quinta-feira, 21 de maio de 2015

Um dobrado ao alvorecer e outras histórias




SÉRIE CRÔNICAS – ANO   II /Nº 15/2015
Na madrugada do dia 13 de março de 1950 a população de Itapecuru Mirim foi despertada por ondas sonoras de um famoso Dobrado Militar, denominado “Avante Camarada”, composto pelo baiano Antonino Manoel do Espírito Santo. Era o prefixo e sufixo musical da VOZ MARÍLIA, primeiro serviço de Alto-Falante genuinamente itapecuruense que estava sendo inaugurado naquele dia. À medida que os sons da música iam perdendo força, uma voz grave do locutor oficial, Sr. Renato Oliveira, que também ara cantor e advogado provisionado, entrava no ar pela primeira vez para saudar todos os itapecuruense e convidar para a solenidade oficial que se daria dali a poucas horas e apresentar os outros locutores, Srs. João Batista Nogueira e José Metre Fiquene . O Serviço de Alto-Falante passaria a funcionar pela manhã e no final da tarde, como suporte de divulgação da programação do Cine Marília, também inaugurado na mesma data.

Aquele som estridente gerado por um toca disco de setenta e oito rotações, utilizando discos de vinil e agulhas descartáveis, não representava uma novidade para muitos. Era que o padre Alteredo Soeiro, então vigário da paróquia de Nossa Senhora das Dores, com a ajuda de devotos e beneméritos da Igreja Católica, como o Sr. Abdala Buzar Neto, já haviam conseguido trazer anteriormente, para temporadas de festas religiosas, a Voz Pindorama, pertencente à paróquia de Coroatá, E o sucesso foi grande!

Meus pais eram muito ligados ao Padre Alteredo, que ficou na paróquia de Itapecuru Mirim até dezembro de 1950, quando foi transferido para o município de Codó/Ma. Ele, inclusive, é padrinho de um dos meus irmãos!


Mamãe contava que numa dessas vindas da Voz Pindorama para Itapecuru Mirim, meu pai, José Ribamar Caldas Lima, foi convidado pelo Padre Alteredo para fazer os trabalhos de locução. Ele realmente tinha um vozeirão! Acontece que. com um microfone a sua frente pela primeira vez, ele se empolgou e chegou até a sair do roteiro e cantar algumas músicas de Vicente Celestino, grande sucesso naquela época e conhecido como Voz Orgulho do Brasil. Das músicas que meu pai interpretou a que fez maior sucesso foi “Mia Gioconda”, uma belíssima canção que conta a estória de amor entre uma jovem italiana e um pracinha brasileiro, na Itália, durante a participação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Em 1996, e também agora da reapresentação, Mia Gioconda integra a trilha sonora da novela O Rei do Gado. Dizia mamãe que muitas moiçolas choraram copiosamente no Largo com os rumos daquela trágica despedida.

Mas voltemos aos serviços de Alto-Falantes. Passado pouco mais de um mês, em 29 de abril de 1950, começou a funcionar a Voz Paroquial São Benedito, sob responsabilidade da Paróquia de Nossa Senhora das Dores. Contava com dois potentes amplificadores localizados na antiga torre da igreja matriz e suas ondas sonoras cobriam toda a cidade. Toda aparelhagem e um gerador de energia elétrica que ficava em uma casinha nos fundos da igreja, também veio de doação do senhor Abdala Buzar Neto.

A programação também acontecia nos horários matutino e vespertino e, como era comum se iniciava e encerrava com uma música padrão, geralmente um dobrado, utilizados como prefixo e sufixo musical. A Voz Paroquial São Benedito teve vários locutores, destacando-se A. da Costa, o primeiro, Edmar Bezerra, Clóvis Cordeiro Mendes, que também era Sacristão da Igreja, Marcelino Nogueira, vulgo “Rim de Égua”; um senhor apelidado de “Manga Rosa e Edson Santos, entre outros.
No ano seguinte, 1951, mais um serviço de alto-falante foi instalado em Itapecuru Mirim – A Associação Radiofônica Voz do Comércio, com aparelhagem moderna adquirida em São Paulo e quatro potentes amplificadores de som, inaugurado em 9 de março de 1951, mais uma iniciativa do Professor João da Silva Rodrigues e seu filho Antônio Olívio Rodrigues, com estúdio localizado na Praça Gomes de Sousa, onde residiam. O locutor era o jovem intelectual Antônio Olívio Rodrigues, que faleceu prematuramente.

