Na madrugada do dia 13 de março
de 1950 a população de Itapecuru Mirim foi despertada por ondas sonoras de um
famoso Dobrado Militar, denominado “Avante Camarada”, composto pelo baiano
Antonino Manoel do Espírito Santo. Era o prefixo e sufixo musical da VOZ
MARÍLIA, primeiro serviço de Alto-Falante genuinamente itapecuruense que estava
sendo inaugurado naquele dia. À medida que os sons da música iam perdendo
força, uma voz grave do locutor oficial, Sr. Renato Oliveira, que também ara
cantor e advogado provisionado, entrava no ar pela primeira vez para saudar
todos os itapecuruense e convidar para a solenidade oficial que se daria dali a
poucas horas e apresentar os outros locutores, Srs. João Batista Nogueira e
José Metre Fiquene . O Serviço de Alto-Falante passaria a funcionar pela manhã
e no final da tarde, como suporte de divulgação da programação do Cine Marília,
também inaugurado na mesma data.
Aquele som estridente gerado por
um toca disco de setenta e oito rotações, utilizando discos de vinil e agulhas
descartáveis, não representava uma novidade para muitos. Era que o padre Alteredo
Soeiro, então vigário da paróquia de Nossa Senhora das Dores, com a ajuda de
devotos e beneméritos da Igreja Católica, como o Sr. Abdala Buzar Neto, já
haviam conseguido trazer anteriormente, para temporadas de festas religiosas, a
Voz Pindorama, pertencente à paróquia de Coroatá, E o sucesso foi grande!
Meus pais eram muito ligados ao Padre Alteredo, que ficou na paróquia de Itapecuru Mirim até dezembro de 1950, quando foi transferido para o município de Codó/Ma. Ele, inclusive, é padrinho de um dos meus irmãos!
Mamãe contava que numa dessas
vindas da Voz Pindorama para Itapecuru Mirim, meu pai, José Ribamar Caldas
Lima, foi convidado pelo Padre Alteredo para fazer os trabalhos de locução. Ele
realmente tinha um vozeirão! Acontece que. com um microfone a sua frente pela
primeira vez, ele se empolgou e chegou até a sair do roteiro e cantar algumas
músicas de Vicente Celestino, grande sucesso naquela época e conhecido como Voz
Orgulho do Brasil. Das músicas que meu pai interpretou a que fez maior sucesso
foi “Mia Gioconda”, uma belíssima canção que conta a estória de amor entre uma
jovem italiana e um pracinha brasileiro, na Itália, durante a participação da
Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Em 1996, e também
agora da reapresentação, Mia Gioconda integra a trilha sonora da novela O Rei
do Gado. Dizia mamãe que muitas moiçolas choraram copiosamente no Largo com os
rumos daquela trágica despedida.
Mas voltemos aos serviços de
Alto-Falantes. Passado pouco mais de um mês, em 29 de abril de 1950, começou a
funcionar a Voz Paroquial São Benedito, sob responsabilidade da Paróquia de
Nossa Senhora das Dores. Contava com dois potentes amplificadores localizados
na antiga torre da igreja matriz e suas ondas sonoras cobriam toda a cidade. Toda
aparelhagem e um gerador de energia elétrica que ficava em uma casinha nos
fundos da igreja, também veio de doação do senhor Abdala Buzar Neto.
A programação também acontecia nos horários matutino e vespertino e, como era comum se iniciava e encerrava com uma música padrão, geralmente um dobrado, utilizados como prefixo e sufixo musical. A Voz Paroquial São Benedito teve vários locutores, destacando-se A. da Costa, o primeiro, Edmar Bezerra, Clóvis Cordeiro Mendes, que também era Sacristão da Igreja, Marcelino Nogueira, vulgo “Rim de Égua”; um senhor apelidado de “Manga Rosa e Edson Santos, entre outros.
No ano seguinte, 1951, mais um serviço de alto-falante foi instalado em Itapecuru Mirim – A Associação Radiofônica Voz do Comércio, com aparelhagem moderna adquirida em São Paulo e quatro potentes amplificadores de som, inaugurado em 9 de março de 1951, mais uma iniciativa do Professor João da Silva Rodrigues e seu filho Antônio Olívio Rodrigues, com estúdio localizado na Praça Gomes de Sousa, onde residiam. O locutor era o jovem intelectual Antônio Olívio Rodrigues, que faleceu prematuramente.
Na década de 60, mais um serviço
de alto-falante se instalou em nossa cidade, através da iniciativa do
empresário Raimundo Nonato Oliveira, o nosso conhecido Raimundo Sousa, a Voz
Santo Expedito, localizada na antiga Rua da Boiada, onde também residia o bem
sucedido empresário e proprietário do Armazém Santo Expedito, o maior empório
existente então no município. Além do suporte de propaganda dos
estabelecimentos comerciais, prestava os mesmos serviços comuns aos demais
alto-falantes. Neste tempo já não existia mais a Voz Marília.
