domingo, 22 de novembro de 2015

HERMES RANGEL


Todo um sonho de amor e de beleza houve sempre por bem enaltecer o valor deste filho um- Menestrel um doce sabiá do enaltecer- a rima dessa Gleba a natureza, em versos magistrais- Hermes Rangel

                                            Nascimento Araújo

Mariana Luz, em seus Murmúrios dedicou um poema ao ex-aluno e amigo Hermes Rangel. Tempos atrás, revendo as obras de Juvenal Nascimento Araújo, me chamou a atenção um texto no livro, Castália Iluminada, onde o   trovador itapecuruense homenageava os ilustres conterrâneos entre os quais o “menestrel” Hermes Rangel.

A partir de então iniciei uma busca ao citado poeta.   Em entrevista a antigos moradores, todos foram unânimes em afirmar que nunca ouviram falar de tal poeta. Não desisti em razão de duas grandes expressões da nossa cultura literária que enalteceram aquele cidadão, enfatizando a sua condição de itapecuruense e o seu talento.  Portanto achei de bom alvitre trazer a lume informações sobre o ilustre conterrâneo, como mais um exemplo de destaque a representar a nossa cultura em outras plagas.

             Hermes Raymundo Rangel era filho do    major Joaquim Alves Rangel e Rosélia Rangel.  O major, que nasceu no Estado do Espírito Santo, chegou ao Maranhão ainda jovem. Foi   telegrafista de Itapecuru Mirim de 1889 até 1916.  Possivelmente casou-se com uma itapecuruense e dessa união nasceram seus filhos, entre eles o advogado, filósofo, escritor, poeta escultor e desenhista Hermes Rangel e a professora e poetisa Dinoca Rangel. 

            O telegrafista Joaquim Rangel foi bastante atuante na sociedade local, integrou a Sociedade Musical Beneficente de Amigos, responsável pela criação da Banda Despertadora, e da Escola de Música do Município.  Em 10 de maio de 1916, juntamente com o dentista   Zadock Pastor, a professora Zulmira Fonseca e o farmacêutico Rufino Coelho, fundou a escola “Instituto Amor às Letras”, projeto de iniciativa do padre João Teixeira.

            Hermes Rangel, foi discípulo da professora Mariana Luz até 1909, quando seus pais o encaminham à Capital, para a conclusão do primário no Instituto São José, instituição religiosa regida pelo Monsenhor Vicente Galvão. Também estudava desenho e escultura em escola de arte demonstrando desde cedo vocação para escultura.

Em 1911 ingressou no Liceu Maranhense.  Como liceista, aguardava com ansiedade as férias, que passava   em Itapecuru Mirim, onde organizava com amigos, peças teatrais, saraus, e participava das famosas serenatas ao luar, tocadas de preferência debaixo de uma janela como forma de declaração de amor a uma donzela. Um dos estilos de paquera feitas por estudantes e seresteiros apaixonados. 

O livro Cronologia das Artes Plásticas do Maranhão, de Luis de Melo (2004), faz o seguinte registro:
Tivemos ocasião de ver casualmente um pequeno busto do Barão do rio Branco, patrono da nossa sociedade, executado em cal pelo nosso amigo Rangel. Este pequeno trabalho sintetiza a extraordinária vocação que tem o seu inteligente autor para tão encantadora trilha, a escultura. (O Canhoto, 27.7.1913).

            Em 1913 concluiu os estudos no Liceu e no início de 1914 o jovem viaja para o Rio de Janeiro, com a intenção de matricular-se na Academia de Belas Artes, não conseguindo seu intento ingressou no Externato Gabaglia, para o curso de Desenho e Escultura, enquanto se prepara para prestar exames para o curso de Direito. Em outro registro do livro acima citado:
Hermes Rangel, partindo brevemente par o Rio de Janeiro, encetar o seu curso na Academia de Belas-Artes, esse nosso consorcio resolveu à priori, passar alguns dias em Itapecuru, afim de despedir daquelas plagas longínquas. (O Canhoto, 1º.2. 1914).

                No inicio do ano de 1916 ele habilitou-se ao curso de Direito tornando-se   um estudante atuante e questionador, fazendo parte dos movimentos da esquerda estudantis e   sobressaindo-se como orador dos acadêmicos em manifestações pela melhoria do ensino, com propostas para solucionar problemas vitais para a sociedade. Concluiu o curso com projeção, como orador e conferencista. Graduou-se também em Filosofia em 1927.

ATUAÇÃO LITERÁRIA

            No Rio de Janeiro, foi membro titular da Sociedade Brasileira de Filosofia, onde era seu principal conferencista sempre com temas ligados à educação. Um dos temas “O Problema da Educação na Civilização Moderna” O seu patrono na Associação era o filósofo Aristóteles.

            Em 1933 lançou o livro, Poemas de Luz e Sombra, que segundo a crítica eram poemas “bem comportados, sonetos bem medidos, estilo ás vezes rigoroso às vezes ingênuo, não se deixando carregar pela torrente de modernismo destes tempos em que o desleixo é a moda” (O Malho, (RJ) 14.12.1933). Com tal obra concorreu ao concurso literário da Academia Brasileira de Letras, em abril de 1934, na categoria poesia, tendo sido um dos classificados. 

