sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A FÁBRICA QUE VIROU MUSEU

Por Benedito Buzar
Eu era garoto quando troquei Itapecuru por São Luis, após a conclusão do curso primário, no Grupo Escolar Gomes de Sousa, para continuar os estudos no Colégio dos Irmãos Maristas, em novas instalações na Quinta do Barão, depois de anos de funcionamento no prédio da Arquidiocese, na Avenida Pedro II.
Submetido ao regime de internato, eu só podia deixar o colégio aos domingos e desde que apresentasse bom comportamento e exemplar rendimento escolar. Afora essa “folga”, sair daquela “prisão” só com os pais ou por ordem deles.
Adorava quando o meu pai vinha a São Luis, pois ao seu lado passava o dia na Praia Grande, onde se concentravam as mais conceituadas firmas comerciais e os escritórios dos capitães de indústria. Era ali que comerciantes, como ele, negociavam os produtos primários produzidos no interior do estado – algodão, arroz, babaçu, mandioca, gergelim e fibras, para se transformarem em bens industrializados e chegarem ao mercado nacional e internacional, como era o algodão hidrófilo, produzido pela Fábrica Martins, com grande aceitação na França.
Naquele meu tempo de infante, o Maranhão ainda carecia de estradas de rodagem e de porto. As rodovias, só vieram a ser abertas no final da década de 1950, no governo do presidente Juscelino Kubitscheck, para integrarem o Nordeste ao Sudeste brasileiro. Porto adequado e equipado, só nos meados da década de 1960, no mandato do governador José Sarney, com a construção de Itaqui.
Sem estradas e porto, era através de navios ancorados em alto-mar, que os negociantes maranhenses importavam os produtos manufaturados e exportavam as matérias- primas para os centros mais adiantados.
Nessas andanças inesquecíveis com o meu genitor- Abdala Buzar, conheci diversos estabelecimentos comerciais, localizados na Praia Grande, que nunca saíram da minha memória, a exemplo de Martins Irmãos, Francisco Aguiar, Chames Aboud, Lima Farias, Moreira Sobrinho, Salim Duailibe, Talib Naufel, Lages e Companhia, A.O.Gaspar, Cunha Santos e outras de realce no panorama econômico maranhense, que contribuíram para o engrandecimento de nossa terra e se eternizaram.
Além de tê-las como referências, comigo ficaram as imagens físicas dos condutores de tão notáveis empreendimentos. Figuras da têmpera e da envergadura de João Pereira Martins, Ernani Aguiar, Eduardo Aboud, Avelino Farias, Salim Duailibe, Armando Gaspar e Manoel Lages Castelo, continuam reverenciadas como representantes de uma fase emblemática em que o comércio e a indústria tinham eloqüente peso na economia estadual, por isso, eram ouvidos e consultados pelo poder público.
A luta desses homens na cena administrativa do Maranhão foi fantástica e exemplar. Até mesmo em momentos adversos e ditatoriais, não se curvaram e nem se intimidaram com as ameaças dos detentores do poder, nas suas vontades de passarem por cima da lei e dos interesses da sociedade.
Conquanto adolescente e com o olhar de admiração, via como eram altivos e serenos no trato dos negócios com o meu pai, sempre bem recebido em seus gabinetes de trabalho. Sabiam valorizar os que com eles trabalhavam, dentro de uma reciprocidade respeitosa em que a palavra empenhada era honrada a todo custo.
Das firmas visitadas, uma especialmente me marcou: a Martins Irmãos, com escritório montado na Rua Portugal, num prédio azulejado e de três pavimentos. Ali, pela primeira vez, vi uma engenhoca chamada elevador. Era o que existia em São Luis e motivo de curiosidade. Para os padrões da época, era um equipamento avançado, mas metia medo em que nele colocava os pés pela primeira vez.
Também, não esqueço um produto fabricado pela Martins Irmãos, muito consumido no Maranhão e no Nordeste brasileiro: o sabão Martins, à base do óleo de andiroba. Naquele tempo não se falava em marketing, mas o produto tinha grande aceitação no mercado por duas mensagens de propaganda comercial.  Uma dizia: “Sabão Martins sempre imitado, jamais igualado”. A outra: “Uma mão lava a outra; sabão Martins lava as duas”.  Ambas geniais. Desconheço o autor, mas ele merece ser cultuado e premiado in memorian, pela criação de duas peças de marketing que ficaram no imaginário popular.
No momento em que estas evocações vêem à tona, eis que a Martins Irmãos volta à cena não como uma empresa simplesmente acabada ou desaparecida da vida maranhense. Absolutamente. Ela ressurge não como algo de um passado distante, mas sendo uma força viva e presente, a mostrar que mesmo sob a forma de ruínas, sua gloriosa trajetória e seu desempenho inigualável na economia estadual permanecem pelos formidáveis produtos que fabricou, pela riqueza que gerou e pela expressiva quantidade de empregos oferecidos ao nosso povo.
A ressurreição fantástica da Martins Irmãos ocorre pela simbiose de duas instituições: uma privada, o Grupo Mateus; a outra, pública, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, através da superintendência no Maranhão, que teve a felicidade de há anos ser dirigida pela competente profissional Kátia Bogéa, que deixa o cargo de maneira altaneira e com o reconhecimento total de São Luis, pela qual tanto lutou e impediu de se transformar numa cidade sem alma e vida.

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