-coronel José Félix Pereira de Burgos, em virtude de seus serviços prestados à causa do império, foi nomeado Barão de Itapecuru-mirim. Era muito talentoso, tinha muita ilustração, e gênio propenso às artes e ofícios mecânicos, porém por sua natural falta de critério, sempre passou por doido. Apesar de tudo isso, foi presidente e comandante das armas do Pará, e até ministro da guerra”.
Causa estranheza que na cidade que nomeia o Barão não haja nenhum logradouro público que faça lembrar a figura de José Félix Pereira de Burgos.
Era o Barão de Itapecuru Mirim um gênio ou um louco?
Pelo sua intelectualidade, pelas decisões cruciais que tomou, principalmente no episódio de adesão do Maranhão à Independência do Brasil; pelos postos que galgou na esfera administrativa e militar, tanto da Coroa como do Império; era sim dotado de capacidades especiais. Para ilustrar essa afirmativa, transcrevo um registro do Almanak Ministerial do Império, datado de 1834:
“Dia 23 de agosto de 1834, concedendo ao Barão de Itapecuru Mirim, pelo tempo de 10 annos, o uso exclusivo do Moinho de Descascar Arroz de sua invenção”.
Então de onde vem essa citação de que era um homem sem critério e conhecido como doido? Talvez sejam intrigas, possivelmente urdidas pelos portugueses que se consideraram traídos pela decisão do Barão de aliar-se à causa brasileira da independência. Também pode ter sido coisa inventada no dia primeiro de abril?
E essa informação de que era inventor reforça a tese de que o Barão de Itapecuru Mirim não tinha nada de doido – É que ai para os nossos lados, todas as pessoas que se aventuram em busca do novo, do desconhecido, são invariavelmente taxadas de malucas... Imaginem inventar uma máquina de descascar arroz e eliminar os pilões de madeira e os balaios de crivar?
Só por essa invenção o Barão de Itapecuru Mirim já deveria ter um tratamento melhor no município e até no estado; mas ele foi muito além disso...Entendo que o José Félix Pereira de Burgos, O Barão de Itapecuru Mirim, para início de conversa, tem que ter seu nome avaliado como um dos Patronos da AcademiaItapecuruense de Ciências, Letras e Artes, entendo que ele merece muito mais!
O Barão de Itapecuru Mirim nasceufaleceu no Rio de Janeiro do dia 9 de abril de 1854.
JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.

5 comentários:

  1. Prezada, Jucey Saantana Jucey.

    Um amigo, de nome Domingues, me indicou a leitura do seu blogue. Parabéns. Uma verdadeira documentação Histórica.Tenho um blogue muito simplório, quando possível, visite-me. Tentei seguir o seu blogue, não consegui. Um abraço do www.josemariacosta.com

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    1. Obrigada amigo, o endereço é novo e ainda estamos fazendo ajustes. Também aceitamos colaboração.
      Um abraço
      Jucey Santana

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    2. Tenho uma obra sua, A Rua da Beira que até emprestei a uma amiga arariense que também amou

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  2. opa é muito bom saber que através de pessoas que se interessam em trazer a historia de nossa cidade, assim podemos aprender muito com relação aos acontecimentos marcantes de Itapecuru-Mirim-MA

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  3. Você é especial amigo Ailson, um grande colaborador e amigo da cultura itapecuruense

    Jucey

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