CRÔNICA
DE MAIO –O
jornalista Benedito Bogéa Buzar, em seu livro “O Dia a Dia do Itapecuru-Mirim”,
faz duas referências ao “Forte do Calvário”, localizado no vizinho município de
Rosário/Ma, ambas vinculadas a fatos históricos relevantes para o município de
Itapecuru Mirim:
“Dia 27 de Maio de 1682 – Para atender
aos que se levantavam contra o estanco, o novo governador do Maranhão,
Francisco de Sá Meneses, manda alagar a povoação de Itapecuru. Para assegurar
as utilidades das margens do rio que banha a povoação, fez levantar doze léguas
acima de sua foz uma casa forte, sob invocação do Santo Cristo”.
“Dia 30 de Setembro de 1642 –
Insurreição dos lavradores da Ribeira do Itapecuru, sob o comando de Antônio
Muniz Barreiro. Os sublevados, em número de 50, atacaram e assaltaram os
engenhos da foz do Itapecuru e o Forte do Calvário, no Rosário, cuja guarnição
era composta por 70 homens”.
César Augusto Marques, no Dicionário
Histórico-Geográfico da Província do Maranhão, editado em 1870, apresenta
outras ocorrências que demonstram como o Forte do Calvário participou
ativamente dos primeiros momentos da formação de nossa história:
Ele cita, por exemplo, o seu papel
estratégico na Guerra contra os invasores Holandeses e na Guerra da Balaiada.
O jornalista, biógrafo e
escritoritapecuruense, Antônio Henriques Leal, no seu livro “Apontamentospara a
História dos Jesuítas no Brasil (1874)”, também discorre com detalhes sobre o
episódio decorrente da invasão holandesa e seus desdobramentos na região.
Mas antes, vamos conhecer a história do
Forte do Calvário, digo, Forte de Vera Cruz, pois essa era sua denominação quando
construído em 1620, na Povoação de Nossa Senhora do Rosário, atualmente
Rosário, na foz do Rio Itapecuru, por Bento Maciel Parenteque, neste período,
ainda não era governador do Maranhão. Em ordem cronológica foi a sexta
fortificação erigida no estado do Maranhão, após a construção do Forte
Baluarte, edificado por La Ravardière, logo após a fundação de São Luís em
1612.
A fundação do forte tem como pano de
fundo uma disputa política, conforme descreve BERREDO (Anais Históricos), que
se refere à chegada de Bento Maciel Parente à cidade de Belém em 1616:
“Ardendo
nos desejos de ocupar o governo da Capitania , intentou lograr as suas
esperanças pelos meios ilícitos das alterações do sossego público; mas o
Capitão-Mor Pedro Teixeira, que era tão valoroso como acautelado, desenganou de
sorte as suas pretensões, que se recolheu logo ao Maranhão, onde fundou um
forte no Rio Itapecuru”.
Completa a informação referindo-se que o
forte foi erguido em 1620 para defesa contra os ataques indígenas, que
ameaçavam o cultivo da cana de açúcar (p. cit., p. 284).
Bento Maciel Parente nasceu na cidade de
Caminha/Portugalem 1567 e faleceu em Recife/Pernambuco em 1642. Foi veterano
das guerras da Paraíba e do Rio Grande do Norte, onde participou da construção
do Forte de São Felipe e da Fortaleza dos Reis Magos.
Durante o período da União Ibérica,
Bento Maciel Parente fez parte da vitoriosa campanha de Alexandre de Moura,
sendo enviado numa expedição que partiu de Pernambuco com a finalidade de
expulsar os franceses do Maranhão, fazendo brilhante campanha, obrigando o
invasor a capitular no dia 1 de novembro de 1615.
Com a ascensão de Jerônimo de
Albuquerque ao governo do estado do Maranhão, em janeiro de 1616, foi nomeado
“Capitão de Estradas” e, como nossas estradas eram os rios, durante uma década
explorou todos os principais cursos d’água que desembocavam na Baia de São
Marcos. Seguindo os exemplos e processos dos bandeirantes, construiu o Forte de
Vera Cruz do Itapecuru.
Bento Maciel Parente foi um dos
eleitores das primeiras eleições para a Câmara Municipal de São Luís, em 1619,
quando chegaram ao Maranhão os primeiros açorianos. Em 1630, a Capitania de
Pernambuco foi invadida pelos holandeses. Bento Maciel Parente foi consultado
e, logo depois, enviado para a luta, participando de várias fases da
resistência.
No ano de 1636, com a morte de Francisco
Coelho de Carvalho, governador do estado do Maranhão, Jácome Raimundo de
Noronha assumiu interinamente. Finalmente, em junho de 1637, Bento Maciel
Parente foi nomeado para o seu antigo sonho, governar o Maranhão.