Na década de 60, mais um serviço de alto-falante se instalou em nossa cidade, através da iniciativa do empresário Raimundo Nonato Oliveira, o nosso conhecido Raimundo Sousa, a Voz Santo Expedito, localizada na antiga Rua da Boiada, onde também residia o bem sucedido empresário e proprietário do Armazém Santo Expedito, o maior empório existente então no município. Além do suporte de propaganda dos estabelecimentos comerciais, prestava os mesmos serviços comuns aos demais alto-falantes. Neste tempo já não existia mais a Voz Marília.

A Voz Santo Expedito era mais eclética e lembro bem que na campanha presidencial de 1960 o seu proprietário em uma de suas viagens ao sul do país trouxe alguns discos da propaganda eleitoral, principalmente de Jânio Quadros, e eram tão constantemente executados que a meninada aprendeu de cor todas as músicas, principalmente uma que falava na vassoura:

Varre, varre vassourinha
Vai varrendo a bandalheira
O povo está cansado de sofrer dessa maneira...
Jânio Quadros a esperança de um povo abandonado
Jânio Quadros é a certeza de Brasil bom e honrado
Alerta meu irmão, vassoura conterrâneo:
Vamos Votar pró Jânio!”.
E deu no que deu!

Em outra de suas viagens, trouxera para Itapecuru Mirim três aparelhos receptores de imagens de TV. Nesse tempo ainda não existiam as repetidoras e as imagens da TV Difusora, única em São Luís, não chegavam ao interior. A primeira tentativa deu-se em sua residência com uma quase quilométrica antena construída com canos de ferros articulados.. Pela altura desproporcional, a antena não conseguiu ficar de pé espatifando-se em cima do telhado da casa. Surgiu, então, a ideia genial de se colocar a antena na torre da igreja e o aparelho de TV num pedestal na praça da matriz. Era uma multidão de candidatos a telespectadores e eu no meio! Chegou a hora de ligar o aparelho, tarefa que coube ao locutor oficial da Voz Santo Expedito, o citado “Rim de Égua”. Tensão total da multidão e o aparelho foi ligado, e nada – só chuvisco!

Mexe aqui, mexe ali e, para espanto de todos, ouviu-se uma voz em espanhol, apenas o áudio –“ Television Cacacol... Diretamente de Caracas Venezuela” e foi só! Frustração total dos telespectadores, mais uma vez órfãos de imagens. Creio que esta foi também a primeira transmissão de TV da história de Itapecuru Mirim!

           Ainda na década de 60, início de 70, a Prefeitura Municipal de Itapecuru Mirim instalou um serviço de alto-falante que funcionava das 19 às 21 horas, O locutor era o amigo Pedro Serra, falecido no ano passado. Lembro muito bem, pois ficava localizado muito perto de minha residência. Eu morava ali na Rua Urbano Santos e quase todas as noites, antes de ter compromissos de namoro sério, ia prá lá acompanhar os trabalhos de locução e discotecagem, mas o meu principal objetivo era ter a oportunidade de um dia falar no microfone. Talvez coisas herdadas do pai!

Um belo dia, o Pedro Serra convidou-me para ler um anúncio de um filme. E eu que ouvia todas as noites pelo radinho de pilha, a Voz da América, iniciei minha locução da mesma forma que o locutor da famosa rádio abria o seu programa de cinema – “Atenção fãs da Sétima Arte”.... A partir daquele dia passei a anunciar os filmes em cartaz na cidade, mais foi por pouco tempo. A Voz Municipal não teve vida longa!

Havia também os serviços de alto-falantes exclusivo dos cinemas. Além da Voz Marília, que já mencionei, lembro-me da Voz Itapecuru, vinculada ao cinema de um senhor conhecido como Louzinho, que também era proprietário de uma fábrica de Sabão de Andiroba e residia no início da antiga Rua do Egito, numa casa posteriormente vendida ao Dr. Curtius. O seu cinema era quase que itinerante e funcionou no antigo Colégio Bandeirantes, na varanda de um Casarão na Rua do Egito, onde hoje estar localizado o Colégio Leonel Amorim e, ainda, naquela rua da Phamácia do Ozanan, em um salão da residência do falecido José Baiano. O prefixo e sufixo musical era a música “Assovio do Velho Oeste”, de Ennio Merricone. Uma canção emblemática para os fãs de cinema!

O locutor era o próprio Senhor Louzinho, que certa vez ao anunciar um famoso filme faroeste, um daqueles em que John Wayne mata mil índios sem recarregar o revólver, pronunciou a seguinte pérola: “Um Filme Indígena com Índios”! 