            Em julho de 1940 lançou O Festim de Maqueronte, um drama teatral, muito bem aceito pela crítica, (Diário Carioca, 2.3.1941)

Em 1942 do seu livro de máximas, “Ideias e Reflexões”. Algumas máximas:  -  Quem devagar anda, atrás fica; - Quanto mais ignorância no seio da sociedade tanto mais se celebrizam os genes, assim como nas noites mais tenebrosas, mais brilham e fulguram os astros; - As paixões políticas, quando não se transformam em patriotismo e dignidade, degeneram em derrotismo e imprestabilidade. Ainda chegou a candidatar-se a uma   cadeira da Academia Carioca de Letras, não tendo sido eleito.

Hermes Rangel foi um dos fundadores do Centro Maranhense do Rio de Janeiro, com endereço na Praça da República, instituição   apoiava os maranhenses da Capital Federal.
Alguns dos seus poemas:
LONGE DE TI
Longe de ti, velejo mar afora,
Longa jornada, ríspida vencendo,
- Brota-me n’alma e dolorida enflora,
Louca saudade os sonhos desfazendo...

Terras e mares, tristuroso, embora,
Tudo percorro – lágrimas vertendo,
Levando ao peito o nosso amor outrora,
- Pérfida sombra a minha dor contendo!

Venço alimárias, vogas mil, sem termo,
E em vão me esforço e me debato em vão
Para remir o meu coração enfermo!

Tudo debalde! A mágoa me exaspera!
Quedo triste da minha maldição,
Juntamente ao pranto tão fatal quimera...


                        RIO ITAPECURU
Eia! Lá vai barco acima mansamente,
         Singrando a água do rio,
E veloz a corrente e embalde, o barco luta,  
        Num remar inclemente,
Prendendo a sirga, às vezes, no paul bravio,
         Ou as varas remando, à força bruta.

No convés, em canções, os tripulantes dançam,
         Na labuta infindável,
Dos que trabalham sóis, a suar, dia e noite,
        E nunca ali alcançam
Recompensa, a não ser o suplicio implacável,
        De sofrerem do tempo o rijo açoite.

No silencio da noite, ou sob a luz do dia,
         De manso corre o barco,
Não há vento, nenhum; há mutismo e quebranto,
         Há doce nostalgia
Desde a grama rasteira à copa do pau d’arco
         Enquanto esbulha o rio infindo pranto.

A peleja não cessa, é bem longe a viagem!
         Vão-se infindas semanas,
Através dessa linfa amarelenta o boa,
            Eia! Adiante! Coragem!
Mosquitos e sezões nessas plagas profana,
            Não te abafem, barqueiros, a ardente loa!

Mas, em vão e o labor em que te empenhas homem!
            Talvez em meio a rota,
Do itinerário ao meio e da meta distante...
            As horas te consomem,
Nesse barco, a vagar, por plaga triste e imota,
            N’alma do poeta unindo a do gigante...

Jornal Beira-Mar 12.02.1941)

                 IMENSIDADE
Mar céu... Céu e mar... Nas ondas vejo,
Em cada espelho de esmeralda pura,
A realização do meu desejo,
-  Ânsia desfeita por vernal ventura!

Do meu destino, as sobras em cortejo,
Todas contemplo –as, na maior doçura,
Estes passam, cantando, num festejo;
Aquelas choram do seu mal sem cura.

E a espuma descreve a longa história
Do meu passado garrido ou deserto,
Que se foi numa renda transitória.

Mas, consigo, de súbito, notar
Tanto mais se me fogem céu e mar!...
Que, se mais destas coisas me acha perto.

Rio – 16.4.1942

                    A PEDRA
Sou da umidade, a rígida grandeza,
Chamo-me pedra.
Vivo, assim, sem mágoa,
Embrutecida, embora, o leve pingo d’agua,

Durmo nos lagos,  pela profundeza
Se, colada, resisto à rubra fraga,
Domino as amplidões a que sou presa,
Desde o Everest ao pico do Aconcágua.

Sempre vivi no meu silencio enorme,
Ora pequena  e só, desconhecida,
Ora massa espectral, compacta e uniforme,

Jamais saber puderam meus segredos,
Estes que ocultos, em tudo a minha vida,
Nos corações dormentes dos rochedos.

Rio, 9.3.1941

                                VISÃO DE BEATRIZ
Aos meus rogos sutis, de amante apaixonado,
Como um sonho,  surgistes, eternamente bela;
Tinhas o porte ideal, a encarnação daquela,
Que vive em flóreo altar de templo iluminado...

Ungia-te o semblante a doce luz singela,
Do amor primaveral, em beijos decantados;
Eras a crença eterna, anjo do céu sonhado,
Virgem casta, em fervor, de lúcida capela!

Tenho-te ainda, n’alma, em mística aparência!
No conforto feliz do teu colo discreto,
Sorve o gole letal de uma esquisita essência...

É o veneno do  gozo, em teu corpo fluindo,
Que embebeda e seduz no mais silente afeto,
Como um botão de rosa angelical abrindo.

Rio. 26.10.1940

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