Durante o período da segunda Invasão
Holandesa ao Brasil (1630/1654),quando São Luís voltou a ser conquistada, em 25
de novembro de 1641, o Forte de Vera Cruz foi ocupado pelos holandeses. A
historiografia brasileira reporta que, naquele momento os invasores holandeses
confiscaram os cinco mais importantes engenhos existentes às margens do Rio
Itapecuru estabeleceram um pagamento de cinco mil arrobas de açúcar, e que, com
o produto da arrecadação, reedificaram e alargaram o Forte de Vera Cruz, então
desguarnecido e em ruínas.
Contra essa decisão os legítimos donos
dos engenhos, agora sob administração dos holandeses,buscaram reforços junto a
Pedro Maciel Parente, Capitão-Mor do Grão Pará, de seu irmão João Velho do
Vale, ambos sobrinhos de Bento Maciel Parente e, ainda, de colonos descontentes
da região, a partir da povoação denominada “Feira”, que deu origem à cidade de
Itapecuru Mirim, articularam um levante
contra os invasores e começaram a atacar
os engenhos tomados e minar as forças
adversárias, contando com apoio do chefe indígena JoacabaMitangai, padres
Jesuítas e outros aliados da causa.
Os engenhos foram tomados um a um e os
holandeses que os administravam foram mortos, quase todos degolados, exceção de
um dos engenhos onde os holandeses foram poupados, mas posteriormente mortos
pelos encarregados de vigiá-los.
Em 30 de setembro de 1642, os portugueses, juntos com os itapecuruenses
incorporados à luta, mesmo inferiorizados em número de combatentes,
empreenderam uma batalha épica e, após a retomada dos engenhos, dirigiram-se
rumo à povoação Calvário do Itapecuru, vencendo os holandeses, apoderando-se do
Forte de Vera Cruz e de sua artilharia, composta de oito canhões, sendo que
dois deles foram transportados e usados nas batalhas de São Luis. A conquista
do Forte de Vera Cruz abriu as portas para a expulsão definitiva dos holandeses
do território maranhense dois anos depois. As batalhas para retomada dos
engenhos e conquista do Forte Calvário contabilizaram mais de trezentos mortos,
muito deles itapecuruenses que não aceitaram a dominação dos aventureiros
neerlandeses.
Bento Maciel Parente não teve condições
de comemorar esse tão expressivo acontecimento vivido no Forte de Vera Cruz,
produto de sua imaginação, persistência, articulações políticas lícitas ou não
e um rosário de lutas. Na verdade o Forte de Vera Cruz representou a pedra
angular do sonho de Bento Maciel Parente em governar o estado do Maranhão. E
ele conseguiu...
Em fevereiro de 1642, vítima de um
sórdido plano arquitetado pelos holandeses,o governador do Maranhão foi feito
prisioneiro e mandado pelo Conde Maurício de Nassau para a Fortaleza dos Reis
Magos, coincidentemente construída pelo próprio Bento Maciel Parente. Não
suportou a humilhação de ver-se aprisionado numa fortaleza que ele mesmo
construíra no início de suas aventuras pelas terras brasilis. Faleceu a bordo
do navio que o levava para a prisão, nas proximidades de Recife/Pe, em
fevereiro de 1642.
A reação contra a presença holandesa no
Brasil fortaleceu-sequando, ainda em 1644, os holandeses foram expulsos do
Maranhão, após uma ocupação de vinte e sete meses e tudo começou aqui no
município de Itapecuru Mirim, inclusive com a participação de colonos
itapecuruenses que viram seus locais de trabalho serem ocupados por
estrangeiros e, ainda, inspirou a Insurreição Pernambucana logo no ano seguinte
que, numa aliança entre os moradores de Pernambuco e os portugueses, culminou
com a derrota dos holandeses e sua expulsão definitiva do Brasil, em 1654.
Em 1661, na cidade de holandesa de Haia,
Portugal e Holanda assinaram um acordo que estabelecia uma indenização devida
aos holandeses pelos investimentos no Brasil. Essa é uma versão contestada por
alguns historiadores brasileiros que argumentam e apresentam provas documentais
de que Portugal jamais tinha condições militares de vencer a Holanda, então
grande potência dos mares, e o que na verdade aconteceu foi a compra do
nordeste por Portugal, com pagamento em açúcar produzido na própria região e
cobre das colônias africanas. Mas essa é outra história...
O Forte de Vera Cruz ou Forte do
Calvário ganha importância para o município de Itapecuru Mirim no contexto da
Guerra da Balaiada (1838/1841) quando o 1º Tenente de Engenheiros, João Vito
Viera da Silva, encarregado pela presidência da Província da fortificação da
Vila de Rosário, procedeu à reconstrução do Forte de Vera Cruz, em 1840.