Lembro, ainda, da Voz Itacira, também agregada a um cinema com o mesmo nome. Pertencia a um empresário de fora de Itapecuru Mirim e tinha como locutor um contemporâneo meu chamado Ywanques, não tenho certeza se a grafia encontara-se correta, mas essa era a pronúncia. Um certo dia os aparelhos de rádio da cidade começaram a sintonizar programas de uma chamada Rádio Itacira, que ninguém conhecia, mas conheciam a voz do locutor. Depois de alguns dias ficou-se sabendo que o proprietário da Voz Itacira tinha construído no seu quintal uma gerigonça com antenas feitas de bacias de alumínio que funcionava como emissora de rádio. Teve vida curta, mas pode ser considerada a primeira emissora de rádio de Itapecuru Mirim, com certeza! A programação de todos esses Serviços de Alto-Falantes era variada – Transmitiam propagandas, anúncios, convites, avisos particulares e institucionais, mensagens de amor, mensagens musicais, e até avisos fúnebres, diga-se, quando as mortes não eram originadas de atos violentos. Esses anúncios fúnebres eram geralmente transmitidos em edições especiais e, no caso na Voz Paroquial São Benedito, que funcionava na igreja matriz, precedidas por um repicar de sinos, denominados “sinais” que no meu tempo de menino eram feitos pelo Senhor Dazi, sineiro oficial da igreja.

Depois vinha a música que até hoje não consigo esquecer os acordes melódicos e tristes. Só bem mais tarde fui saber que se tratava da famosa Ave Maria de BACH/GOUNOD. No meio da música vinha a mensagem com voz embargada do locutor “NOTA FÚNEBRE – Anunciamos, com pesar, o falecimento daquela ou daquela que em vida se chamou .... O sepultamento se dará às ... horas. Os familiares agradecem aqueles que comparecerem a este ato de fé e piedade cristã.” Toda a cidade parava para ouvir. Os serviços de alto-falantes faziam tudo que as rádios, televisões e redes sociais fazem atualmente, só que em câmera lenta, sem imagens e para um público limitado pela potência e quantidade de amplificadores. As imagens e personagens íamos construindo conforme as palavras e emoções desenhadas pela voz do locutor!

O sucesso desses serviços aumentava de acordo com o calendário festivo da cidade. Nos finais de semana, nas festas paroquiais, festas de fim de ano, período de campanhas eleitorais, os serviços de alto-falantes aumentavam a alegria e curiosidades das pessoas. Os locutores, geralmente donos de belíssima voz, tinham a sua linguagem própria e seu charme. Rodavam os antigos e novos sucessos musicais, em discos de 78 rotações, quando ainda não existiam os LP’s.

         Cobravam das pessoas um preço ínfimo pelas mensagens de amor e músicas oferecidas. Certa vez um motorista de caminhão passava por Itapecuru Mirim e seu carro apresentou uma pane. Era período da Festa de São Benedito e ele logo arranjou uma namorada no largo e aproveitou para mandar-lhe uma mensagem de amor pela Voz Paroquial São Benedito. Era uma música de Waldick Soriano, intitulada Carta de Amor. A moça passeava alegremente pelo largo com seu amado quando foi surpreendida pela mensagem – “Querida M.D. (o nome da moça era Maria das Dores) aceite essa música como prova de todo meu amor e carinho. Assinado O.X. = Ontoin Xofer. Foi um desastre, pois a moça era professora normalista, formada na Escola Normal Regional Gomes de Sousa – Ali mesmo o promissor namoro acabou!

Os serviços de alto-falantes fazem parte da história de qualquer cidade, contribuíram muito para a cultura local e a descoberta e formação de talentos artísticos e até para a construção dos “causos” tão famosos no folclore da cidade.

Na música “Zé do Caroço”, interpretada pelo cantor contemporâneo Seu Jorge, ele fala de um serviço de alto-falante existente em um morro do Rio de Janeiro e como isso contribuiu para a formação de uma liderança comunitária.

Comemora-se no mês  de março aniversário de nascimento de JOÃO FRANCISCO LISBOA, nascido no então distrito de Pirapemas, município de Itapecuru Mirim, em 22 de março de 1812 e falecido em Lisboa em 26 de abril de 1863. Jornalista, historiador, escritor e fundador do famoso Jornal de Timon que teve papel importante na história política e jornalística do Maranhão. Dedicado aos estudos políticos, principalmente de cunho eleitoral, à história do Brasil e à história do Maranhão, o ilustre conterrâneo tem sua obra até hoje considerada única devido ao valor da análise crítica que comporta e à qualidade da sua redação. É Patrono da Cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras e da Cadeira 11 da Academia Maranhense de Letras. Integra, também, a Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes- AICLA, na condição da Patrono da Cadeira nº 20, atualmente ocupada pelo amigo confrade João Boaventura Bandeira de Melo.


JOSEMAR SOUSA LIMA é economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.

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