A Voz Santo Expedito era mais
eclética e lembro bem que na campanha presidencial de 1960 o seu proprietário
em uma de suas viagens ao sul do país trouxe alguns discos da propaganda
eleitoral, principalmente de Jânio Quadros, e eram tão constantemente
executados que a meninada aprendeu de cor todas as músicas, principalmente uma
que falava na vassoura:
Varre,
varre vassourinha
Vai
varrendo a bandalheira
O povo
está cansado de sofrer dessa maneira...
Jânio Quadros a esperança de um povo abandonado
Jânio Quadros é a certeza de Brasil bom e honrado
Alerta meu irmão, vassoura conterrâneo:
Vamos Votar pró Jânio!”.
E deu no que deu!
Jânio Quadros a esperança de um povo abandonado
Jânio Quadros é a certeza de Brasil bom e honrado
Alerta meu irmão, vassoura conterrâneo:
Vamos Votar pró Jânio!”.
E deu no que deu!
Em outra
de suas viagens, trouxera para Itapecuru Mirim três aparelhos receptores de
imagens de TV. Nesse tempo ainda não existiam as repetidoras e as imagens da TV
Difusora, única em São Luís, não chegavam ao interior. A primeira tentativa
deu-se em sua residência com uma quase quilométrica antena construída com canos
de ferros articulados.. Pela altura desproporcional, a antena não conseguiu
ficar de pé espatifando-se em cima do telhado da casa. Surgiu, então, a ideia
genial de se colocar a antena na torre da igreja e o aparelho de TV num
pedestal na praça da matriz. Era uma multidão de candidatos a telespectadores e
eu no meio! Chegou a hora de ligar o aparelho, tarefa que coube ao locutor
oficial da Voz Santo Expedito, o citado “Rim de Égua”. Tensão total da multidão
e o aparelho foi ligado, e nada – só chuvisco!
Mexe aqui, mexe ali e, para espanto de todos, ouviu-se uma voz em espanhol, apenas o áudio –“ Television Cacacol... Diretamente de Caracas Venezuela” e foi só! Frustração total dos telespectadores, mais uma vez órfãos de imagens. Creio que esta foi também a primeira transmissão de TV da história de Itapecuru Mirim!
Ainda na década de 60, início de 70,
a Prefeitura Municipal de Itapecuru Mirim instalou um serviço de alto-falante
que funcionava das 19 às 21 horas, O locutor era o amigo Pedro Serra, falecido
no ano passado. Lembro muito bem, pois ficava localizado muito perto de minha
residência. Eu morava ali na Rua Urbano Santos e quase todas as noites, antes
de ter compromissos de namoro sério, ia prá lá acompanhar os trabalhos de
locução e discotecagem, mas o meu principal objetivo era ter a oportunidade de
um dia falar no microfone. Talvez coisas herdadas do pai!
Um belo dia, o Pedro Serra
convidou-me para ler um anúncio de um filme. E eu que ouvia todas as noites
pelo radinho de pilha, a Voz da América, iniciei minha locução da mesma forma
que o locutor da famosa rádio abria o seu programa de cinema – “Atenção fãs da
Sétima Arte”.... A partir daquele dia passei a anunciar os filmes em cartaz na
cidade, mais foi por pouco tempo. A Voz Municipal não teve vida longa!
Havia também os serviços de
alto-falantes exclusivo dos cinemas. Além da Voz Marília, que já mencionei,
lembro-me da Voz Itapecuru, vinculada ao cinema de um senhor conhecido como
Louzinho, que também era proprietário de uma fábrica de Sabão de Andiroba e
residia no início da antiga Rua do Egito, numa casa posteriormente vendida ao
Dr. Curtius. O seu cinema era quase que itinerante e funcionou no antigo
Colégio Bandeirantes, na varanda de um Casarão na Rua do Egito, onde hoje estar
localizado o Colégio Leonel Amorim e, ainda, naquela rua da Phamácia do Ozanan,
em um salão da residência do falecido José Baiano. O prefixo e sufixo musical
era a música “Assovio do Velho Oeste”, de Ennio Merricone. Uma canção
emblemática para os fãs de cinema!
O locutor era o próprio Senhor
Louzinho, que certa vez ao anunciar um famoso filme faroeste, um daqueles em
que John Wayne mata mil índios sem recarregar o revólver, pronunciou a seguinte
pérola: “Um Filme Indígena com Índios”!
