Por: João Carlos Pimentel Cantanhede
Era final de tarde, dia 20 de setembro de 1951, uma quinta-feira. A cidade de Itapecuru Mirim estava calma. A sombra já se alongava na porta da casa de Mariana Luz, na Rua Caiana (atual Avenida Brasil). Ela estava sentada numa velha cadeira preguiçosa lendo um pequeno livro de sonetos quando alguém se aproxima. Ao erguer os olhos ela reconhece o visitante e o cumprimenta:
– Boa tarde padre, que bons ventos o trazem à minha singela residência?
– Boa tarde Sianica! – respondeu o padre Albino Campos, que estava indo para a igreja, mas encostou para palestrar um pouco com a, já octogenária, intelectual itapecuruense.
– Eu estou indo para a igreja.
Sente-se padre! – falou Mariana Luz apontando para uma cadeira de palhinha posta ao lado da sua, possivelmente, à espera de alguma visita para quebrar o silêncio do final de tarde.
– A demora é pouca, Sianica. A senhora se lembra de monsenhor Dourado?
Ele estava se referindo ao monsenhor Joaquim Martins Dourado, pároco da cidade de Rosário, e que por três vezes assumiu também a Paróquia de Nossa Senhora das Dores: a primeira vez, de 1907 a 1915, após a ida de padre Aderaldo para Brejo; a segunda, de 1927 a 1929; e a última, de 1934 a 1936. Estas duas últimas quando ele já era monsenhor.
– Lembro sim, padre Albino!
– Lamento lhe dizer Sianica, mas infelizmente ele faleceu!
– Que Deus o tenha! Como é que foi?
– Sianica, é uma longa história! A senhora tem acompanhado os acontecimentos políticos no Maranhão?
– Um pouco. Eu sei que Vitorino conseguiu eleger Eugênio Barros de maneira fraudulenta e a população se revoltou em várias partes do estado.
– Senhora, o pior de tudo aconteceu antes de ontem. Eugênio Barros organizou a cerimônia de posse no Palácio dos Leões guarnecido pelo exército e pela polícia, e a oposição convocou a população para as ruas.
– Mas como foi que o monsenhor Dourado entrou nessa história? – indagou Mariana Luz.
– Bom, ele era membro do partido de Vitorino e muito amigo de Eugênio Barros. E por isso, resolveu ir de Rosário para prestigiar e abençoar a posse do seu amigo. O problema é que os arredores do palácio estavam isolados para evitar a aproximação dos revoltosos.
Para tentar romper o cerco, o ônibus que trazia o padre e dezenas de outros correligionários, entrou na Avenida D. Pedro II pela rua lateral à praça Benedito Leite, e a polícia pensando que eram revoltosos, crivou o ônibus de bala.
Os passageiros se jogaram no assoalho do ônibus, porém, mesmo assim, mais de trinta ficaram feridos e alguns vieram a falecer, como foi o caso do monsenhor Dourado. Ele chegou a ser levado para o hospital Tarquínio Lopes e foi submetido a procedimento cirurgico para a retirada da bala, mas devido a idade avançada, acabou não resistindo.
– Minha Nossa Senhora, mas que tragédia. Aonde vamos parar com tanta violência, padre Albino?!
– Pois é Sianica, o venerando amigo morreu dessa forma estúpida! O seu corpo foi levado para Rosário, para ser enterrado na terra onde serviu por 44 anos. Desculpe-me por lhe trazer essa história ruim numa tarde tão bonita como esta. Eu já vou indo para a igreja fazer umas orações em intenção ao saudoso monsenhor Dourado. Fique com Deus Sianica!
– Também vou rezar por ele. Benção padre!
– Deus lhe abençõe!
FIM
NOTA DO AUTOR:
Monsenhor Joaquim Martins Dourado — Nasceu aos 12 de Agosto de 1878 em Beberibe, Ceará. Filho do lavrador José Martins Dourado e de Maria de Jesus Rodrigues Dourado. Aos 19 anos entrou para o Seminário da Fortaleza, onde estudou durante quatro anos, e transferiu-se para o Seminário de São Luís do Maranhão, onde foi ordenado aos 8 de Dezembro de 1906. Em 1907, foi nomeado vigário da Paróquia de Rosário. Por diversas vezes, respondeu também pelas paróquias de Itapecuru Mirim, Vargem Grande e Anajatuba. Faleceu aos 20 de setembro de 1951.
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