Por Benedito Buzar
Eu era
garoto quando troquei Itapecuru por São Luis, após a conclusão do curso
primário, no Grupo Escolar Gomes de Sousa, para continuar os estudos no Colégio
dos Irmãos Maristas, em novas instalações na Quinta do Barão, depois de anos de
funcionamento no prédio da Arquidiocese, na Avenida Pedro II.
Submetido
ao regime de internato, eu só podia deixar o colégio aos domingos e desde que
apresentasse bom comportamento e exemplar rendimento escolar. Afora essa
“folga”, sair daquela “prisão” só com os pais ou por ordem deles.
Adorava
quando o meu pai vinha a São Luis, pois ao seu lado passava o dia na Praia
Grande, onde se concentravam as mais conceituadas firmas comerciais e os
escritórios dos capitães de indústria. Era ali que comerciantes, como ele,
negociavam os produtos primários produzidos no interior do estado – algodão,
arroz, babaçu, mandioca, gergelim e fibras, para se transformarem em bens
industrializados e chegarem ao mercado nacional e internacional, como era o
algodão hidrófilo, produzido pela Fábrica Martins, com grande aceitação na
França.
Naquele meu
tempo de infante, o Maranhão ainda carecia de estradas de rodagem e de porto.
As rodovias, só vieram a ser abertas no final da década de 1950, no governo do
presidente Juscelino Kubitscheck, para integrarem o Nordeste ao Sudeste
brasileiro. Porto adequado e equipado, só nos meados da década de 1960, no
mandato do governador José Sarney, com a construção de Itaqui.
Sem
estradas e porto, era através de navios ancorados em alto-mar, que os
negociantes maranhenses importavam os produtos manufaturados e exportavam as
matérias- primas para os centros mais adiantados.
Nessas
andanças inesquecíveis com o meu genitor- Abdala Buzar, conheci diversos
estabelecimentos comerciais, localizados na Praia Grande, que nunca saíram da
minha memória, a exemplo de Martins Irmãos, Francisco Aguiar, Chames Aboud,
Lima Farias, Moreira Sobrinho, Salim Duailibe, Talib Naufel, Lages e Companhia,
A.O.Gaspar, Cunha Santos e outras de realce no panorama econômico maranhense,
que contribuíram para o engrandecimento de nossa terra e se eternizaram.
Além de
tê-las como referências, comigo ficaram as imagens físicas dos condutores de
tão notáveis empreendimentos. Figuras da têmpera e da envergadura de João
Pereira Martins, Ernani Aguiar, Eduardo Aboud, Avelino Farias, Salim Duailibe,
Armando Gaspar e Manoel Lages Castelo, continuam reverenciadas como
representantes de uma fase emblemática em que o comércio e a indústria tinham
eloqüente peso na economia estadual, por isso, eram ouvidos e consultados pelo
poder público.
A luta
desses homens na cena administrativa do Maranhão foi fantástica e exemplar. Até
mesmo em momentos adversos e ditatoriais, não se curvaram e nem se intimidaram
com as ameaças dos detentores do poder, nas suas vontades de passarem por cima
da lei e dos interesses da sociedade.
Conquanto
adolescente e com o olhar de admiração, via como eram altivos e serenos no
trato dos negócios com o meu pai, sempre bem recebido em seus gabinetes de
trabalho. Sabiam valorizar os que com eles trabalhavam, dentro de uma
reciprocidade respeitosa em que a palavra empenhada era honrada a todo custo.
Das firmas
visitadas, uma especialmente me marcou: a Martins Irmãos, com escritório
montado na Rua Portugal, num prédio azulejado e de três pavimentos. Ali, pela
primeira vez, vi uma engenhoca chamada elevador. Era o que existia em São Luis
e motivo de curiosidade. Para os padrões da época, era um equipamento avançado,
mas metia medo em que nele colocava os pés pela primeira vez.
Também, não
esqueço um produto fabricado pela Martins Irmãos, muito consumido no Maranhão e
no Nordeste brasileiro: o sabão Martins, à base do óleo de andiroba. Naquele
tempo não se falava em marketing, mas o produto tinha grande aceitação no
mercado por duas mensagens de propaganda comercial. Uma dizia: “Sabão
Martins sempre imitado, jamais igualado”. A outra: “Uma mão lava a outra; sabão
Martins lava as duas”. Ambas geniais. Desconheço o autor, mas ele merece
ser cultuado e premiado in memorian, pela criação de duas peças de marketing
que ficaram no imaginário popular.
No momento
em que estas evocações vêem à tona, eis que a Martins Irmãos volta à cena não
como uma empresa simplesmente acabada ou desaparecida da vida maranhense.
Absolutamente. Ela ressurge não como algo de um passado distante, mas sendo uma
força viva e presente, a mostrar que mesmo sob a forma de ruínas, sua gloriosa
trajetória e seu desempenho inigualável na economia estadual permanecem pelos
formidáveis produtos que fabricou, pela riqueza que gerou e pela expressiva
quantidade de empregos oferecidos ao nosso povo.
A
ressurreição fantástica da Martins Irmãos ocorre pela simbiose de duas
instituições: uma privada, o Grupo Mateus; a outra, pública, o Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, através da superintendência no Maranhão, que
teve a felicidade de há anos ser dirigida pela competente profissional Kátia
Bogéa, que deixa o cargo de maneira altaneira e com o reconhecimento total de
São Luis, pela qual tanto lutou e impediu de se transformar numa cidade sem
alma e vida.
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