Lembro, ainda, da Voz Itacira, também agregada a um cinema com o mesmo nome. Pertencia a um empresário de fora de Itapecuru Mirim e tinha como locutor um contemporâneo meu chamado Ywanques, não tenho certeza se a grafia encontara-se correta, mas essa era a pronúncia. Um certo dia os aparelhos de rádio da cidade começaram a sintonizar programas de uma chamada Rádio Itacira, que ninguém conhecia, mas conheciam a voz do locutor. Depois de alguns dias ficou-se sabendo que o proprietário da Voz Itacira tinha construído no seu quintal uma gerigonça com antenas feitas de bacias de alumínio que funcionava como emissora de rádio. Teve vida curta, mas pode ser considerada a primeira emissora de rádio de Itapecuru Mirim, com certeza! A programação de todos esses Serviços de Alto-Falantes era variada – Transmitiam propagandas, anúncios, convites, avisos particulares e institucionais, mensagens de amor, mensagens musicais, e até avisos fúnebres, diga-se, quando as mortes não eram originadas de atos violentos. Esses anúncios fúnebres eram geralmente transmitidos em edições especiais e, no caso na Voz Paroquial São Benedito, que funcionava na igreja matriz, precedidas por um repicar de sinos, denominados “sinais” que no meu tempo de menino eram feitos pelo Senhor Dazi, sineiro oficial da igreja.
Depois vinha a música que até
hoje não consigo esquecer os acordes melódicos e tristes. Só bem mais tarde fui
saber que se tratava da famosa Ave Maria de BACH/GOUNOD. No meio da música
vinha a mensagem com voz embargada do locutor “NOTA FÚNEBRE – Anunciamos, com
pesar, o falecimento daquela ou daquela que em vida se chamou .... O
sepultamento se dará às ... horas. Os familiares agradecem aqueles que
comparecerem a este ato de fé e piedade cristã.” Toda a cidade parava para
ouvir. Os serviços de alto-falantes faziam tudo que as rádios, televisões e redes
sociais fazem atualmente, só que em câmera lenta, sem imagens e para um público
limitado pela potência e quantidade de amplificadores. As imagens e personagens
íamos construindo conforme as palavras e emoções desenhadas pela voz do
locutor!
O sucesso desses serviços
aumentava de acordo com o calendário festivo da cidade. Nos finais de semana,
nas festas paroquiais, festas de fim de ano, período de campanhas eleitorais,
os serviços de alto-falantes aumentavam a alegria e curiosidades das pessoas.
Os locutores, geralmente donos de belíssima voz, tinham a sua linguagem própria
e seu charme. Rodavam os antigos e novos sucessos musicais, em discos de 78
rotações, quando ainda não existiam os LP’s.
Cobravam das pessoas um preço ínfimo pelas
mensagens de amor e músicas oferecidas. Certa vez um motorista de caminhão
passava por Itapecuru Mirim e seu carro apresentou uma pane. Era período da
Festa de São Benedito e ele logo arranjou uma namorada no largo e aproveitou
para mandar-lhe uma mensagem de amor pela Voz Paroquial São Benedito. Era uma
música de Waldick Soriano, intitulada Carta de Amor. A moça passeava
alegremente pelo largo com seu amado quando foi surpreendida pela mensagem –
“Querida M.D. (o nome da moça era Maria das Dores) aceite essa música como prova
de todo meu amor e carinho. Assinado O.X. = Ontoin Xofer. Foi um desastre, pois
a moça era professora normalista, formada na Escola Normal Regional Gomes de
Sousa – Ali mesmo o promissor namoro acabou!
Os serviços de alto-falantes
fazem parte da história de qualquer cidade, contribuíram muito para a cultura
local e a descoberta e formação de talentos artísticos e até para a construção
dos “causos” tão famosos no folclore da cidade.
Na música “Zé do Caroço”,
interpretada pelo cantor contemporâneo Seu Jorge, ele fala de um serviço de
alto-falante existente em um morro do Rio de Janeiro e como isso contribuiu
para a formação de uma liderança comunitária.
Comemora-se no mês de março aniversário de nascimento de JOÃO
FRANCISCO LISBOA, nascido no então distrito de Pirapemas, município de
Itapecuru Mirim, em 22 de março de 1812 e falecido em Lisboa em 26 de abril de
1863. Jornalista, historiador, escritor e fundador do famoso Jornal de Timon
que teve papel importante na história política e jornalística do Maranhão.
Dedicado aos estudos políticos, principalmente de cunho eleitoral, à história
do Brasil e à história do Maranhão, o ilustre conterrâneo tem sua obra até hoje
considerada única devido ao valor da análise crítica que comporta e à qualidade
da sua redação. É Patrono da Cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras e da
Cadeira 11 da Academia Maranhense de Letras. Integra, também, a Academia
Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes- AICLA, na condição da Patrono da
Cadeira nº 20, atualmente ocupada pelo amigo confrade João Boaventura Bandeira
de Melo.
JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.
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