Reconstruiu o portão principal, que não
tinha coxia – uma espécie de proteção estratégica contra ataques -,ergueu uma dependência para oficial inferior, o
corpo da guarda, casa do comandante e armazém da pólvora; calçou a praça
superior, ergueu duas paredes para conter o aterro da citada praça e duas
plataformas de artilharia, tendo gasto apenas 2:728$980 réis, pelo que recebeu
elogios do então Marquês de Caxias, que tinha seu quartel general instalado no
prédio da Cadeia Pública de Itapecuru Mirim, e era o Presidente da Província do
Maranhão e Comandante das Armas.
O
resultado dessa carnificina perpetrada por Caxias contra a população rebelada
todos nós já conhecemos, pois o capítulo final deu-se ai em Itapecuru Mirim, na
Praça do Mercado em 19 de setembro de 1842, com o enforcamento de Dom Cosme
Bento das Chagas, o Negro Cosme.
Conforme citação do Buzar, referenciada
no início desta crônica, durante o governo de Francisco de Sá Menezes, o Forte
de Vera Cruz ou Forte do Calvário, foi reedificado em 1682, inclusive com a
realização de obras de alargamento das margens na Vila de Itapecuru Mirim, onde
se concentrava as tropas de segurança da região.
O Forte foi construído sob a denominação
original de Forte de Vera Cruz e a mudança do nome para Forte do Calvário, como
atualmente é conhecido, deu-se em razão dele ter sido edificado sobre uma
elevação denominada de Monte Calvário, onde remotamente existia uma povoação
denominada Calvário do Itapecuru, muito possivelmente em razão da Cachoeira de
Vera Cruz, localizada próxima à fortaleza e que representava à época um grande
perigo para as embarcações que tentavam ultrapassá-la, condição só conseguida
quando a maré estava alta. A cachoeira, esta sim, tomou emprestado o nome da
fortaleza.
Há informações oficiosas que o Governo
do Maranhão recorreu a estudos do matemático itapecuruense Joaquim Gomes de
Sousa, para os trabalhos de desobstrução da Cachoeira de Vera Cruz.
A propósito dessa fortificação, de seu
abandono e dos perigos oferecidos pela cachoeira, assim descreveu Spix, quando
de sua viagem de Caxias a São Luís em 1819:
“Nesta
região levantaram os portugueses, em 1620, à margem direita do rio, um fortim,
a Fortaleza do Calvário ou Vera Cruz – destinada a conter os índios hostis
destas paragens; ele, entretanto, desde algum tempo, jaz em ruínas”.
Essa afirmação vem a confirmar que o
nome Forte do Calvário não é recente e prevaleceu ao longo do tempo sobre a
denominação atribuída pelo seu idealizador e construtor.
As ruínas do Forte do Calvário,
propriedade do município de Rosário, encontram-se tombadas pelo Decreto
Estadual nº 11.588, datado de 12 de outubro de 1990, publicado no Diário
Oficial do Estado em 24 do mesmo mês (Inscrição nº 47 no Livro de Tombo
Estadual, fl. 10, em 29 de novembro de 1990). Projetava-se, à época,a sua restauração
e requalificação como espaço museológico municipal, o que não ocorreu,
permanecendo as ruínas em condições precárias, encobertas pela mata, com acesso
mediante estrada carroçal.
No ano de 2009 foram iniciados
entendimentos entre a Prefeitura Municipal de Rosário e o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN visando o tombamento das
ruínas como patrimônio nacional. Para esse fim, foram realizadas visitas
preliminares de avaliação por técnicos do referido Instituto. A municipalidade
pretendia a recuperação e requalificação do sírio do Forte do Calvário com
finalidades turísticas, integrando-o ao fluxo turístico dos Lençóis
Maranhenses.
O cenário que percorremos nesta crônica,
os primeiros 45 anos do século XII, mostra o inicio do processo de colonização
da região de influência da foz do Rio Itapecuru e os interesses, muitas das
vezes coincidentes e em outras divergentesdos diversos atores que atuavam nesse
cenários, destacando-se os governantes na eterna luta pelo poder e, ainda,
enfrentando a cobiça internacional sobre a nova terra; a grande influência dos
jesuítas, principalmente nos primeiros contatos com os índios e no seu
recrutamento para as lutas induzidas, onde eles eram sempre as maiores vítimas,
os primeiros episódios de enfrentamento da exploração escravagista e as
articulações já nada republicanas entre os governantes e as elites rurais, sem
falar no nepotismo já identificado na
concessão das terras e na implantação de engenhos na região, sem falar na
importância do Rio Itapecuru como a avenida por onde desfilavam todos esses
egos.
Nós, itapecuruenses,vamos aqui ficar
torcendo pela recuperação do Forte do Calvário pois, como vimos, temos muitos
laços de vida e de morte, além do Rio Itapecuru, que nos unem perpetuamente.
JOSEMAR SOUSA LIMA é
economista, com especialização em Desenvolvimento Rural Sustentável e membro da
Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes – AICLA.
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